GUIA DA CHAMPIONS: Borussia Dortmund e PSG
Apesar dos problemas defensivos, BVB tenta acabar com o sonho de Neymar, Mbappé e cia de conquistar uma Champions pelo clube parisiense
Projeto. No dicionário: desejo, intenção de fazer ou realizar (algo) no futuro; plano. Borussia Dortmund e PSG, cada um ao seu modo, possuem suas ideias para dominar o cenário nacional e mais adiante conquistar a Europa. Na França, a presença de Neymar e Mbappé remete (para muitos) que o título se torna obrigação, entretanto desta vez com reforços para defesa e meio. Na Alemanha, o domínio do Bayern deixa apreensão nos auri-negros e não por acaso o projeto da vez foi reforçar a equipe não com apenas jovens, mas atletas mais consolidados no cenário para competir.
Para buscar entender como jogam, quais suas características, os seus defeitos e a equipe que deve entrar em campo, convocamos Bruno Povoleri e Renato Gomes para esta missão.
BVB, A INCÓGNITA EM FORMA DE TIME QUE PODE SURPREENDER
Diferentemente dos anos anteriores, quando o objetivo era chegar o mais longe possível nas copas e ficar entre os melhores no campeonato nacional, o Borussia Dortmund entrou nesta temporada com uma única e exclusiva finalidade: conquistar títulos. A partir da manutenção de Lucien Favre e com um elenco mais encorpado, a mudança de ambição fazia total sentido para um clube que precisava, e continua precisando, ser mais vitorioso.
No entanto, até o momento, há uma longa distância entre sucessos e fracassos. Passada a metade da atual temporada, o Dortmund já foi eliminado da Copa da Alemanha e luta pelas primeiras posições na Bundesliga, ainda que esteja próximo da liderança. No contexto envolvendo a Champions League, o duelo contra o Paris Saint-Germain, pelas oitavas de final, vai definir se o objetivo principal de chegar às quartas de final da competição será atingido.
Do aspecto da formação tática, Lucien Favre, depois do insucesso com o habitual 1-4-2-3-1, decidiu apostar em uma espécie de 1-3-4-3, esquema que acabou salvando o emprego do treinador suíço. Ao todo foram 13 jogos, com sete vitórias, dois empates e quatro derrotas, além de 39 gols marcados e 21 sofridos. No geral, ainda que apresente fragilidades, especialmente defensivas, o esquema é o que mais faz sentido levando em conta as características individuais e coletivas do elenco como um todo.
Sendo assim, apesar de ter utilizado o 1-4-2-3-1 durante o segundo tempo da vitória por 4 a 3 em cima do Augsburg pela Bundesliga, e na derrota pelo mesmo placar para o Bayer Leverkusen, também pela Bundesliga, a tendência é que utilize o 1-3-4-3 na maiorias das partidas no restante desta temporada, mesmo com a chegada de Erling Braut Håland.
O centroavante norueguês precisava ser encaixado no time titular, que constava em alto nível com um trio ofensivo encorpado por Jadon Sancho, Thorgan Hazard e Marco Reus. Håland chegou a atuar ao lado dos três principais cérebros da equipe, contudo, com a lesão muscular sofrida por Reus, que deve deixa-lo afastado dos gramados até o início de março, o “problema” ofensivo foi resolvido.
Por outro lado, há dúvidas envolvendo Emre Can. Com a incerteza em relação à Julian Brandt, supostamente lesionado com uma entorse no tornozelo, e a má fase de Manuel Akanji, o alemão de 26 anos pode realizar ambas funções de zagueiro ou meio-campista. Além disso, Can pode oferecer um suporte maior à defesa auri-negra, que naturalmente deve sofrer com Neymar, Mbappé e companhia limitada.
Desde a mudança do 1-4-2-3-1 para o 1-3-4-3, o Borussia Dortmund passou a valorizar mais a posse de bola como forma de controle de jogo. A verticalidade ainda continua, mas é algo bem diferente do que foi visto na última temporada. Agora, com a bola, há uma variação para uma espécie de 1-3-4-2-1, com os alas dando amplitude e espaçando o campo para que os meias-atacantes consigam vir de fora para dentro e funcionar mais como armadores do que propriamente pontas.
