A ascensão de Vinícius Jr. é muito mais do que apenas talento

A definição de ascensão já diz muito, mas quão poderoso é Vinicius Jr. até aqui e o que se passou para esse momento tão esperado chegar?

Quando nos deparamos de cara com um jogador de grande potencial, muito se fala sobre ‘talento geracional’. No caso de Vinícius Jr., ele sempre foi tratado e olhado, desde a base no Flamengo, com muita má vontade pelo senso comum – o que não quer dizer muita coisa dentro do futebol de fato, mas que no mundo vivenciado pode perpetuar com facilidade. O termo superestimado já vem sendo utilizado para definir jogadores com 16/17 anos antes mesmo da sua formação dentro do futebol profissional. Com Vini, não foi diferente.

O garoto ainda muito jovem também brilhava nas categorias de base da seleção e chamava atenção do mundo todo. Antes de chegar de fato ao Real Madrid, Vini já era bem visto por olheiros, mas o clube espanhol se prontificou de garantir o jovem brasileiro vestindo sua camisa. Essa questão entra no contraponto de Neymar? Pouco importa aqui, sinceramente. O que motiva é o investimento com bons olhos dentro de um projeto que muito se falava: garantir estrelas desde jovem dentro do clube em vez de contratar jogadores prontos sempre.

Na época do Flamengo, quando subiu muito jovem, muito se falava sobre o ‘se’ na carreira do jogador. A partida contra o Emelec já justifica muita coisa do seu “hype”, ainda que muitos queiram focar num chapéu em jogo de seleção de base como “única justificativa”. E mesmo assim ainda existiu quem duvidasse de um jovem jogador se destacando de forma absurda em uma partida de Libertadores, como se fosse normal. Seu talento sempre esteve ali, e quem um dia achou que essas cartas não estavam na mesa é louco.

Chegada no Real Madrid e dúvidas

A primeira temporada pós Zidane e Cristiano Ronaldo não seria fácil para ninguém, imagina para um garoto de 18 anos chegando no maior clube do mundo e esse mundo nas costas para superar expectativas? Hoje podemos falar que ele superou todas elas, mas esse caminho não foi nada fácil.

De cara com problemas, mas com o pensamento de um gigante ele lutou de todas as formas, e só não percebeu isso quem é muito inocente. É claro que sua adaptação seria recheada de oscilações e irregularidades, pois é um jogador jovem, vai acontecer naturalmente. Mas para isso ele precisaria jogar, certo? De cara temos o primeiro empecilho. Lopetegui não o colocava em campo – mesmo inscrito como jogador do Castilla, era imprescindível sua presença na primeira equipe e ele estava disponível para isso.

Em pouco tempo no time B demonstrou o porquê deveria estar no time A, não tem muito erro aqui. A demissão do treinador espanhol não é exatamente ligada a este fato citado acima, mas é muito inocência, novamente, achar que não tem nada a ver. A goleada para o Barcelona é a ponta do iceberg. Lembra do projeto? Garantir estrelas desde jovem dentro do elenco e tal. Isso. Vinícius precisava jogar, ele estava ali para jogar e Solari entendeu isso completamente.

(Reprodução/Real Madrid)

Um vestiário cheio de medalhões, tricampeões da Europa e a dificuldade em aceitar a decadência de um dos maiores feitos da história do futebol. Foi natural essa decadência, até porque poucas equipes vivem o auge por tanto tempo, e mesmo na temporada 2017/18 na qual conquistaram a última Champions League já vimos isso chegar gradativamente. Muita coisa se perde nesse tempo, Zidane enxergou isso de cara e pediu demissão, e repito como em muitos outros textos: por quê voltou sabendo disso tudo? É normal nós nos agarramos aos ídolos no futebol, e Florentino fez isso ao trazer o francês de volta, como forma de manter o curto prazo nas suas mãos. Controle imediato. Depois a gente vê no que dá. E deu no que deu. Era óbvio, mas a grande maioria, mesmo assistindo todos os jogos, não queria enxergar.

A saída de Zidane é natural, muito pelo que o treinador enxergou quando pediu demissão lá em 2018, não no que viu na sua segunda passagem. Ele já sabia que não poderia ajudar da forma que o elenco precisava naquele momento. Os jogadores mais jovens são as novas estrelas da equipe hoje. Não apenas Vini, mas Éder Militão, Camavinga, Fede Valverde, Rodrygo e até mesmo Mendy. Todos cresceram de produção com Ancelotti.

