GUIA DA CHAMPIONS: Liverpool e Atlético de Madrid
Enquanto um busca seu sétimo título, o outro sonha com a primeira "orelhuda"; um duelo de opostos acontece entre Liverpool e Atlético de Madrid
Em busca da glória, Liverpool e Atlético de Madrid tem tradições opostas na Liga dos Campeões. O clube inglês é hexacampeão, vive um ano mágico sob o comando de Jürgen Klopp e defende o título nesta temporada. Os espanhóis sofreram decepções recentes em Lisboa e Milão – sempre sob o comando de Diego Simeone – ao ver o título escapar de suas mãos contra o maior rival.
A missão de escrever e analisar os Reds e Colchoneros ficou a cargo dos analistas Mairon Rodrigues e Jonatan Cavalcante. Entender os contextos envolvidos nas suas Ligas, as suas principais virtudes, defeitos e pontos que serão preponderantes neste confronto.
LIVERPOOL, O TIME QUE SE RECUSA A PERDER
Jurgen Klopp, talvez, tenha feito o Liverpool atingir seu ápice. Não perdeu na Premier League, tem uma derrota na Champions. Mas se recusa a perder no campeonato local. Liverpool não é mais o time “rock and roll” como antes. É um time mais perigoso, que não joga em uma só marcha e os rivais ainda não conseguem lidar com isso. E, sim, os comandados de Klopp tiveram jogos em que o rival jogou de igual para igual; contra o Napoli, Wolves, Salzburg. No mais, é um domínio físico, técnico e mental do Liverpool.
E temos uma “alternância de domínio” entre os protagonistas do time. Seja no trio de ataque, meio campo ou até defesa. Atualmente, ninguém no Liverpool joga mais que Jordan Henderson. Que é, em muitas análises, o melhor meio-campista da Premier League. No ataque, hoje temos um Roberto Firmino cada vez mais determinante. Na última linha, Alisson é a manutenção do gol a zero que o Liverpool tem.
O Liverpool, em termos defensivos, é muito bem resguardado. São 11 clean sheets, quando o time não toma gol, na Premier League e isso tem ligações na já famosa contrapressão. A coordenação do movimento é cada vez mais fina, são superioridades numéricas que asfixiam o adversário, mas o Wolves e Napoli usaram a saída de pressão. Se na fase ofensiva, inverter o jogo faz o Liverpool machucar os adversários, na fase defensiva é o mesmo. É o calcanhar de aquiles que os rivais usam.
Jogo pelos lados – Os laterais híbridos de Klopp
Robertson e Alexander-Arnold são laterais de corredor, em tese. O jogo de Klopp, por vezes, é nada conceitual na fase ofensiva. É o jogo possível, todo jogador é adaptável a ideia. Desde que tenha bom físico e senso de pressão. Os laterais de Klopp têm isso e mais uma característica subestimada em ambos: a adaptação. Robertson e Arnold são subestimados em fases construtivas do jogo.
Os meias do Liverpool, Wijnaldum e Henderson, por vezes, são encaixotados nas pressões adversárias. Mas isso não é problema. Arnold tem média altíssima de passes para o terço final (11 por jogo, 56% de acerto), se não é o mais construtor, é agressivo. Robertson, um pouco abaixo (8 por jogo, 75% de acerto). São tão influentes quanto qualquer construtor no elenco, até mais que os próprios meio-campistas. Ambos combinam 31 assistências somente na Premier League. A força aérea do Liverpool tem munição vinda dos dois.
Firmino: o sistema, o tempo e o espaço.
Falar de Liverpool é falar de Firmino. O casamento entre jogador e clube é bom e por inúmeros motivos. Klopp potencializou o camisa 10 que chegou do Hoffenhein e transformou em um camisa 9 completo. Firmino é o melhor do assustador trio de ataque, e é o melhor também por ser um camaleão. Como jogador no comando do ataque, Firmino não decepciona e é um goleador competente. Tem oito gols na Premier League, apesar de não ter marcado na Champions League ainda. Mas são quatro assistências no torneio continental. Geralmente, dando o tempo e o espaço necessário para Mané e Salah serem determinantes na diagonal.