Entretanto, especialmente pelo lado esquerdo ofensivo, Guerreiro afunila por dentro como um lateral-armador e proporciona espaço para que Sancho encare o defensor adversário no 1×1, principal característica do jovem inglês. Para formar uma igualdade numérica no ataque, Brandt e o meia-atacante oposto, normalmente Hazard, costumam encostar próximo da área com o intuito de que os defensores adversários tenham de ser deslocados em função da presença de ambos, o que acaba formando um corredor para o ala oposto.
Além disso, tanto Witsel quanto Brandt possuem liberdade para realizar movimentos para gerar superioridade numérica na base das jogadas. Especificamente, Brandt é o motor do time e dita o ritmo da partida, com uma ótima capacidade de variação de flanco ativando os alas, além de acelerar a organização e eliminar pressões com controles orientados. Exceto a elevada qualidade no passe, o camisa 19 auri-negro utiliza da boa condução em espaços curtos e da orientação corporal para perfilar na recepção do passe, desafogando a saída de bola na maioria das vezes.
Com a lesão do Reus, que funcionava com propriamente um “falso 9”, atuando na base das jogadas e voltando para o meio-campo com intenção de gerar espaços, o Dortmund perde na flutuação do ataque e na imprevisibilidade de toques curtos com a posse de bola. Por outro lado, com Håland há desmarques curtos, utilização da função de pivô, mobilidade, velocidade curta, finalização com as duas pernas e uma leitura de espaço impressionante com um posicionamento próximo do perfeito para concluir boa parte dos lances ofensivos. Apesar de serem perfis completamente diferentes, os dois líderes do ataque somam e influenciam bastante nas movimentações com a bola.
Em virtude da maioria dos cenários, nesta temporada, ocorrerem com o Dortmund sendo pressionado na saída de bola, as ligações diretas do Hummels acontecem com certa frequência e é uma das armas mais importantes no início das jogadas, muito por conta da alta qualidade técnica e da ótima visão de jogo do zagueiro alemão. Como há atacantes velozes e com características de desmarques curtos, além da amplitude realizada pelos alas, é possível ganhar espaços e permitir uma superioridade numérica no último terço do campo.
Na parte do funcionamento sem a bola, a base do 1-3-4-3 alterna entre dois tipos de esquemas. De acordo com a situação, o encorpo tático pode ser algo entre 1-5-3-2, com Sancho ou Hazard dando o primeiro combate ao lado do Håland, ou 1-5-4-1 clássico, através da recomposição de ambos os meias-atacantes para formar uma linha de quatro marcadores. Ainda assim, independentemente do esquema, Favre não abre mão de uma primeira linha de cinco defensores.
Entre a utilização de pressão alta ou de blocos baixos, o Dortmund costuma variar na agressividade da marcação. Ainda que aconteçam encaixes individuais com linhas altas quando a equipe está atrás no placar, em suma maioria é utilizada uma marcação por zona, com os jogadores fechando os espaços e tentando realizar interceptações.
A principal debilidade defensiva está nos alas, principalmente Hakimi, que possui dificuldades na marcação. Guerreiro, por sua vez, quando é comparado com o ala oposto, até consegue ser superior no quesito. Em defesa de ambos, vale ressaltar que, por conta de atuarem potencializados ofensivamente no esquema, acabam ficando mais preocupados em influenciar mais no ataque do que na defesa, o que dificulta a recomposição em situações desfavoráveis.
Ainda que consiga colaborar na parte ofensiva, Brandt também pode ser considerado um problema sem a bola. O alemão de 23 anos oferece poucos recursos defensivos e acaba sobrecarregando Witsel, o único jogador do meio para frente que propriamente possui ótimos atributos defensivos. Sendo assim, o maior obstáculo apresentado pela equipe auri-negra sem a bola é a passiva combatividade no meio-campo, muito por conta das características, por natureza, dos próprios jogadores.
Englobando os aspectos positivos, em um cenário parelho, a tendência é que o PSG tome as ações da partida mesmo jogando fora de casa, o que permite a utilização da verticalidade utilizada por Favre na temporada passada.
