As influências dos campos reduzidos na Copa América

Entenda até onde a diminuição de 6% dos campos influencia no jogo desta edição da Copa América.

Voltando a ser disputada nos Estados Unidos, a Copa América de 2024 começou repleta de expectativas, com a atual campeã mundial, a Argentina, com o maior destaque, mas com Brasil e Uruguai chegando ao torneio prometendo grande competitividade. Porém, esta edição do torneio não tem se destacado apenas pelas 4 linhas. A competição deste ano tem uma particularidade envolvida: as sedes possuem campos menores. Os gramados da Copa América estão com uma diminuição de 6% no total. Sendo 5 metros a menos no comprimento e 4 metros a menos de largura. 

Foto: @joaopcaldass

Essa redução, a princípio, pode parecer pequena. Contudo, afeta toda a referência espacial do campo, tornando coberturas mais curtas, passes em profundidade tornam-se mais errôneos, entre outras situações. Tentando entender melhor os maiores impactos dessa diminuição espacial no jogo, o Footure conversou com vários técnicos brasileiros e estrangeiros, para entender melhor cada situação. 

Renê Simões, para o Footure:

Temos tudo armazenado no nosso cérebro o que faz os processos se tornarem hábitos. Diminuir ou aumentar o campo te tira do hábito e aí o tempo da tomada de decisão fica mais longo e menos apurado. Qualquer organização ofensiva tem que primar em desequilibrar o adversário. Com o campo reduzido, a melhor forma é o drible , ou jogar como futebol de sete, virando. O Toni Kroos não teria dificuldade

As dificuldades em criar dinâmicas ofensivas nesse contexto

Para o treinador Leandro Zago, a maior dificuldade nasce na maior facilidade da defesa rival cobrir espaços: “As maiores dificuldades que podem acontecer em relação ao que as organizações defensivas podem buscar como vantagem é conseguir pressionar o tempo todo, conseguir pressionar mais porque você vai ter um espaço mais curto para gerenciar, então você consegue separar um pouco mais suas linhas, você tem um campo menor para poder gerenciar”.

Guto Ferreira corrobora a opinião de Zago,“Primeiro, que o preenchimento de espaço é muito menor. Então, se o preenchimento de espaço é menor, a tendência é de você ocupar de forma mais rápida o espaço, chegar no espaço de forma mais rápida”. E ainda destaca que devido aos ajustes dos treinadores durante as partidas, acaba dificultando ainda mais a construção da equipe mais dominante na posse:

”E a tendência na distribuição durante a partida, é você ir fazendo ajustes, principalmente a equipe defensora vai fazendo ajustes de distâncias, e isso vai dificultando cada vez mais a entrada da equipe adversária. Aí ela tem que jogar na individualidade. Só que se o espaço é menor, mais curto, as coberturas ficam mais rápidas também”.

Zago aponta que realizar uma saída mais elaborada, para superar a pressão adversária, nesse contexto, pode ser uma saída para uma construção mais rápida: “Você tem um campo menor para poder gerenciar, então pensando em como organização defensiva, pressão alta, você vai ter que enfrentar equipes que pressionam e as saídas de pressão vão ser mais elaboradas, vão ter que ser mais elaboradas, também vão exigir mais combinações porque você não vai ter toda a largura para poder escapar de pressão

O jovem treinador aponta que, ao se estabelecer em campo ofensivo, a tendência é que as equipes tenham mais dificuldade em criar pelos lados do campo: “E em relação a atacar o campo de ataque, as organizações defensivas já quando elas estiverem mais posicionadas dentro do próprio campo, você vai ter dificuldade de progredir por fora, na maior parte das vezes, porque você não tem aquela distância entre. O lateral ou ala e a linha lateral para progredir quando a linha balança ela acaba não deixando tanto espaço do lado oposto e ela consegue flutuar rápido para o lado da bola para poder eliminar a progressão pelo próprio lado da bola

Trazendo como exemplo a estreia da seleção na Copa América, Abel Braga opinou como uma forma de desequilibrar as defesas pode ser trazer um lateral para atuar mais próximos dos meio-campistas:  

Abel Braga, para o Footure:

Eu acho que o erro maior foi você manter dois caras abertos no lado esquerdo e dois abertos na direita. Ficou Danilo e o Raphinha, e o Vinicius e o Arana. Que estão bons, um para um, que traz as duas laterais para dentro do campo. Já foi feito mais ou menos isso pelo lado esquerdo no segundo jogo, quando ele deixou o Vinícius mais aberto e botou o lateral vindo por dentro. Porque se o espaço é reduzido e as linhas estão muito baixas, não adianta você ter quatro, dois do lado, dois do outro. Principalmente porque você viu que o Vinícius, quando ele pegava na bola, ele tinha dupla ou tripla marcação, sempre dois ou três. Então, obviamente, aqueles jogadores são mais um lateral, um zagueiro lateral e mais um jogador de meio campo. Então, se você consegue, por causa de um jogador, levar três para o lado do campo, você começa com o lateral por dentro e ganha a superioridade do meio

Guto também aponta que a seleção brasileira pode vir a ter dificuldades ao longo do torneio pela falta de um centroavante pivô para segurar a defesa e desbloquear jogadas ofensivas, “E pode ter dificuldade também nesta Copa América, porque não tem jogadores com características de um pivô, que poderia gerar algum tipo de pulso. Mais ostensivo, prendendo um pouco mais a zaga, a zaga demorando um pouco mais para fazer o balanço, enfim, uma série de coisas assim. O Brasil está com uma equipe construída mais em cima de velocidade. Se não tem espaço, a velocidade é mais drible e ação rápida. Com o time adversário todo lá atrás, o que que vai acontecer?”, disse o comandante. 

Maior facilidade para estabelecer pressões

Enquanto a parte com bola existe uma série de ajustes mais elaborados, sem a bola, as seleções podem encontrar não só mais facilidade para exercer movimentos, como também conseguem “preservar” mais seus atletas, devido a distância percorrida para estabelecer pressões serem menores. “Acho que é muito nítido. Se você vai pressionar, quanto menos método você tiver que percorrer é melhor, induzir o adversário ao erro, independente de ser pelo lado do campo, por dentro, as vezes né, existem situações que é bom você marcar bem os laterais e deixar o zagueiro sair, quando ele sai você faz aquela uma simulação de que você está recuando e vai em cima entendeu […]Com um campo menor, tanto por dentro como pelo lado, é muito melhor para pressionar”, comentou Abel Braga. 

Na visão de Guto Ferreira, pressionar nesse contexto não é necessariamente mais simples, porém, te permite ter ações mais velozes “Não vou dizer que torna mais simples, mas volto a falar: as ações são mais rápidas, as distâncias passam na distribuição, elas passam a acontecer de uma maneira mais rápida, chega rápido até a linha”, disse Guto. Ele também destacou que, sob esse contexto, a saída de bola da equipe precisa ser muito mais assertiva: “O adversário necessita abrir bastante, só que a tendência, se ele abre bastante numa largura de 4, 5 metros a mais, é uma situação. Se ele abre com 4, 5 metros menos, a tendência da cobertura chegar mais rápido ali, do balanço ser mais rápido para aquele setor, então o trato com a bola, a movimentação da bola precisa ser mais rápida e necessariamente assertiva”

Contudo, o treinador também pondera: “Porque numa roubada de bola também, ou você faz o pós-perda de uma maneira bastante rápida, ou então se ele ultrapassar suas linhas de marcação, mais rapidamente ele vai chegar no adversário.”

É mais efetivo defender com uma linha de 5 nesse tipo de situação?

Um fator que chamou bastante atenção na primeira rodada foi o como a Costa Rica conseguiu defender bem a última linha de ataque do Brasil. Usando um 5-3-2 em fase defensiva, a equipe de Gustavo Alfaro alargava bastante o campo e reduzia o espaço entre alas e zagueiros, cortando tentativas de avanço no meio-espaço, além de realizar boas coberturas nos extremos brasileiros. Trouxe à tona um debate sobre defender em linha de 5 com esses espaços reduzidos. 