O coletivo melhorou, e isso automaticamente potencializou suas peças. Um time precisa disso. Números? Impossível discutir contra eles… A não ser que você tenha um contexto muito bem definido, e no futebol números nem sempre são verdade absoluta como alguns acham. Futebol não é ciência exata.

“Solo quiero trabajar, marcar goles y ser feliz”

Vinícius sempre soube o que significa o Real Madrid, e ele deixou claro isso dentro de campo desde o começo. O papo de evolução é um pouco contraditório, o que mudou é que agora Vinícius faz mais gols, mas a atitude de fato sempre foi a mesma. Ele sempre demonstrou absurdamente sua confiança dentro de campo, mesmo com Zidane tirando sua sequência. Era um jogo muito bem, titular no seguinte, ia abaixo do que foi no primeiro, natural, e já voltava para o banco. Sem continuidade não dá para progredir com um jovem jogador.

(Reprodução/EFE)

Sua contribuição com dribles e excelente tomada de decisão no último terço – quando dar o passe, quando driblar, quando acelerar e o principal, ele nunca parava de tentar (ocasionando mais erros, normal). Aí, a tomada de decisão… Tão criticada por aqueles que nem sabe do que se trata o termo. Vinícius teve problemas com finalizações? Sim, em muitos momentos poderia ter refinado melhor o chute, mas em tomar decisões ele sempre foi muito bem, e isso não é determinado em como chutar ao gol, mas sim em como ele chegou até ali para finalizar e a escolha pela finalização, não a finalização em si.

Evolução ou potencialização?

O que estamos vendo hoje ele já fez nas oitavas contra o Ajax, por exemplo. Naquela época, em menor proporção, mas com impacto na energia e intensidade numa equipe completamente abaixo do nível de hoje. Sua lesão na partida de volta é determinante para o placar final ser o que foi. O time de Solari nunca foi de brilhar os olhos, mas Vinícius fazia isso. Foi o melhor jogador do primeiro jogo e vinha sendo o melhor em campo até a lesão — com 18 anos, na primeira temporada no maior clube do mundo, equipe em baixa depois de um tricampeonato europeu e passando por dois técnicos diferentes em menos de um ano. Em quanto um contexto influencia no futebol? Eu diria que muito. E ele nunca se deixou abalar por isso.

O brasileiro sempre foi ótima alternativa num setor ofensivo que pouco agradava além de Karim Benzema. Os gols de fato não saiam ou tinham pouca frequência, ele se tornava cada vez mais questionado sem motivo, mesmo com apenas 19 anos, qual a lógica? Ele estaria completamente pronto em seu auge com essa idade? Aos 21 anos ele está, mas porque além do talento, que ele sempre demonstrou ter desde quando chegou, ele tem todo o resto. Sequência e confiança de um treinador que aumenta sua autoestima a todo momento, seja em entrevistas, coletivas ou dentro do vestiário.

A ascensão acontece a partir do momento em que ele tem sequência, Ancelotti entende isso na primeira partida, mas é contra o Levante que ele tem a certeza: Vini é absolutamente brilhante (e malvado). Talvez sua confiança nunca tenha sido afetada completamente, mas é aquilo de carregar o mundo nas costas para superar expectativas… E sei do que falo agora pois Vini já demonstrou quando fez um golaço contra o Osasuna e chorou na comemoração.

(Reprodução/EFE)

É claro que as emoções falam mais alto em determinadas situações, e é essa questão que torna perceptível como, hoje, o talento é apenas um detalhe. Ele sempre foi esse jogador que arrisca, que vai pra cima, com dribles e mais atitude do que qualquer outro em campo. A personalidade de Vinícius é algo raro no futebol. E por mais frio que seja dentro de campo, quando não desiste de tentar nunca – o que é uma qualidade, pois bem, hoje assistimos ele definir jogos para o Real Madrid com uma frequência absurda por ser assim. Ele não desiste. É loucura. O talento é apenas um detalhe… E a ascensão é consequência de muito trabalho e, claro, felicidade em fazer o que ele faz.

Uma personalidade diferente, elite mentality, ele é diferente e absurdamente talentoso. Mas só isso não contou lá nas duas primeiras temporadas como madridista, porque o contexto nunca o ajudou. Seu momento na reta final da Champions da temporada passada era a conjuntura perfeita de garantir a confiança, sequência e por fim o prestígio que ele tem hoje. Essas duas palavras são o combo perfeito para Vinícius se revelar para o mundo como a estrela que ele sempre foi, com o talento que ele sempre teve. Vinícius… Você é malvado!

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