A busca por um camisa 8 na Seleção Brasileira: as opções do presente e do futuro

Um dos desafios do próximo treinador do Brasil é dar profundidade a uma das posições mais criticadas pelos torcedores. Alguns nomes já surgem como candidatos, sejam eles de imediato ou a longo prazo.

A dolorosa eliminação da Seleção Brasileira diante da Croácia trouxe várias reflexões e questionamentos acerca do futuro da pentacampeã, entre eles quem estará presente no próximo ciclo até a Copa de 2026. Dos temas debatidos está a procura por um ‘camisa 8’, responsável pela dinâmica na faixa central e eficiência tanto apoiando quanto defendendo – o que se espera e se vê em Paquetá, por exemplo.

Os jogadores que ali estiveram dividiram opiniões e não conseguiram cair nas graças de boa parte da torcida, como o caso de Fred. Dono de números interessantes com e sem a bola, desempenhos sólidos e um dos pilares da equipe no pré-Copa, o jogador do Manchester United nunca foi uma unanimidade entre os adeptos.

Apesar disso, teve sua importância e foi um dos jogadores de confiança do técnico Tite nesses seis anos. Fred sempre foi considerado um trabalhador silencioso, aquele que deu total suporte a Casemiro e pisava na área com qualidade. O controle orientado, a facilidade para antever as jogadas e posicionar bem o corpo para dar o melhor passe foram alguns de seus pontos fortes. Por estratégia, Fred iniciou a Copa como reserva, mas teve bons minutos no decorrer da competição até o fatídico jogo das quartas de final.

O escolhido para iniciar o Mundial foi Paquetá, que com o passar dos jogos foi se soltando principalmente quando atuou mais próximo da linha ofensiva, formando uma parceria interessante com Neymar nos jogos em que o camisa 10 esteve em campo. Desafogava na defesa, com a bola saindo com qualidade dos pés de algum zagueiro ou de Casemiro, acelerava o jogo e fazia a bola chegar em Neymar, e quando os pontas recebiam já estava próximo da área para dar opção a mais. Proposta que até certo ponto funcionou. Uma das características do atual camisa 7 é a aptidão para preencher espaços, saltando linhas quando necessário e aproximando do portador da bola para ditar o ritmo.

Desde os tempos do Flamengo, tinha muita chegada na área adversária, como na assistência das quartas-de-final
Ocupando a zona de Neymar, que saia para construir os lances em campo aberto e mais recuado

Outro ponto bastante notável é como contribui defensivamente fazendo coberturas, desarmes e ajudando os laterais. Em quatro partidas disputadas teve 68.2% de êxito nos duelos pelo chão, 71.4% nos duelos aéreos e média de 3.77 interceptações por jogo. É um jogador que alcançou ótimo nível para defender a seleção nacional, mas que precisa de sombra e concorrentes à altura para aumentar a possibilidade das variações.

Bruno Guimarães é outro atleta para atuar nesta faixa do campo — além de poder desempenhar também mais recuado como um “5” — e que não vai medir esforços para cravar seu nome em mais um Mundial daqui a menos de quatro anos. Menos intenso defensivamente que Paquetá, Guimarães tem um estilo mais cadenciador, de menor velocidade em comparação ao ex-companheiro de Lyon, mas frequentemente chega ao último terço para organizar e até mesmo definir. Compensa com a leitura inteligente para se movimentar, e o que não lhe falta é gana para se superar. Apesar dos menores atributos defensivos, é extremamente qualificado e colaborativo. Nas duas participações que teve em sua primeira Copa do Mundo, conseguiu 84% de aproveitamento em passes.

Bruno Guimarães em ação na partida diante de Camarões, válida pela terceira rodada da fase de grupos da Copa do Mundo. Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Os novos candidatos

Esta procura por um jogador “completo” trará de volta a expectativa pelo que faltou, segundo alguns críticos. Aquele que precisa ser sempre o centro das atenções, por mais que a posição muita das vezes não faça com que o jogador ali presente seja o protagonista. É um trabalho silencioso, que tende a dar sustentação defensiva e ofensiva, tornando o coletivo cada vez mais forte. Agora, quem serão os responsáveis por isso além dos que já estiveram nas listas passadas? O próximo treinador terá muito o que observar.

