Um Canadá multicultural retorna à Copa do Mundo: entenda o projeto esportivo do país
O Futebol colhe frutos da integração do imigrante a sociedade e seleção masculina se classifica a Copa do Mundo pela segunda vez.
A migração faz parte da historia da humanidade. Especialistas concordam que o fluxo de pessoas entre unidades geográficas acontece desde a Pré-História, sendo motivadas desde então por fatores como mudança nas condições climáticas, colonialismo Europeu, revolução industrial ou fuga durante período pós Guerra.
O ponto em comum entre o passado e a era contemporânea é que o Canadá sempre esteve como destino final, seja pela facilidade de adaptação do europeu com o clima frio ou a busca de melhor qualidade de vida por sul-americanos, africanos e asiáticos. Como consequência disso o país não só é notoriamente multicultural — Toronto, a maior cidade do país, é composta por mais de 300 etnias diferentes e fala mais de 180 línguas ou dialetos — como se orgulha dessa característica e mantem uma forte politica de atração do imigrante para continuar fortalecendo sua sociedade e economia para o futuro.
Apesar dos registros de pratica do futebol no país desde o fim do século 19 a seleção Canadense não possuía nenhuma tradição no esporte, mesmo no âmbito da CONCACAF. Tendo participado de apenas cinco Campeonatos de Nações (antigo nome do torneio classificatório) ate então, o Canadá se classificou para a Copa do Mundo pela primeira vez em 1985 vencendo Honduras e Costa Rica no triangular final. Tal façanha é considerada por muitos como uma espécie de acidente, tendo em vista que o México não participou das eliminatórias por ser o pais sede no ano seguinte, e Honduras já ter a experiencia de participar da edição anterior.
Em 1986 o chaveamento acabou não sendo amigo e a seleção norte-americana termina a edição com a pior campanha após enfrentar três seleções fortes da época (França, Hungria e União Soviética). O que viria a ser o fim de uma espera de 40 anos ate uma nova participação – um mero acaso na opinião de muitos – na verdade acabou sendo também mais uma etapa concluída de um ambicioso projeto nacional de fomentação do esporte. Em 13 de Junho de 2018 a FIFA sacramenta um momento histórico, por determinação de uma inédita votação aberta, a realização conjunta da Copa de 2026 entre Estados Unidos, Mexico e Canada.
TRABALHO NOS BASTIDORES
Quando a Canadian Soccer League se dissolveu nos anos 90, após diversas tentativas de ligas profissionais no país ao longo do tempo, abriu-se margem para que os principais times da época se tornassem franquias na Major League Soccer, devido a proximidade geográfica e cultura entre Canada e Estados Unidos. Durante os anos 2000, três franquias Canadenses passam a disputar a MLS: Toronto FC, Vancouver Whitecaps e Montreal Impact.
Com a consolidação destas franquias ao longo dos anos as equipes ganharam muito em estrutura e profissionalização de suas gestões.
Em 2014 a Federação de Futebol (Canada Soccer Association) divulgou em seu relatório anual entitulado “Becoming a Leading Soccer Nation” um projeto detalhado para tornar o país uma força no esporte, não só no feminino — já realidade na época — como no masculino também. O projeto tinha como pilares o investimento na formação de técnicos, árbitros e a consolidação da formação de jogadores por meio das categorias de base existentes, ligas amadoras e profissionais. Tudo isto mirando o fortalecimento de ambas seleções nacionais, inclusive com o objetivo a curto prazo de participação na Copa do Mundo da Russia.
Em 2017, a Federação aprova a criação de uma nova liga profissional em sua historia, a ser chamada Canadian Premier League (CPL) tendo sua temporada inaugural prevista para 2018, contando com oito clubes.
Ainda em 2017, o Toronto FC se sagra campeão da MLS contando com um total de 7 jogadores Canadenses em seu elenco, sendo 5 formados na própria categoria de base.
A cereja do bolo acontece em 2018, quando o mercado norte americano se estabelece como fornecedor de talentos para Europa, estabelecendo assim mais uma etapa do projeto. O Bayern de Munique adquire a jovem sensação Canadense Alphonso Davies, do Vancouver Whitecaps, pelo maior valor de transferencia na MLS ate aquele momento, aproximadamente US$22 milhões.
Chegamos em 2019 e mais etapas do projeto se concretizam com a temporada inaugural da CPL, seguindo moldes esportivo e empresarial semelhantes a MLS. No mesmo ano, a Canada Soccer Association anuncia também a criação de uma entidade chamada Canada Soccer Business (CSB), como um braço empresarial ligado a Federação que sera responsável pela gestão da Liga (CPL) e ativos comerciais das Seleções Masculina e Feminina.
O TALENTO É IMPORTADO
Sob o comando de John Herdman, ex-técnico da Seleção Feminina, o elenco que se tornou mais equilibrado entre as zonas do jogo tem no ataque o seu brilho. O trio formado por Alphonso Davies, Jonathan David e Cyle Larin se mostrou não apenas dinâmico, em termos de variações de jogo, como principalmente decisivo e letal. Os três são responsáveis diretos pelo melhor ataque das Eliminatórias para Copa do Catar, inclusive marcando gols importantes, como por exemplo:
- Davies contra: Panama – rodada 6
- David contra: Honduras – rodada 9 / El Salvador – rodada 11
- Larin contra: Mexico – rodada 8 / EUA – rodada 10 / Jamaica – rodada 13
Outro ponto em comum entre eles fora o talento com a bola: todos são de origem estrangeira. David filho de pais Haitianos, Larin filho de Jamaicanos e Davies, filho de pais Liberianos, nasceu em Gana e emigrou para o Canadá como refugiado de Guerra. Se analisarmos o elenco convocado para a ultima janela de jogos das Eliminatórias, dos 25 jogadores: 14 são filhos de pais imigrantes e 4 são imigrantes eles mesmo.
Muitos países são compostos por imigrantes mas poucos são tao orgulhosos disso como o Canadá, que acolhe seus novos residentes de forma muito inclusiva e o Futebol, como reflexo da sociedade, também colhe os frutos dessa integração.
NOVA ERA NA CONCACAF
A Copa é o tipo de evento que sempre trás belas histórias e os times da CONCACAF tem acrescentado ao enredo da competição ao longo das ultimas edições, como a Costa Rica em 2014 e o Panamá em 2018. Diante do cenário atual em que os países da America Central passam por instabilidades, a região clamava por um novo protagonista, e a hora do Canadá reescrever o seu próprio capitulo finalmente chegou.
A classificação, garantida em Toronto, contra a Jamaica, com clima de -15 graus, foi a consumação de uma jornada memorável. O time possui a melhor campanha das Eliminatórias com 8V 4E 1D a frente de EUA e Mexico, adversários que os Canadenses venceram com superioridade ao longo do caminho. O país que é global em sua característica volta ao maior palco do esporte depois de 36 anos.
Uma frase atribuída ao filósofo romano Seneca diz que: sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade. Aos que acharam um acaso, ou sorte, o Canada ir a Copa como anfitrião, a classificação com autoridade já no ciclo de 2022 deixa uma clara mensagem. A preparação foi feita e o país está no páreo para se tornar força na região.
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