A fábrica de craques do Dinamo Zagreb

Como um país tão pequeno se tornou o segundo maior formador de jogadores da Europa? Nada é por acaso no Dinamo Zagreb, vamos conhecer mais sobre Hitrec-Kacian

Luka Modric, Zvonimir Boban, Robert Prosinecki, Dario Simic e Mateo Kovacic. Cinco nomes de peso que defendem e defenderam a seleção croata, mas que também vestiram a camiseta do Dinamo Zagreb, tanto no profissional quanto no juvenil. Recordes, produção de jogadores em escala industrial, lucro e títulos. Essa é a história de Hitrec-Kacian, um dos principais celeiros do futebol mundial.

Como uma cidade com cerca de 800 mil habitantes, uma das menores capitais europeias, consegue abrigar tantos nomes? Corluka, Kramaric, Kranjcar, Lovren, Soldo, Badelj, Vrsaljko e entre outros jogadores menos estelares do que os citados no primeiro parágrafo, também são produtos de Hitrec-Kacian, nome da fábrica de talentos zagrebinos, que fica numa região menor do que a cidade de Campinas.

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Em 2011, a academia do Dinamo Zagreb foi eleita como uma das seis melhores de toda a Europa, figurando ao lado de Ajax, Barcelona, Inter de Milão, Sporting e Arsenal. Segundo dados do CIES Observatory, o Dinamo Zagreb é a segunda equipe que mais forma jogadores para as 31 principais ligas da Europa, com 67 jogadores (quatro a menos do que o Ajax, a primeira). Além de ser a quarta equipe que mais produz jogadores, em toda a Europa, com tempo de treino e jogo entre os 15 e 21 anos. A seleção croata, vice-campeã do Mundo em 2018, contou com 14 jogadores ligados ao clube.

O Dinamo Zagreb percebeu cedo que precisava ser um clube vendedor para se tornar um clube vencedor. Os Modri são a décima segunda equipe que mais arrecadou com vendas de atletas nas últimas duas janelas de transferências, chegando a contabilizar um balanço positivo de 46 milhões de euros. Parece pouco do ponto de vista dos clubes milionários, porém, levando em consideração a representatividade do país e da liga, isso é muito. Essa receita torna o DGZ praticamente imbatível no campeonato local. Dos 28 certames croatas, o Dinamo venceu 20. O Rijkeka foi o único clube que conseguiu quebrar a hegemonia dos Modri, na temporada 2016/17, quando interrompeu uma sequência de 11 títulos do time capitolino. No entanto, isso foi breve, pois o DZG tornou a ganhar mais dois canecos e é o atual bicampeão nacional.

Dinamo Zagreb
Poucos clubes entendem o cenário em que estão inseridos como o Dinamo Zagreb, que revela numa escala muito acima da capacidade do país. Foto: Pixsell.

Para conseguir resultados desse tamanho, é vital que o processo seja sistêmico. A academia, por exemplo, tem cinco objetivos principais no desenvolvimento dos atletas: criar hábito alimentar saudável, educar o jovem para ser um bom cidadão, felicidade ao praticar um esporte, responsabilidade escolar e, por último, desenvolver o jogador pensando na equipe principal.

Dentro desses cinco princípios que regem a academia do Dinamo, reside a filosofia técnica do clube. Com categorias que vão do Sub-8 até o Sub-23 (que é pouquíssimo utilizado, sendo o Sub-19 a última fronteira virtualmente falando). O clube começa a se preocupar, essencialmente, com dinamismo e funcionalidade a partir dos 11 anos. Antes disso, os jovens são recrutados, mas não recebem responsabilidades táticas e técnicas, tendo liberdade para jogar da melhor maneira possível.

Essa é a idade com a qual o clube começa a notar não só os prodígios como os jogadores que serão suficientemente bons para atuar a nível profissional. Dos 11 aos 12 anos eles fazem a transição do campo pequeno para o campo grande, finalmente atuando nos 11 contra 11. Também é nessa faixa de idade que eles começam a atuar, paulatinamente, em sistemas táticos, sempre entre o 4-1-4-1 e o 4-3-3. E não é brincadeira, o Dinamo de Zagreb sempre atua nesses dois sistemas, seja com a equipe Sub-19 na Youth League, seja com o time principal na Prva HNL. Claro, no inicio da adaptação à formação tática não é lei, mas é o primeiro contato.

É importante ressaltar que existe um comprometimento entre o clube e a cidade de Zagreb, especialmente do ponto de vista formativo. O recrutamento de jogadores do Sub-8 ao Sub-14 é exclusivamente feito para os meninos da cidade de Zagreb. Após essa categoria, o clube amplia seu leque de recrutamento, pinçando jogadores mundialmente.

Um dos casos mais famosos é o de Dani Olmo, que foi recentemente vendido ao RB Leipzig. Ele saiu do sub-18 do Barcelona para atuar com a camisa dos Modri na equipe B antes de ser alçado ao time principal. Eduardo da Silva, um dos maiores ídolos da história do clube, chegou à Croácia com 17 anos após se destacar no Campeonato das Favelas, onde foi eleito o melhor jogador.

