30 anos da Copa do Mundo de 1990: três zagueiros
Após apresentar, ontem, a influência que a Copa do Mundo de 1990 teve nas regras do futebol e suas consequências no jogo jogado, O Footure, no segundo de uma série de cinco textos que relembram os 30 anos do Mundial da Itália, conta como foi a participação brasileira na competição, marcada pela popularização do esquema com três zagueiros.
“E eu sou o papa”, disse o guarda italiano ao ouvir as justificativas de Sebastião Lazaroni em uma propaganda de automóveis antes da Copa da Itália. Na cena, o brasileiro, ao lado do seu carro, é abordado por um carabiniere nas ruas de Turim. Na conversa, o treinador, prestes a ser multado, tenta comprovar que, apesar do sobrenome italianíssimo, ele era brasileiro, treinava a Seleção e, pasmem, o seu Fiat Uno era produzido em solo tupiniquim e exportado para a Itália.
Embora fosse difícil acreditar, era tudo verdade. Prestes a completar 40 anos, o mineiro Sebastião Barroso Lazaroni era o responsável por tentar levar o Brasil ao tetracampeonato mundial. Sua contratação foi o primeiro presente de Ricardo Teixeira para o futebol brasileiro. Sua carreira de técnico era curta, com passagens por Flamengo, Vasco e futebol árabe e três títulos cariocas consecutivos.
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Com um time envelhecido na Copa de 1986, Carlos Alberto Silva renovou a cara da Seleção após a saída de Telê Santana. As mudanças tiveram continuidade com Lazaroni, nomeado treinador por Teixeira no começo de seu mandato em 1989. Além de nomes, segundo o relatório técnico da Fifa da Copa de 1990, o Brasil utilizou 59 jogadores durante a preparação para o Mundial, o sistema de jogo foi alterado. Foi a introdução brasileira ao sistema com três zagueiros.
Apesar de todas as críticas, não se podia dizer que Lazaroni estava fora de sintonia com o futebol jogado em outras partes do mundo. Das 24 seleções que pisaram nos gramados italianos, 19 jogaram com três zagueiros, segundo a revista “The Blizzard”. Até mesmo a Inglaterra e suas inquebráveis duas linhas de quatro chegou a flertar com o 3-5-2.
Além do esquema com três defensores, as improvisações estavam na lista de preferências de seu cardápio. Algumas funcionaram, outras nem tanto. Entre as novidades de posicionamento Mazinho, então lateral esquerdo, foi utilizado na Copa América de 1989 na ala direita. Anos depois, seria campeão mundial como meia.
As primeiras movimentações em direção à criação de um trio defensivo surgiram no segundo jogo de Lazaroni. Na despedida de Zico da Seleção, em derrota para um Combinado do Resto do Mundo, o zagueiro Ricardo Rocha foi utilizado como lateral direito. O 3-5-2 foi implementado definitivamente na estreia da Copa América, vitória por 3 a 1 sobre e Venezuela.
A campanha na primeira fase foi claudicante e, aos poucos o time foi sendo modificado. Três alterações foram feitas até a partida final contra o Uruguai. No decorrer da campanha Aldair, Dunga e Silas ganharam as vagas de André Cruz, Geovanni e Tita.
Nos 11 meses que separaram o torneio continental da Copa do Mundo, alterações mais significativas foram realizadas. Na véspera da convocação, Lazaroni foi ao Maracanã para assistir ao clássico entre Flamengo e Vasco para dirimir suas dúvidas. Tita e Renato Gaúcho disputaram aquela partida e foram chamados para jogarem na Itália. Os meias Neto e Geovanni ficaram de fora da lista. Pela primeira vez o grupo de convocados tinha mais jogadores que atuavam no exterior (12) do que no Brasil (10), entre os jogadores “nacionais” estavam os três goleiros Taffarel, Zé Carlos e Acácio.
Como Romário foi dúvida para o Mundial devido a uma fratura na perna, o ataque foi formado por Careca e Muller. No meio, Alemão ganhou a vaga de Silas. Na ala direita, Jorginho foi o titular. Na zaga, Aldair perdeu espaço para Mozer. Nos dois jogos finais, o titular foi Ricardo Rocha.
A troca que mais surtiu efeito no desempenho do time foi a de Silas por Alemão. A dinâmica da equipe foi modificada. Entre a mobilidade dada por Silas e o proteção oferecida por Alemão, o treinador ficou com a segunda alternativa, apesar dos fracos resultados durante a preparação. A derrota por 1 a 0 para um Combinado da Úmbria, região da Itália, no último jogo antes da estréia, está entre as mais inesperadas derrotas brasileiras. Problemas relacionados à premiação dos jogadores minaram a relação dos atletas com a CBF e entre eles mesmos.
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Paradoxalmente, o Brasil não convenceu na fase de grupos, passando por Suécia (2 a 1), Costa Rica (1 a 0) e Escócia (1 a 0). Quando jogou bem, foi eliminado pela Argentina nas oitavas de final. Foram três bolas na trave até Caniggia, após jogada de Maradona, fazer o 1 a 0 e inspirar aqueles versos que grudaram nos ouvidos durante toda a Copa de 2018.
“Que el Diego te gambeteó / Que Diego (Maradona) te driblou
Que Canni te vacunó / Que Canni (Caniggia) te vacinou
Que el Diego te gambeteó / Que Diego (Maradona) te driblou
Que estás llorando desde Italia hasta hoy / Que está chorando desde a Itália até hoje”
Entre outras histórias daquela tarde no Delle Alpi, em Turim, surgiu a da água batizada. Os massagista argentino Miguel di Lorenzo, vulgo Galíndez, colocou um calmante em uma garrafa d’água e ofereceu a Branco. Tanto o brasileiro quanto jogadores hermanos atestam a veracidade dos fatos.
Outro reflexos foram sentidos devido à pior campanha brasileiros desde o Mundial de 1966. Dunga se transformou na personificação daquela derrota – aquele momento da Seleção foi batizado como a Era Dunga. Os barulhos contra o volante foram silenciados com o desfile de impropérios disparados pelo capitão do tetra ao erguer a Copa do Mundo em 1994. O esquema com três zagueiros ainda sofre com o ranço dos brasileiros, mesmo que o esquema tenha rendido títulos ao Brasil e a diversos clubes brasileiros.
Acertado com a Fiorentina, Lazaroni deixou a Seleção depois da Copa sem deixar muitas saudades e sem um grande trabalho na carreira, mas certamente no seu pouco mais de um ano em Florença não foi confundido com um italiano, apesar do esquema com três zagueiros..
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