No futebol brasileiro surgiram alguns jogadores com grandes projeções visando participações de impacto na seleção, como é o caso de Danilo e João Gomes (da geração 2001), aclamados e pedidos nesta nova era brasileira. Já ambientados a cenários mais intensos em seus respectivos clubes, há uma expectativa de que sigam evoluindo para chegarem à seleção capazes de ocupar aquela faixa do campo. Ambos já estiveram em contextos que, ora atuando mais na base das jogadas e mais próximos aos zagueiros, ora mais adiantados e encostando nos homens da frente tiveram bons desempenhos.

Gomes, destro e de bom controle dos espaços, vem de uma temporada extremamente vitoriosa pelo Flamengo. Foi, definitivamente, o ano da afirmação como titular no Rubro-Negro. Cresceu e ganhou espaço com Paulo Sousa, e com Dorival Jr. manteve a regularidade se tornando absoluto. Com números expressivos em passes acertados (87.7%), o camisa 35 da Gávea deve entrar no radar da Seleção e receber oportunidades nas futuras convocações.

João Gomes atuou predominantemente no setor esquerdo do 4-3-1-2 do Flamengo com Dorival Jr.
Dentro da proposta do Flamengo, o camisa 35 tinha bastante chegada na área e ataque no espaço as costas da defesa

Já Danilo, canhoto e de boa chegada na frente, parece ter se encontrado em um sistema que expõe menos os jogadores defensivamente, mas que contribui fortemente em todo o desenvolvimento tático do Palmeiras de Abel Ferreira. Participativo na construção alviverde, com 85.6% em passes certos, alia bem a técnica com a imposição para jogar sem a bola nos papéis defensivos que exerce na proposta que o técnico português implantou e tem dado mais que certo. Tudo isso fez com que a evolução do camisa 5 o deixasse em evidência e pronto para um salto na carreira. O fato é que, mesmo já tendo sido lembrado por Tite, há um longo caminho a percorrer para brigar pela posição.

Danilo é responsável por ajudar na iniciação da jogada em 3+1 do Palmeiras de Abel Ferreira
Quando o time precisa, está buscando infiltrar mais na área adversária para criar dúvidas nos defensores

Resta saber como a parte física, que ainda precisa ser melhor trabalhada, irá influenciar. Uma ida à Europa será fundamental para o entendimento ainda maior do jogo principalmente sem a bola, e não deve demorar para acontecer.

E por que não André, do Fluminense? Mesmo atuando mais recuado no Tricolor das Laranjeiras, é uma boa aposta e mostrou que pode sim corresponder. Suas características mais físicas e defensivas não o impedem de fazer um jogo de maior apoio. Quando não esteve suspenso (quatro rodadas), foi titular em todos os jogos do Flu no Campeonato Brasileiro. Os números em passes foram ótimos: 93,5% de acerto em passes gerais e 89.1% em passes progressivos.

O queridinho do Newcastle de Eddie Howe pede passagem

Na Europa, Joelinton tem sido um dos brasileiros mais interessantes de acompanhar no velho continente. Atacante de origem, foi recuado para o meio e se tornou peça fundamental na equipe do Newcastle. Uma espécie de pilar tático e técnico dos Magpies, que organiza, defende e ocupa todos os espaços do campo. Apesar de cair pelo lado esquerdo buscando o corredor ou infiltrando em diagonal, quando a equipe faz um jogo mais propositivo e com superioridade numérica, “recua” para compor uma linha geralmente com três homens enquanto outros companheiros avançam para dar opção mais próximos à área.

Atacante do origem, se adaptou muito bem na função proposta por Eddie Howe
Em fase ofensiva, Joelinton se alinha a outros dois jogadores para dar sustentação ao meio-campo do Newcastle

O comprometimento tático e o desempenho na Premier League fizeram com que surgisse a expectativa de oportunidades na Seleção – o que deve ocorrer neste ciclo que se iniciará. Joelinton é o quinto jogador da equipe com mais interceptações (60 – 4.55 por jogo) e o terceiro em duelos defensivos ganhos (58.76%), atrás de Bruno Guimarães (60.82).

