GUIA DA CHAMPIONS: Juventus e Lyon

Oscilantes na temporada, Juventus e Lyon não encontraram sua melhor forma na atual temporada ainda e se enfrentam em jogo das incertezas

O espaçamento entre o sorteio dos confrontos na Champions League e o dia das partidas pode melhorar (ou não) um time. É bem verdade que isso não aconteceu com Juventus e Lyon nesta temporada. La Vecchia Signora, por exemplo, ainda flerta com um modelo idealizado por Sarri; enquanto Les Gones seguem oscilantes e não contam com seu principal jogador (Depay). Apesar de qualidades diferentes, um mar de incertezas percorre este duelo.

Por isso, nada melhor que Murillo Moret e Eduardo Madeira analisarem as equipes da Juventus e Lyon neste Guia.


JUVENTUS, A OBSESSÃO PELO FUTEBOL BONITO QUE TEIMA EM NÃO APARECER

A decisão de contratar o melhor jogador do mundo depois de um vice europeu credenciou a Juventus a ser novamente favorita ao título da Liga dos Campeões. Por isso a eliminação ao Ajax foi surpreendente e acabou por encerrar o vínculo entre o técnico Allegri, o segundo mais vitorioso da Serie. A contratação de Sarri e o desempenho do time na atual temporada com o treinador campeão da Liga Europa precisa ser vinculado diretamente à história passada.

Na teoria, a Juve teve pouco trabalho nessa década próspera e vencedora nacionalmente. Na prática, Roma e Napoli, em duas oportunidades, dificultaram uma caminhada que, na reta final, desgarrou para um passeio no parque. Palmas para o bianconero que conseguiu estabelecer uma força tática, técnica e mental acima dos rivais. Digo isso pois a época 2019-20 é a mais disputada destes anos todos justamente porque a Lazio faz um campeonato fora da curva, a Inter segue incomodando com um técnico capaz de tirar leite de pedra e a Juventus procura entender um estilo de jogo totalmente incomum para seu padrão. 

O losango da Juventus para enfrentar o Lyon (Arte/Tactical Pad)

Não é difícil encontrar razões para a demissão de Allegri nem para a contratação de Sarri: de um lado, o desgaste inevitável de um treinador nem sempre na mesma página da diretoria tampouco de uma torcida ávida por um futebol um pouco mais arriscado; do outro, o ex-bancário que busca o futebol em seu estado mais puro, quase fantasioso, através da velocidade e obsessão estilística.

O processo de adaptação é vital para compreender o resultado em campo de uma Juventus ainda confusa e sem a beleza característica. Como o capitão Chiellini disse em entrevista no fim de 2019, os conceitos de Sarri são completamente diferentes àqueles que o time trabalhou com Conte e Allegri. Haja estudo e repetição para internalizar tais pensamentos.

Zona pura ou pura zona 

Foram 23 gols sofridos em 24 partidas. Ano passado foram 30, e a Juventus ganhou dois campeonatos recentes com defesas de apenas 20 gols. O que há de errado?

No primeiro confronto do ano contra o Napoli, lá está de Ligt estirado no chão depois de um drible desconcertante de Lozano. Foi uma exibição desastrosa, errando nos três gols dos partenopei. O holandês foi bastante cobrado durante o semestre inicial pelos erros técnicos – contando os pênaltis que cometeu ao colocar o braço na bola – e táticos numa impaciência desmedida de quem está de fora e do próprio jogador, procurando adaptação e entrosamento imediatos numa liga desconhecida. Bonucci, criticado com razão pela temporada anterior, tomou as rédeas da situação nos primeiros meses para carregar a defesa desmantelada pela lesão de Chiellini e aposentadoria de Barzagli quase como missão solo. 

Mas é da dupla o que lhe cabe. O comportamento da linha defensiva está diretamente ligado ao novo plano de jogo. Enquanto Allegri prendia a marcação no jogador, Sarri deseja que a bola seja o ponto de observação. Nesse sistema de zona pura, exige-se cobertura dos meias. Os melhores jogos do time na temporada coincidiu com desempenho exemplar na marcação-pressão. Quando o adversário consegue sair da roda, frequentemente encontra abertura para atacar três defensores (os zagueiros e o lateral do lado oposto da jogada). 

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Juve marca a bola, e Insigne tem espaço para rematar

O posicionamento defensivo também é um incômodo em outras situações: no cruzamento longo para a segunda trave, tentando se aproveitar da indecisão de Matuidi ou Rabiot, e nos rebotes. Vale notar que a Juve tem uma dificuldade latente em defender inversões de jogo próximas à própria área. Como a equipe ocupa uma faixa estreita de campo, na área central, é costumeiro ver o adversário buscando virar o jogo para atacar o lateral sem cobertura. A jogada acontece principalmente em cima de Cuadrado.

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Contra a Fiorentina, Pjanic não dá combate em Benassi e Bentancur deixa Chiesa livre na pequena área 

A resposta é a bola pelo centro

Sarri chegou ao clube elogiando Dybala, mas quem caiu nas graças dele nas primeiras semanas foi Douglas Costa. O brasileiro teve um excelente início de ano na ponta do 4-3-3. A habilidade fora do comum para vencer a maioria dos duelos individuais foram a força de uma Juve que durou duas partidas: ele dava amplitude, Ronaldo saia da ponta para se juntar a Higuaín, e Matuidi e Khedira pisavam na área num sarriball embrionário. 

Duro tem sido depender do físico de Douglas. Para a terceira rodada, o 4-3-1-2 virou a base da temporada desde então. Foram testados Dybala, Ramsey, Bentancur e Bernardeschi atrás dos atacantes em propostas bastante diferentes: o argentino pode gerar mais chances, mas o italiano tem uma importância tática mais valiosa – sem a bola, Bernardeschi foi vital para tirar Sensi da construção na vitória contra a Inter. 