Atualmente, o clube conta com o exemplo de Robbie Burton, 20 anos, que saiu do Arsenal, onde estava encostado no Sub-23, para fazer parte da equipe B e, por tabela, com muitas possibilidades de atuar na equipe principal. Matias Godoy, 18 anos, que também integra a equipe B do Dinamo, foi observado pela equipe de scouting no Mundial Sub-20 de 2019, onde ele era titular da seleção argentina mesmo sendo do modesto Atlético Rafaela. Hyeon-uh Kim, 21 anos, veio por empréstimo do Ulsan Hyundai, “time parente” do DZG no continente asiático. Todos eles fazem parte da equipe de transição e com possibilidades grandes integrar a equipe principal.

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Entretanto, uma academia de sucesso não se faz apenas de recrutamento positivo. A principal marca de Hitrec-Kacian é maneira funcional como o aperfeiçoamento dos atletas é feita. A técnica é tudo para o clube. Sir Matt Busby, lendário treinador do Manchester United, uma vez disse que “se você é bom o suficiente, você é velho suficiente” para justificar o crescente uso dos jogadores considerados “novos demais” para atuar no gigante inglês. No Dinamo Zagreb eles seguem esse ensinamento à risca.

Praticamente toda rotina de treinos é feita com os dois pés. Os jogadores PRECISAM trabalhar com o pé fraco em todas as sessões visando ampliar o leque de jogadas e aptidão as funções. Os zagrebinos poderiam levar vantagem nessa questão, muito por estarem no clube há mais tempo, porém, atletas oriundos de outras cidades evoluem num passo que provavelmente não conseguiriam onde estavam e acabam por alçar voos maiores no mercado de transferências. Luka Modric e Mateo Kovacic, por exemplo, são jogadores destros, que atuam na mesma faixa do campo, mas que sabem utilizar o pé esquerdo com facilidade, facilitando no desempenho da função. O único jogador nascido em Zagreb e que estava na academia do Dinamo com menos de 15 anos e que faz parte do rol de maiores negócios do clube é Jozo Simunic, zagueiro, e atualmente no Celtic.

No entanto, isso não significa que algo está errado. Hitrec-Kacian está em constante evolução e adequação aos requisitos mais modernos na formação de atletas europeus. Além das questões técnicas já citadas, o clube, atualmente, se preocupa muito com a questão física de seus jogadores. Baterias de treinos que visam à durabilidade e velocidade dos atletas é uma constante. A eterna busca pelo equilibro entre talento natural e força é levado muito a serio no clube.

Passado, presente e futuro do Dinamo Zagreb

A média de idade da equipe do Dinamo Zagreb na temporada 2019/20 era de 24 anos. Para os amantes de FIFA e Football Manager, o clube é um paraíso para encontrar jogadores bons e baratos. Falamos do passado com Modric, Boban, Prosinecki e Dani Olmo, mas atualmente quem dá as cartas no DZG é um trio sub-23 de altíssimo potencial.

Trata-se de Lovro Majer (22), Nikola Moro (22) e Luka Ivanusec (21). Os dois primeiros já tiveram seus nomes ventilados em equipes italianas, e estão acima do terceiro. Majer e Moro são titulares no Dinamo e se adequam a filosofia de jogo do clube, que costuma revelar muitos meio-campistas dinâmicos, fazendo jus ao nome da agremiação. Majer é extremamente técnico, possuindo ótimo drible e finalização. Moro é mais consistente e mais funcional, podendo atuar como volante no 4-1-4-1 ou tendo mais liberdade, como um mezzala, no 4-3-3. Ivanusec é tão habilidoso quanto Majer, porém, falta mais regularidade nas partidas grandes para ganhar mais minutos e assim conquistar um patamar novo no mercado.

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Outro trio jovem, mas esse que milita entre a equipe B e o time principal, especialmente porque foram alçados nesta temporada, é composto por Marko Gjira (21), Mario Cuze (21) e Sandro Kulenovic (20). Um centro-campista, um atacante e um centroavante. Ao contrário da complicada grafia de seu nome, Gjira (ou Djira na pronúncia) joga futebol com uma facilidade absurda e é um dos jogadores mais especiais no velho continente nesta faixa etária. O centro-campista tem um estilo muito similar a Nikola Moro, apesar de ser mais habilidoso e com excelente capacidade organizacional entre as linhas. Cuze e Kulenovic atuam no ataque, sendo o primeiro mais móvel e o segundo mais de área, tal como Kramaric e Kalinovic, por exemplo.

Marko Gjira reinou absoluto nas duas últimas aparições pelo Dinamo Zagreb na Youth League. Um dos meio-campistas mais completos dessa geração. Foto: Pixsell.

