A experiência da Espanha na Copa do Mundo 2022

O que podemos tirar da campanha da Espanha nessa Copa? O jogo de posição, renovação de elenco, foco no futuro e os aprendizados para 2026.

Copa do Mundo é definitivamente o grande palco do futebol mundial. É o lugar que todos os jogadores sonham em estar, jogar e vencer. O objetivo nunca foi diferente disso: vencer. Mas até onde vai esse objetivo?

A Espanha passa por uma grande reformulação de elenco nos últimos anos, e Luis Enrique levou isso a sério durante todo o ciclo realizado para a Copa do Mundo no Catar. O treinador convocou diversos jogadores abaixo dos 25 anos e inseriu a grande maioria já no time titular com muita presença e disciplina dentro do jogo de posição. Característico da seleção da Espanha, o ‘Jogo de Posição’ se tornou uma forte arma para controle do jogo, independente do time ser melhor ou pior no papel.

Após campanhas ruins em 2014 e 2018, uma geração de talento chegou para se ambientar num contexto tão difícil que é jogar uma Copa do Mundo. Para se classificar, teve um caminho relativamente tranquilo, uma Euro bem encorpada e a busca pela excelência do seu estilo – muito bem imposto por Luis Enrique, sem depender tanto do individual e focado no coletivo para criar chances. Essa tarefa não é nada fácil num futebol de seleções, já que os treinadores têm menos tempo para treinar suas equipes e impor suas ideias e conceitos, o que impressiona.

De cara, temos um ótimo exemplo do que se poderia ter como melhor do jogo posicional: um 7 a 0 na Costa Rica construído a partir de um futebol incontestável e dominante dentro das suas características, numa superioridade técnica absoluta contra um adversário visivelmente inferior. Apesar da ótima estreia, é bom lembrar que a Espanha não veio para disputar o título ou ser campeã, Lucho deixa claro isso já no ciclo, mas confirma na convocação.

Apesar disso, sem conseguir segurar a empolgação, cria-se uma expectativa de uma Espanha pronta para surpreender os adversários mais favoritos no decorrer do mata-mata – como Brasil, França e Argentina. O que não é a realidade vista dentro de campo, ainda que uma goleada vislumbre os olhos e a ilusão do que pode acontecer.

(Reprodução/Raul Arboleda/AFP)

No contexto do grupo parecia tudo certo, um empate difícil contra a Alemanha, mas de uma imposição física e mental bem consistente no progresso competitivo realizado desde a Euro no ano passado, mas os problemas chegam no último jogo, contra o Japão. Aqui a experiência (ou melhor, a falta dela) da Espanha foi colocada em uma situação muito complicada. Domina a posse com extrema facilidade, mas o problema chega na hora de definir.

Superada no segundo tempo contra um adversário aguerrido na pressão e num bloco médio muito bem definido entre seus jogadores, o Japão deixou os espanhóis desconfortáveis com a bola, algo muito notório em vista da imposição do estilo, e ninguém poderia tirar nada da cartola naquele momento – Filipe Luis destaca isso com maestria quando cita a arte do engano. O pós-perda se perde no que até então era ótimo e dois gols sofridos levam o time ao que poderia ser uma eliminação – em caso de vitória da Costa Rica contra a Alemanha.

Por fim, a classificação acontece com muitos sustos e muitas críticas pela performance – principalmente no lado mental e da falta de resiliência em tentar reverter o resultado ou algo diferente do que já era habitual.

Mesmo que fosse algo muito contestável, era natural que o nível abaixasse em determinado momento da competição. É importante dizer que o ponto alto sempre será o que fará dos jovens em campo motor de um talento ou ideia, o ponto baixo não deve ser a régua daquilo que enxergamos como futebol individual, ainda mais quando se é analisado o que um jovem tem como experiência.

A Espanha passa de um time coletivamente muito forte, mas que ainda não tem a experiência necessária para se revolucionar dentro de um jogo de Copa do Mundo, e Lucho tem ampla noção disso, pois convoca e se obriga a realizar alterações que nem sempre vão de acordo com o indispensável – Rodri é volante e foi escalado como zagueiro em todos os jogos, mesmo com outras opções e a rotação entre pontas, atacantes e laterais são determinantes na tentativa de colocar todos na bolha de uma Copa do Mundo, ambiente que todo jogador dedica para consagrar sua bandeira.

(Reprodução/Odd Andersen/AFP/JC)

Essa situação de impotência no último terço acaba acontecendo novamente contra a equipe de Marrocos. O grande ponto é que esse ciclo mostrou que mentalmente era muito difícil para a Espanha se revolucionar em cenários de inferioridade. Com uma posse nada objetiva, a ansiedade tomou conta contra um Marrocos muito bem disciplinado dentro das quatro linhas, que sabia defender sua área como poucos na competição. Um Marrocos que tinha Bono para fazer história quando necessário e que em transição ofensiva sabe se impor, independente de contra-ataque, atacar os espaços ou construir desde o campo de defesa. O jogo das oitavas, ainda que tenha ido para a disputa de pênaltis, mostrou para os espanhóis que a resiliência da nova geração deve ser construída com base no que foi experienciado, e essa virada de chave acontece já no dia seguinte. É hora de pensar nos próximos quatro anos.

De percepções compreensíveis, é natural que Lucho não tenha sido pragmático nas oitavas, o objetivo ali era habituar os jogadores para 2026, aonde a verdadeira formula de competitividade chega para os espanhóis. A transformação de uma geração com muito talento e tão nova numa seleção candidata a título atravessa também a experiência em uma Copa do Mundo, ainda que passe por momentos de dificuldade, pois são esses momentos, plenamente empíricos, os mais significativos na vida de um atleta.

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