O principal ponto em que o Dortmund deve sofrer contra o PSG é na defesa mesmo com a utilização de uma linha de cinco e outra de quatro defensores. A título de exemplo: em oito jogos da Bundesliga, o Borussia sofreu, pelo menos, três gols de equipes como Augsburg, Union Berlin e Paderborn. Pela mesma competição, são 32 gols sofridos em 21 rodadas, igualado com Hoffenheim e Union Berlin como a pior marca entre os 11 primeiros colocados.
Contra um adversário que possui um dos melhores ataques da Europa, a frequente passividade na marcação deve ser fazer com que o Dortmund sofra. Sem muita qualidade no setor, Emre Can é o último pingo de esperança do torcedor auri-negro em tentar arrumar a principal fraqueza do elenco. No entanto, na estreia do meio-campista/zagueiro alemão contra o Bayer Leverkusen, o Borussia correu sete quilômetros a menos em relação à equipe adversária, o que naturalmente chama atenção pelo fato de que também terminaram com menos posse de bola. Portanto, não houve o uso da bola, como parte da defesa, e muito menos a abdicação da mesma em função de realizar contra golpes.
De maneira preocupante, enfrentar Neymar e Mbappé com um dos piores sistemas defensivos da Europa fará com que o Dortmund dificilmente deixe de tomar um gol, seja na ida ou na volta. Tendo como exemplo, são 22 gols sofridos em 11 jogos atuando como visitante na Bundesliga. Logo, a partida realizada no Signal Iduna Park será decisiva para as pretensões auri-negras no duelo, visto que não poderá cometer erros (algo difícil) e precisará atuar de forma compacta e competitiva, algo que está em falta na atual temporada.
PARIS SAINT-GERMAIN, POTENCIAL OFENSIVO PARA COMPENSAR UMA DEFESA FRÁGIL
Após protagonizar eliminações históricas e ter que conviver com o fato de nunca ter passado das quartas de final da Liga dos Campeões, o Paris Saint-Germain tem uma missão para a temporada atual: ter Neymar, sua principal estrela e dono da equipe em relação ao jogo, bem fisicamente para o mesmo liderar um ataque de potencial ilimitado, enquanto aceitam que seu sistema defensivo não está pronto para resistir nas grandes noites pela falta de equilíbrio e incapacidade de resistir como unidade.
Se a crise de lesões assombra o PSG desde o início da temporada e, sem dúvida, deve condicionar o onze inicial que enfrenta o Borussia Dortmund na próxima terça, Thomas Tuchel trabalhou para poupar suas principais peças num período de calendário cheio. Após a chegada de jogadores essenciais para o sistema, como Idrissa Gueye, e de testes em campo, como o desenvolvimento do 4-3-3, que levou o time a fazer um dos seus melhores jogos e viver um dos piores primeiros tempos contra o Real Madrid na fase de grupos, o treinador alemão chegou no 4-4-2 como a solução para competir nas grandes noites da Europa.
Equilíbrio em função das estrelas
A versão “final” do sistema do Paris Saint-Germain tem um objetivo simples: promover e maximizar a relação entre Neymar, Mbappé e os outros ofensivos na faixa central, da mesma forma em que o time mantém um bloco defensivo mais sustentado para gerir seus esforços físicos.
Dentro dessa linha, a organização do 4-4-2 acabou ganhando uma cara nova em 2020 depois das partidas frente ao Monaco. Se Tuchel sempre mostrou interesse pelo esquema híbrido e assimétrico, tendo Thilo Kehrer como a figura que alternava entre zagueiro e lateral pela direita, a situação da equipe é outra atualmente. Com o lado esquerdo praticamente sendo o lado gerador de todo o jogo da equipe (a tomada de riscos consequentemente ocasiona algumas perdas de posse), se tornou até uma questão de lógica “bloquear” o lateral pela esquerda com Verratti, Neymar e Mbappé jogando naquela faixa do campo.
Assim, é com o 3 + 2 (zagueiro, zagueiro, lateral + volantes) que o PSG organiza suas saídas ao campo de ataque. Com o lateral direito dando amplitude e soluções por fora, os pontas são os encarregados de trabalhar entre as linhas para complementar o funcionamento do sistema coletivo em relação à estrutura e à criatividade. E é aí que entra Neymar.