Firmino é subestimado pela ótica brasileira, seja por não ter passado em um grande centro do país ou por não ir tão bem na seleção, mas é o jogador-sistema do Liverpool. Semelhanças com Benzema são evidentes em abertura de espaços e construção e jogo. Mas o tempo e ritmo que ele dá em todas as ações pelo centro são ainda mais sensíveis. Quando baixa da referência e vê o jogo de frente, é como se fosse um controlador de voo. Sabe tudo, lê tudo e controla tudo. Firmino é especial.
Tripé de Meio: qualidade, combate e termômetro
Como disse na abertura do texto: o Liverpool era um time que jogava apenas em uma marcha. Não sabia a hora de acelerar ou frear, isso complicou em situações passadas sob comando de Klopp. Virada na final da Liga Europa, perda de pontos para times menores na Premier League, Champions League em que foi vice contra o Real Madrid.
Agora o Liverpool é um time que consegue acelerar e frear. Ter Fabinho, após uma adaptação difícil, em alto nível ajudou o Liverpool. O brasileiro aportou o trabalho sujo que os Reds precisavam na fase defensiva. Mas sobretudo é um jogador que consegue ritmar o meio-campo desde a base da jogada. Tem passe curto, longo e entrelinhas, com critério. Além das viradas de jogo para o lado que o rival marca com menos gente. Sempre ativando lateral ou ponta no 1×1.
Henderson, que jogou bom tempo da temporada sendo o titular no lugar de Fabinho, é camaleônico. Pode ser o 5 abrindo meio, ou o meia de mais pausa e fazendo o time se defender com bola.
Wijnaldum, Ox-Chamberlain e Naby Keita são a mesma moeda, mas cada um com sua característica. Wijnaldum é um tanque. O holandês consegue imprimir ritmos altos, ir de área a área, combater fisicamente e pausar o jogo quando necessário. Se era um 10 de chegada antes de Klopp, hoje é um interior de qualidade e inteligência no jogo. Wijnaldum é um dos melhores meio-campistas da Europa, sem medo de errar.
Chambo e Keita sofrem com o mesmo mal, as lesões. Mas as contribuições de ambos são sentidas em campo quando jogam, sobretudo quando o guineano. Contratado para ser o jogador mais de pausa e passe entrelinha, ele consegue dar essas contribuições com qualidade sempre. Acho até que não jogará na Champions League, mas se entrar é mais uma adaga que pode furar adversários. Chamberlain é explosivo, versátil e jogador de confiança. Tem boa chegada na área, um reserva de nível e que pode fazer a diferença, como fez contra o City. Milner? Faz todas. Para quem teve pouca gente no setor, Klopp conta com qualidade sobressalente.
Os confrontos contra o Atletico de Madrid serão tensos. Os comandados de Simeone são bastante fortes; apesar da temporada de reconstrução, mais uma, ser um pouco abaixo da qualidade de sempre. Mas tem Oblak em nível alto, Felipe fazendo uma temporada de estréia com qualidade no setor defensivo, além de Koke e Saúl mantendo a regularidade. Falta alguns ajustes no ataque, com Morata e João Félix na frente. O Liverpool chega favorito, seja no campeonato local ou no continente. Mas a Champions é outro tipo de jogo. Teste forte, de atenção.
ATLÉTICO DE MADRID, UM CLUBE EM TRANSIÇÃO
A temporada 19/20 do Atlético de Madrid tem sido de adaptação e transição. Afinal, a equipe comandada por Simeone passou por uma reformulação profunda, que, culminou com a saída de referências técnicas (Griezmann e Godín) e de grupo (Filipe Luís e Juanfran). E que deram lugar a João Félix, Renan Lodi, Trippier, Thomas, Felipe, Morata, entre outros. Na La Liga a equipe tem oscilado e colocado a classificação à Champions 20/21 em xeque.