Foto: Costa Rica defendendo em 5-3-2 contra o Brasil

Porém, Leandro Zago e Abel Braga realizaram ponderações quanto a essa situação e os contras que esse tipo de distribuição no campo podem gerar. “Vou contra a ideia de que a linha de cinco possa favorecer defender melhor num campo mais estreito. Porque uma das implicações de eu ter uma linha de cinco é ter um jogador a menos nas outras duas linhas, de meio e de ataque, consequentemente menos pé na bola, menos capacidade de pressionar e de manter a bola longe do meu gol”, disse Zago. “E eu já tenho um campo mais estreito que, teoricamente, com uma linha de quatro bem organizada, que flutua bem de um lado para o outro, ela já deveria dar conta de resolver esse problema, principalmente se a bola estiver bem pressionada”, complementou o jovem treinador. 

Abel Braga apresentou uma visão bastante parecida com Zago: “Mas com o campo reduzido é aquela coisa: eu acho que você estando com um meio mais robusto, mais cheio, você tem possibilidade de cobrir melhor, de ter uma cobertura com uma ajuda boa em relação ao lado da bola”. Zago trouxe como exemplo justamente o confronto entre Brasil e Costa Rica: “O Brasil teve algumas dificuldades para superar a linha da Costa Rica, mas mandou na bola, o Brasil conseguiu controlar. Controlar a pressão pós-perda com relativa facilidade pela organização do Brasil, mas muito também porque a Costa Rica tinha poucos jogadores para frente da linha da bola, então a pressão favorecia muito, ou seja, você sofre um ataque e em poucos segundos a bola está de novo próxima do seu gol”.

Finalizando o tema, Abel Braga ainda trouxa experiência enquanto treinador, onde sempre priorizava entrar com um meio mais preenchido: “Se fosse começar uma partida por vídeo, por observações, tivesse certeza, por exemplo, que o adversário jogava com quatro jogadores por dentro do meio, eu nunca comecei com três, eu colocaria quatro. Já aconteceu de ser surpreendido na hora do jogo, o cara mudava, o treinador adversário, mas eu sabendo, nunca comecei um jogo inferiorizado do meio, porque é ali que tudo começa, ou ali que tudo termina”.

Treinamentos em campos reduzidos

“É muito melhor para aqueles times defensivos”, comentou o treinador paraguaio Gustavo Morinigo, com relação aos gramados. Contudo, o treinador fez uma ressalva. Algo costumeiro nos treinamentos semanais são os treinamentos de campo reduzido, visando que a equipe busque padrões coletivos em espaços reduzidos, pensando nesse modelo como uma alternativa para gerar um maior costume com os gramados do torneio. Com isso, o ex-comandante de Ceará e Coritiba pontuou que “Mundialmente a maioria dos treinos se fazem em espaços reduzidos […] Na fase defensiva seria mais favorecida, mas houveram vários jogos com muitos gols e com muita diferença. Então para mim é uma perspectiva de cada um”

Complementando com Morinigo, o treinador português Carlos Carvalhal detalhou um pouco o treinamento em campos reduzidos. “Para nós, faz sentido falar de ‘reduzir sem empobrecer’, ou seja, embora se possa tirar espaço, tempo e número de jogadores, esses jogos devem estar correlacionados com algo que pretendemos faça evoluir a nossa equipe”. O treinador acredita que esse tipo de treinamento em uma competição a curto prazo, como é o exemplo da Copa América, fazem sentido, desde que estejam relacionados com a ideia de jogo ou algo que será visto contra adversários posteriormente. “Contra adversários previsivelmente mais fechados, a simulação tirando espaço, diminuindo o tempo e até o número de jogadores, pode simular as dificuldades que vão surgir e levar a que se circule a bola mais rapidamente e a tomada de decisão esteja sobre este constrangimento de um grande “tráfego” que será expectável no próximo jogo”, completou o treinador. 

Contudo, o português pondera que com os gramados 6% menores, são importantes treinamentos que contemplem a realidade que será enfrentada pelos jogadores. 

Se os espaços de jogo são menores 5m em profundidade e 4m em largura, isto acarreta outros problemas que são da percepção do espaço. Interessa muito contemplar alguns exercícios que transmitam a noção real do espaço para que os jogadores individualmente e coletivamente se adaptem a uma nova largura e menos profundidade”.

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