O trabalho de scouting: quais os métodos de avaliação para um jovem?
Após o final da Copa São Paulo, Footure conversa com analistas sobre a avaliação de jovens
Com o término da Copa São Paulo de Futebol Junior, a maior competição de base do país, chega um dos momentos mais interessantes para quem fica ligadinho em categorias de base: as transferências dos jogadores que disputaram a Copinha. Todo o processo de contratação passa por várias pessoas e varia de clube para clube. Afinal, cada local tem sua cultura. Mas falando de métodos de scouting: como entender e “prever” o potencial de um jogador?
Numa Copinha em que várias atletas 05 e 06 (16 e 15 anos) ficaram em evidência, termina trazendo a tona a discussão da avaliação de potencial, onde ele pode chegar. Como observador, Lucas Nóbrega, analista de scout do Bahia, pontua: “Diria que não está formado também tecnicamente, nem taticamente, pra citarmos as outras dimensões individuais (físicas e mentais). É uma idade de especialização no jogo e dentro do processo de ensino-aprendizagem devemos ter esse entendimento na hora de realizar uma avaliação”, e ainda conclui “Dito isso, acredito que devemos avaliar os atletas em suas capacidades atual e potencial, e nos comportamentos táticos/técnicos dentro do centro do jogo (zona da bola) e mais longe do centro de jogo, ou seja, como o atleta resolve os problemas que o jogo proporciona a ele. Especificamente nessas idades, acredito que aspectos como, relação com bola e leitura de jogo, principalmente no centro de jogo, possam ser cruciais na avaliação final”.
Com relação ao tema, Thiago Paz, diretor de base e responsável pelo setor de captação do Sport, comenta que por jogarem em categorias acima das suas, os aspectos mais simples são vitais na avaliação. “Na base, principalmente no que diz respeito a diferença de idade, a questão da força é muito importante e visível entre as categorias. Então, ao se observar um jogador de 15/16 anos jogando contra garotos de gerações mais velhas, o empírico de observar os gestos soltos mais simples e limpos acabam sendo importantes. Os domínios, toques, a parte intuitiva nas ideias que mostram e executam. Até quando erram, pode-se achar alguma qualidade no que foi pensado; porque o mais difícil é o que geralmente pode desencadear um jogo”
O analista também destaca a questão mental dos jovens nessa idade: “Além disso e eu diria que acima de tudo: observar o jogador psicologicamente é importantíssimo. A sua postura dentro de campo de tomar iniciativa, dar opção, tentar imposição, por mais difícil que seja o seu enquadro dentro das disputas. O modo que se dispõe e se mostra taticamente. São fatores de peso que respondem muitas coisas com e sem bola”, comentou Thiago Paz.
Um ponto importante no scout são os atributos físicos de um atleta. E com relação a categoria de base, se torna um tema ainda mais interessante. Já que os jogadores ainda estão passando por transformações físicas. Contudo, até onde vale o risco de investir no crescimento desse jovem? “A primeira resposta fala muito sobre essa segunda. O intuitivo do jogador, os seus gestos, a forma que se comporta perante ao jogo e as adversidades [físicas principalmente em seus oponentes]… as respostas que ele vai apresentando a tudo isso oferecem uma disposição em ter a confiança de apostar ou não nele. Outra coisa dentro de tudo isso é a consideração em si da própria idade dele e a progressão de crescimento que naturalmente vai acontecer com o tempo e a maior rotação em jogos e competições”, diz Thiago Paz.
Lucas Nóbrega apresenta uma visão muito próxima a do diretor do Leão: “Acredito que a dimensão física do atleta não seja auto-excludente, principalmente nas idades citadas. Creio que a identificação da intencionalidade e o mínimo de execução para cumprimento de um comportamento requerido, seja algo que fique sobreposto a apenas uma dimensão individual do jogo. Possuindo ele essa capacidade, o desenvolvimento das suas valências físicas será voltado para potencializar aquilo que ele já apresenta alguma aptidão”. Nóbrega ainda acrescenta que essa questão física é algo menos treinável no dia-a-dia. E que existem biotipos favoráveis para determinadas situações.
“Aqui também é importante termos entendimento sobre dois fatores dentro do treino desportivo: Existem dimensões individuais do jogo mais treináveis que outras, e a física não é uma delas, principalmente quando for relacionada a questões genéticas, além do que dentro de uma ideia específica de jogo ou de formação, podemos ter a dimensão física muito explícita dentro um determinado comportamento, como por exemplo, o biotipo favorável para goleiros em duelos 1×1 e o biotipo favorável para em zagueiros em duelos aéreos. Sobre o aspecto técnico, como citei anteriormente, é a ferramenta para solução do problema do jogo, então de suma importância, principalmente em idades menores. Técnica sem bola (movimento de pescoço, orientação corporal), técnica com bola (ambidestria funcional, domínio orientado), por exemplo, são alguns aspectos a se observar com atenção”, comenta o analista do Tricolor de Aço.