Apesar de Gjira ser considerada a grande joia para o momento do Dinamo Zagreb, os principais talentos pertencem à geração dourada dos juvenis (sub-19), que estão fazendo história nas ligas inferiores, além da Youth League. Pela segunda temporada seguida, os Azuis chegam as quartas-de-final, sendo que nessa temporada o torneio foi interrompido devido ao coronavírus, quando iriam enfrentar o Benfica. Na temporada passada, o Dinamo foi eliminado pelo Chelsea, nos pênaltis. Anteriormente, os croatas eliminaram o Liverpool.

Essa é a geração de nomes do calibre de Josko Gvardiol, Antonio Marin, Bernard Karrica, Tin Hrvoj, Tomislav Krizmanic, Edin Julardzija, Roko Baturina, Leon Sipos, Omar Kocar, Bartol Franjic e Niko Jankovic. Todos eles têm entre 19 e 20 anos, sendo os cinco primeiros jogadores já utilizados na preparação do Dinamo para a retomada da temporada.

O grande nome dessa geração é Josko Gvardiol, que você já viu na coluna sobre o Leste Europeu. O zagueiro de 19 anos é rápido, técnico, forte e com um senso de colocação impressionante. Gvardiol já atuou como titular em algumas partidas da equipe principal e vem sendo testado nos amistosos de preparação. Seus companheiros de Youth League, Antonio Marin e Bernard Karrica, também já fazem parte do projeto do clube. Dois extremos-esquerdos que jogam invertidos (são destros que jogam pela esquerda). Marin e Karrica combinam força, drible e muita velocidade, sendo armas importantes no jogo vertical, gerando profundidade, além de serem ameaças atacando pelo centro. Ambos os extremos têm faro de gol, não ficando atrelada a função de garçom. Marin é croata e Karrica é albanês.

Josko Gvardiol já está em ação pela equipe principal do Dinamo Zagreb, que provavelmente lucrará com o defensor num futuro próximo. Foto: Pixsell.

Um pouco abaixo de Gvardiol, Marin e Karrica estão Tomislav Krizmanic e Edin Julardzija, porém, não por questões de potencial e técnica. Krizmanic e Julardzija enfrentam concorrência muito forte de Majer e Ivanusec, que são apenas dois anos mais novos do que eles, mas que estão numa escala hierárquica maiores. Todavia, Krizmanic e Julardzija são excelentes prospectos para o meio-campo, sendo jogadores criativos, dribladores e associativos. O que difere um do outro é justamente a compleição física, onde o primeiro é mais franzino que o segundo. No esquema 4-1-4-1, Krizmanic e Julardzija podem atuar juntos, pois muitas vezes Bartol Franjic se atem a função de primeiro volante, carregando muitas vezes o piano e cobrindo os espaços, apesar de Krizmanic ajudar na criação das jogadas no primeiro terço, enquanto Julardzija participa mais do jogo no último terço, se apresentando em jogadas com Leon Sipos, um centroavante muito semelhante a Bruno Petkovic, da equipe principal. Um 9 alto, excelente no jogo aéreo e com capacidade de fazer o pivô.

Antonio Marin convive com o hype há muito tempo, apesar de estar ganhando seus primeiros minutos nessa pré-temporada na equipe principal. Nas competições de base, seu nome é sempre visto com muita atenção. Foto: HNS.

Em termos de hierarquia por posição, quem pode figurar rapidamente entre os titulares é Tin Hrvoj, que vem queimando etapas e não enfrenta concorrência na categoria. Hrvoj pertence a “Escola Darijo Srna de Laterais”. Assim como o compatriota, ele também é lateral-direito cujas capacidades ofensivas e defensivas se equivalem (além de um nome quase impronunciável). Hrvoj é um ala de muita força física e leitura tática do jogo, sendo um ótimo assistente em cruzamentos e um competente ladrão de bolas.

Para finalizar, muito se fala que o Dinamo Zagreb possui três atletas nascidos em 2002 e 2003 cujo potencial é assombroso: Jakov-Anton Vasilj (02), Jurica Jurcec (02) e Bartol Barisic (03). Vasilj nasceu em Zadar, mesma cidade de Luka Modric, mas é extremo-direito e chegou para o Dinamo após largar o eterno rival Hajduk Split. Ele é taxado como o futuro do futebol croata devido a sua habilidade e facilidade em decidir jogos. Jurcec fez parte do elenco que chegou as quartas-de-final da Youth League desta temporada. Ele é atacante, apesar de não ser alto como Sipos, Kulenovic e Petkovic. Ele soma convocações para a seleção croata desde o Sub-13. Assim como Jurcec, Barisic também é atacante, porém, mais fixo do que Jurcec. Ele é figurinha carimbada nas convocações e já faz parte do planejamento da temporada 2020/21 do clube, mesmo sendo o mais novo de todos os citados. É bom ficar de olho!

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1 comentário

  1. Fora toda a questão futebolística, os ex Iuguslavos de maneira geral sao muito fortes mentalmente. Sao determinados, lutadores, vencedores, encaram desafios e tem no futebol uma ferramenta de ascensão social e financeira. Além de que são loucos por futebol.
    Caio, o que você pode me falar sobre o Arijan Ademi, volante Croata/Macedônio que atua no time principal?
    Obrigado e parabéns pelo artigo

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