A MORTE DA TETRACAMPEÃ ALEMANHA
Por Valter Júnior Jornalista, é editor de esportes do jornal Metro de Porto Alegre Em Kazan, a Alemanha morreu na Copa da Rússia. Na capital da República do Tartaristão, Liev Tolstói, um dos maiores autores russos, iniciou a sua vida acadêmica. Autor de obras clássicas da literatura como Anna Karenina e Guerra Paz, o autor […]
Por Valter Júnior
Jornalista, é editor de esportes do jornal Metro de Porto Alegre
Em Kazan, a Alemanha morreu na Copa da Rússia. Na capital da República do Tartaristão, Liev Tolstói, um dos maiores autores russos, iniciou a sua vida acadêmica. Autor de obras clássicas da literatura como Anna Karenina e Guerra Paz, o autor escolheu a cidade para ser o ponto inicial da carreira de Ivan Ilitch, personagem principal de “A morte de Ivan Ilitch” – ao menos não há riscos de spoilers, afinal os dois morreram.
A Alemanha que agonizou por 270 minutos nos estádios russos, enquanto o personagem tolstoiano teve dias de agonia sobre uma cama. Ivan Ilitch era um burocrata do judiciário russo, tão burocrático quanto o futebol apresentado pelo time de Joachim Low. Após levar um tombo ao tentar colocar uma cortina em seu novo apartamento, o magistrado começou a sentir dores e um gosto amargo na boca. Os problemas não receberam a atenção devida. Quando resolve buscar a cura para sua doença, os médicos não conseguem identificar o que acomete o seu organismo. Gradativamente sua saúde fica fragilizada até que a morte passa a ser uma certeza.
Em seu leito de morte e sofrendo dores lancinantes, Ivan Ilitch começa a refletir sobre a sua vida, sobre a morte e suas relações com as pessoas. Percebe que poucos momentos de sua existência tiveram significado. Apesar de querer o fim da sua vida para eliminar o seu sofrimento, seu instinto de sobrevivência sobressai e ele tenta seguir vivo. A cada página, Tolstói mostra a agonia de seu personagem, com expressões de dores parecidas às vistas nos rostos de Hummels, Muller, Neur e Kroos.
Nos últimos quatro anos, a Alemanha viveu uma vida boa, tranquila, saboreando as glórias de ter vencido a Copa de 2014, mas não viveu grandes pontos altos. A Euro terminou na semifinal. A campanha nas Eliminatórias foi uma formalidade. Os teutônicos apresentaram um futebol linear mantendo o seu status perante a sociedade futebolística. Talvez alguns sinais tenham sido dados, mas ninguém notou. Afinal, os alemães eram favoritos ao título na Rússia.
Quando precisou confirmar a sua posição de melhor do mundo, tomou um tombo inesperado e, aparentemente, inofensivo. Seguiu em frente. Não deu bola para o gosto amargo daquela derrota para os mexicanos. Venceu a Suécia com dores, mas com cara de quem ainda tinha a situação sob controle. A agonia demorou a aparecer contra a Coreia do Sul. Mesmo com um futebol preguiçoso parecia ainda estar do comando e que resolveria o problema em um piscar de olhos. O cheiro da eliminação começou a surgir com os gols suecos no outro jogo. Com o gol coreano, nos acréscimos, a morte estava decretada, mas o instinto de sobrevivência fez os alemães tentarem no país em que nunca venceram triunfar. A apatia deu lugar ao desespero. Era tarde de mais.
O livro de Tolstói começa com os falsos amigos que trabalhavam com Ivan Ilitch no judiciário russo discutindo possíveis promoções com a morte do colega. Como os 16 sobreviventes da Copa da Rússia estão fazendo agora. A sorte é que no futebol a morte de uma seleção é momentânea, nunca definitiva. E sobre refletir e se reinventar, os alemães entendem.
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