Neymar, o fator X
Depois de um início de temporada mais complicado, com as lesões sofridas com a seleção do Brasil, e o rendimento abaixo da média pela falta de ritmo e falta de um sistema definitivo, Neymar voltou a jogar um futebol brilhante. Com liberdade de posicionamento e dono de um volume digno de poucos, o brasileiro basicamente funciona como um sistema ofensivo por conta própria.
Sua influência dentro da equipe é quase que imensurável e, com ritmo e personalidade para chamar o jogo para si desde zonas mais recuadas, é atraindo, fixando e eliminando através de suas conduções, trocas de ritmo e dribles que o camisa 10 do Paris coloca seus companheiros em vantagem ao mesmo tempo que desestrutura o adversário com passes como se fossem presente.
Com uma média de dribles por jogo maior que a de Lionel Messi e um 2020 extremamente produtivo (seis gols, duas assistências em seis jogos), Neymar reencontrou sua melhor fase dentro de campo. Entretanto seu peso dentro do sistema é tão grande, que, recentemente, não é surpresa que o desempenho de Kylian Mbappé (por vezes deslocado para a ponta esquerda para cumprir com o sistema), Ángel Di María (precisa de movimento ao seu redor) e Mauro Icardi (necessita ser alimentado para finalizar) tenha sofrido uma queda e o fato de que o brasileiro é o dono das ações, resolvendo as mesmas com eficiência e espetáculo, esse lado da imprevisibilidade pode explicar o rendimento mais baixo do restante do elenco em relação aos números.
Uma defesa proativa, mas ineficiente para defender o espaço
Se o ataque possui um potencial quase que infinito e se completa com jogadores de perfis diferentes (há criatividade, drible, bola no pé, ruptura e ameaça ao espaço, presença física em zonas de finalização e qualidade na definição), o sistema defensivo do Paris Saint-Germain se tornou um problema crônico ao longo dos anos.
A pressão pós-perda é um elemento chave para impedir com que a equipe sofra ao recuperar bolas em zonas mais avançadas, o problema da equipe de Thomas Tuchel está na incapacidade do coletivo em manter seu 4-4-2 estruturado dentro do próprio campo.
Sem um grande trabalho do quarteto para ocupar espaços ao “correr para trás”, a equipe do PSG simplesmente acaba sendo cortada em suas. Além da inferioridade numérica, gente como Marco Verratti, Idrissa Gueye e Marquinhos vivem sobrecarregados para defender o campo em sua largura no mesmo instante em que tentam proteger a linha defensiva. Se existe um jogador pronto para oferecer coberturas nos momentos defensivos com o estabelecimento do sistema híbrido, as dificuldades do Paris para proteger seu gol estiveram e estarão presentes, principalmente contra adversários de nível, enquanto Neymar, Di María, Mbappé e Icardi estiverem em campo. Basta confiar na capacidade de Thiago Silva como zagueiro para defender a área, em Keylor Navas, decisivo debaixo das traves, e na utilização da posse defensiva para haver uma resistência maior num time que está fadado a entregar tempo e espaço para qualquer adversário, seja na Ligue 1 ou na Europa.
O que pode aproveitar no confronto e onde pode sofrer
O Paris Saint-Germain vive uma mudança significativa em relação ao seu jogo desde a saída de Laurent Blanc e a chegada de Unai Emery e Thomas Tuchel em relação ao estilo de jogo. Ao deixar um futebol pautado pelo ritmo baixo e controle da partida, o PSG atual é uma equipe que compete mais num cenário de transições. Se em cada área o problema da equipe parece solucionado, principalmente com Navas sendo fundamental e Neymar liderando ataques para criar ocasiões, as dificuldades está entre o que acontece no espaço entre cada lado do campo.
Os problemas defensivos não são completamente sanados pela pressão pós-perda e, quando as primeiras linhas de pressão são superadas, o espaço e a largura do campo são um convite para o adversário atacar o gol defendido pelo goleiro costa-riquenho. Por fim, parece que o destino do PSG selado no momento em que aceitarem que sofrer gols será algo inevitável e que a equipe precisará marcar mais em partidas que prometem ser completamente caóticas, tendo como exemplo o Monaco de 2016-2017, que chegou até as semifinais realizando partidas abertas do início ao fim contra Manchester City e o próprio Borussia Dortmund.
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