A geração 2004 a caminho

Diferente do que ocorreu com outras gerações brasileiras que não renderam tantos frutos na posição, como a de nascidos em 2002 campeã do mundo sub-17, a turma de 2004 espera atender às expectativas e tem três atletas já no profissional em seus clubes fazendo a diferença: Andrey Santos, Matheus França e Victor Hugo.

Um dos principais responsáveis pelo acesso do Vasco, Andrey mostrou extrema atitude e ousadia para assumir o posto de titular absoluto, além de herdar a histórica camisa 8 cruzmaltina. A saída curta do Vasco funcionou bem com o jovem recuando para ser o primeiro portador da bola. Acionando zagueiros ou laterais, como também conduzindo entre a primeira linha de marcação adversária, impressionou e se colocou como uma das principais joias não só do país, mas também do continente.

Ofensivamente demonstrou bastante relevância e contundência, sendo autor de oito gols na Série B. Os próximos passos na elite serão determinantes e não resta dúvida de que poderá manter o bom nível – principalmente com uma equipe mais qualificada graças a chegada da 777 Partners. Na Seleção principal será questão de tempo para ser lembrado e a tendência é não sair mais das listas.

Andrey Santos tem capacidade de iniciar as jogadas nos pés do goleiro e quebrar linhas com passes ou conduções
Além disso, consegue aliar a capacidade de construção com as chegadas na área e fazendo gols

A dupla do Flamengo, Matheus França e Victor Hugo, também causaram boas impressões e já geram expectativas a respeito da presença nas convocações em um futuro não muito distante. A personalidade dos jovens sob o comando de Dorival Jr. colocou ambos na rota e iniciarão a temporada 2023 em alta. Juntos marcaram nove gols e deram três assistências, além de muita participação em todo o campo.

França (destro) e Victor Hugo (canhoto) se diferem e se complementam ao mesmo tempo. Apesar de ser um meia mais de armação, com menos atributos defensivos, França tem todo o porte para jogar mais recuado, com mais espaço e tempo para organizar. Os próximos passos no Flamengo, onde já chegou a ser utilizado até como atacante de referência com mais mobilidade, serão cruciais para sua afirmação em cenário mais competitivo. Qualidade técnica e predicados físicos pra isso tem de sobra, além do fato de estar rodeado de estrelas que podem ajudar na adaptação e evolução em todos os sentidos. É um jovem que pressiona bem e tem boa imposição para se sobressair vindo mais de trás. Numa estratégia mais ofensiva pode funcionar.

Victor Hugo neste primeiro ano como profissional foi quem mais se aproximou do jogador que pode ser esse novo “operário” silencioso no meio-campo da Seleção. Tudo isso, claro, devido ao posicionamento e responsabilidades táticas. Com a bola no pé possui repertório para gerar oportunidades, tirar o time da pressão e fazer o jogo fluir. Além, claro, da participação na organização defensiva. No chamado “time B” do Flamengo foi um dos grandes destaques. Carece de mais concentração sem bola, assertividade nas movimentações, porém seu potencial é grande.

Com Dorival, Victor Hugo atuou mais ao lado esquerdo do 4-3-1-2
O gol contra o Palmeiras mostrou a capacidade de infiltrar na área do jogador

Outros nomes podem surgir e não foram citados no texto, mas a verdade é que temos um leque de possibilidades para voltar ao topo do mundo não apenas no meio-campo. Claro que o momento é de pregar cautela, ainda mais com os resultados nos últimos Mundiais para não deixar a pressão por títulos atrapalhar o cuidadoso trabalho que precisa ser feito de cima para baixo – ou vice-versa. É sabido que ainda não há definições sobre quem será o novo comandante, apesar do forte rumor envolvendo Carlo Ancelotti para comandar a partir do segundo semestre de 2023, mas após a ressaca de mais uma eliminação o foco é reorganizar a casa e buscar o posto que fora conquistado em momentos anteriores com atletas de muito talento oriundos não apenas da base, mas também das ruas. Esse é o nosso instinto. Esse é o Brasil.

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