Observar o jogador psicologicamente é importantíssimo. A sua postura dentro de campo de tomar iniciativa, dar opção, tentar imposição, por mais difícil que seja o seu enquadro dentro das disputas. O modo que se dispõe e se mostra taticamente
Thiago Paz, diretor da base do Sport
A Copinha de 2022 trouxe consigo um aspecto diferente. Devido sua não realização em 2021, a edição deste ano permitiu que atletas nascidos em 2001 pudessem atuar. Contudo, não só nascidos em 2001 como também em 2002, os jogadores tem idades próximas de estourar o limite da base. O que torna sua avaliação por parte de um analista diferente de jogadores com 17/18 anos, ou até mais jovens. Thiago Paz relata que nesse caso, os jogadores precisam apresentar pontos já próximos aos de um jogador profissional. “Essa é uma questão mais simples e ao mesmo tempo mais complexa. Um jogador 01/02 que chame a atenção precisa responder de forma muito completa ao que se é necessário em um jogador profissional que já esteja pronto para entrar em campo neste nível, afinal a idade dele já leva a essa carga de competição. Tem que ter a parte não só técnica, mas também a compreensão tática e de comportamento bem amadurecidas para entregar o que é esperada”. E ainda complementa “A não ser um caso muito extremo, de jogador com qualidade inimaginável, mas ainda sem trato algum, o que é cada vez mais raro no futebol de hoje, mas às vezes acontece. Uma forma de minimizar e simplificar isso é compará-los aos das mesmas gerações que já existem no meu clube”.
Sobre a questão, Lucas comenta que existe também uma questão mercadológica a ser avaliada. “Também vai de encontro a uma ideia muito próxima das citadas anteriormente. Contudo aqui, é necessário fugir um pouco mais do modelo de formação nas categorias de base e buscar ter como referência o modelo de jogo da equipe principal, já que são atletas que estão estourando a idade ou muito próximo disso. É preciso que a performance dele e a capacidade potencial seja para curtíssimo prazo, já que ele estará em breve compondo o elenco principal. Para investimentos neste caso, em específico, saímos de questões apenas técnicas (específicas do jogo) e agregamos as questões gerenciais, como o modelo de negócio, por exemplo. Para se chegar a tomada de decisão sobre fazer um investimento, muitas questões devem ser avaliadas e quanto mais alto a categoria mais complexo ficará esse processo”.
O analista do clube bahiano, que também teve uma passagem pelo Retrô, de Pernambuco, comenta sobre a importância da multiculturalidade na formação de jogadores. “Creio que sob qualquer ótica a diversidade cultural é benéfica para o ser humano, para o atleta de futebol também não seria diferente. Vivenciar mais de uma escola de futebol na sua formação seria de grande importância para o futuro profissional. Um atleta multicultural como ser humano ou como profissional, pode trazer ganhos técnicos e financeiros significantes para os envolvidos (ele próprio e o clube)”.
Porém, também relata que existe uma dificuldade de se manter não só uma cultura, como também uma identificação dos atletas com suas equipes, devido a situação atual do mercado. “Sob a ótica da técnica esportiva, adquirir conceitos relacionados a culturas de jogo diferente vai fazer dele um atleta melhor preparado para cenários adversos, além de melhorar sua leitura e execução de jogo. Contudo, é necessário frisar que temos um problema mercadológico hoje no Brasil que resulta em uma menor identificação com a escola brasileira de futebol, devemos também ter essa preocupação e buscar soluções para um melhor equilíbrio”.
Devemos avaliar os atletas em suas capacidades atual e potencial, e nos comportamentos táticos/técnicos dentro do centro do jogo (zona da bola) e mais longe do centro de jogo, ou seja, como o atleta resolve os problemas que o jogo proporciona a ele
Lucas Nóbrega, analista do Bahia
FUTEBOL DE RUA AO AVALIAR UM ATLETA
Para finalizar a conversa, um debate um pouco mais amplo do que a própria Copinha. Muito têm se falado sobre a importância do jogo de rua na formação de jovens jogadores. E Lucas deu sua visão sobre como a formação na rua ajuda na avaliação de um jovem.
“Primeiramente é preciso registrar que o Futebol de Rua é um processo pedagógico, voltado para o ensino-aprendizagem do jogo e que leva em consideração os princípios da escola brasileira de futebol, tendo como alguns destes: A liberdade criativa, a capacidade do improviso, o recurso técnico para causar desequilíbrio, entre outros, estes vistos com frequência nos campos de várzea e nas ruas Brasil a fora. Dentro da avaliação das capacidades do atleta, acredito que sim, tem uma influência positiva grande, quando remetido a cultura brasileira de jogo. No entanto, é necessário afirmar que a performance pode apresentar-se de várias maneiras, por isso, acredito que a avaliação do atleta deva ser contextualizada com o que se busca, respeitando a cultura específica onde o mesmo está inserido”.
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