Pela Copa do Rei foi eliminado diante do inexpressivo Cultural Leonesa na 2º fase. E diante da temporada mais instável entre os 9 anos em que está à frente dos colchoneros, Simeone, tem o desafio de eliminar a melhor equipe da atualidade no mundo: Liverpool.
E tendo como o lema “primeiro fechamos a casinha, depois saímos para atacar”, o Atlético de Madrid vai tentar fazer algo que apenas o Napoli conseguiu em toda temporada 19/20: impor uma derrota ao Klopp’n’Roll.
Unidade Defensiva
As equipes treinadas por Simeone são marcadas por possuírem claros padrões de comportamentos defensivos. E no frame acima pode-se analisar a estruturação de uma marcação zona-pressionante no 1-4-4-2, tendo como enfoque a localização da bola e a zona a qual está situada. Ainda é possível observar que a compactação (vertical) e a densidade (horizontal) são milimetricamente pré-definida para dificultar a entrada do adversário. A Juventus mostrou dificuldade para romper a primeira e segunda linha do Atlético. Por isso, rodou a bola de um lado ao outro buscando o espaço.
Como resposta, a equipe de Simeone gira o eixo da segunda linha para pressionar mais alto. Com isso, o jogador que está aberto se encaminha para a faixa central para protegê-la. Todos os movimentos são altamente coordenados e replicados por toda equipe. O que deverá dificultar a proposta de jogo do Liverpool.
Ataque progressivo
Com a posse de bola, o Atleti sempre busca passes de progressão no campo. Ou seja, dificilmente observa-se os comandados de Simeone valorizando a posse de bola e pacientemente escolhendo a melhor alternativa. Os colchoneros são intensos e coordenados. No frame acima, é possível perceber que os jogadores ao receberem a bola, levantarem a cabeça e procurarem uma opção de passe, na maioria das vezes, escolhem passes de ruptura que deixam o próximo jogador em condição favorável para progredir com a bola, passar ou finalizar.
Ainda sobre o momento ao qual a equipe do Atlético de Madrid está com a bola, é possível notar que a organização se dá a partir da bola. Por isso, boa parte dos jogadores se concentram no setor da bola, enquanto o lateral oposto fica apostos para receber a bola no lado desconcentrado. Além disso, existe uma ordem expressa para que as jogadas sejam finalizadas buscando evitar o contragolpe e a longa corrida para trás.
Pressing
Diante de uma equipe intensa em todos os sentidos (passe, ação corporal, velocidade…), o Atlético de Madrid tem através do pressing uma ferramenta poderosa para desarticular a trinca de meio-campo do Liverpool e recuperar a bola próxima ao gol com a defesa exposta.
Abbey Road
A Abbey Road é a avenida mais famosa de Liverpool. Afinal, foi nela em que os Beatles tiraram a famosa foto que foi capa do 12º álbum de mesmo nome. E nesse frame o caminho que o Liverpool pode explorar ficou bem nítido. Ao realizar uma marcação zonal contra um adversário que organiza o ataque a partir da bola, causa uma incompatibilização de espaços. Ou seja, o Atlético necessita concentrar jogadores no setor da bola para ao menos ter igualdade numérica. Como consequência um dos lados fica exposto. E por ter laterais que dão bastante profundidade (Arnold e Robertson), não será ocasional ver o Liverpool explorando esses espaços.
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2 comentários
belas análises, acredito que vá ser um dos jogos mais interessantes das oitavas pelo embate dos técnicos. Analogia perfeita com a Abbey Road, ahahahahahaha.
Belíssima análise pessoal. Muito bom mesmo. Apenas uma correção, a avenida Abbey Road fica em Londres não em Liverpool. Abração e Parabéns.