As comparações entre Sarri e Allegri são inevitáveis pela sucessão, sobretudo em resultados. Para este guia, porém, é importante levar em consideração os métodos e que a Juve geralmente atua com 10 titulares que jogaram com o antigo técnico. 

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Juve consegue estabelecer vantagem quando vence o duelo individual – e Ronaldo tem ajudado nesse aspecto

Enquanto na época passada a Juve expandia e procurava ocupar o máximo do campo, a atual tenta reduzir a área ocupada e procura aproveitar o funil central desde a mudança para o meio em forma de losango, Sarri deseja atrair os rivais para que seus jogadores aliviem a pressão através de passes curtos e triangulações ao invés de alargar o campo para afastar os adversários.

A equipe, atualmente, procura fazer um jogo de posição, sobrecarregando a área da bola com jogadores para fazer triangulações. Desta forma, aumenta o número de passes curtos e, ainda que a posse seja similar à da temporada passada, a Juve conseguiu ganhar alguns metros no último terço do campo, forçando o adversário a permanecer por mais tempo perto da própria área.

Para que isso funcione, porém, exige-se velocidade por fora para quebrar a defesa rival. No último jogo em Nápoles, a compactação do adversário coibiu Dybala e Higuaín de se movimentar entre as linhas; Sandro, Cuadrado e Bentancur não conseguiram alargar rapidamente; Matuidi não encontrou espaço; e a defesa napolitana conseguiu bloquear todas as linhas. 

Defender com bloco baixo e entregar a bola à Juve tem sido eficaz para times competitivos. Foi o que fizeram Napoli e Lazio, este duas vezes. A opção por atacar pelo meio dificulta a vida de Dybala duplamente: por não encontrar espaços em volume e pela dificuldade em assimilar rapidamente uma mudança proposta pelo treinador – este último tardou em alargar pela direita no segundo tempo da derrota recente para o Napoli e, quando finalmente se encontrou, permitindo a livre criação de Demme à frente da zaga, que era de sua responsabilidade. Por outro lado, se o adversário busca um plano semelhante ao da Inter, o campo se abre e a Juve aproveita. 

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Gol invalidado, mas a jogada pelo meio envolvendo a Inter em toques rápidos é o que a Juventus tenta aprimorar

De acordo com Chiellini, a Juve começaria a mostrar resultados mais precisos sobre esse novo estilo de jogo a partir de fevereiro. A partida mais recente do Italiano, contra um desfalcado Brescia, terminou de forma mais positiva pela perspectiva da equipe conseguir criar contra uma retranca e eventualmente converter em gol. O bianconero ainda é uma amálgama de conceitos embrionários, mas que, apesar de uma transição lenta e recomposição mambembe, consegue abocanhar no contra-ataque. Possível que a vantagem de ter Ronaldo seja o suficiente para essa altura da competição, mas o funil tende somente a aumentar a dificuldade pelo título – e o time ainda não mostrou completo preparo para esse objetivo.


INSTABILIDADE É A CARA DO LYON

A temporada de reestruturação do Olympique Lyonnais tem sido mais tortuosa do que o imaginado. Com Juninho Pernambucano como diretor de esportes, o clube decidiu apostar num estrangeiro como treinador pela segunda vez na história. O brasileiro Sylvinho teve essa missão, substituindo Bruno Génésio, mas durou apenas 11 partidas. Acabou substituído por Rudi Garcia, que encerrou a temporada passada recebendo uma chuva de críticas no rival Olympique de Marseille.

Aos trancos e barrancos, conseguiu a classificação com o novo treinador, que conduziu o time em quatro rodadas na fase de grupos, mas venceu só uma vez. A vaga nas oitavas veio num sofrido empate com o RB Leipzig, no Groupama Stadium, na última partida da fase. Os Gones saíram perdendo por 2 a 0 e arrancaram o empate na etapa final, resultado que classificou as duas equipes, deixando Benfica e Zenit para trás.

A equipe base do Lyon em 2019/20 (Arte/Tactical Pad)

Alívio à parte, a classificação não serviu para recolocar o time nos trilhos. Apesar de ser finalista da Copa da Liga e estar entre os semifinalistas da Copa da França (em ambas as competições baterá de frente com o poderoso Paris Saint-Germain), o Lyon vem apanhando na Ligue 1. Sem coordenação para atacar e frágil para defender, acumula empates e tropeços bobos, especialmente em casa, e não consegue decolar a ponto de entrar na zona das copas europeias.

Preocupação com as lesões

Se Garcia tem sua dose de culpa por não conseguir fazer o time andar, ele também pode se lamentar da grande série de lesões que impediram qualquer sequência de formação. Desde o fim da fase de grupos, perdeu jogadores importantes como Memphis Depay. Capitão da equipe, principal referência técnica do ataque e um dos grandes responsáveis pela classificação ao mata-mata, o holandês rompeu o ligamento cruzado do joelho, está desde dezembro de 2019 sem jogar e é desfalque certo para os próximos meses.

Situação semelhante vive Jeff Reine-Adélaïde. Contratado junto ao Angers, o meia se encaixou muito bem ao time como meia pela direita no 4-3-3 de Garcia. Acumulava três gols e quatro assistências quando lesionou o joelho, perdendo o restante da atual temporada.

O alívio acabou sendo o retorno de Léo Dubois, que não jogava desde dezembro, também lesionado. Com a instabilidade física de Rafael e as deficiências técnicas de Kenny Tete, a volta do lateral direito da seleção francesa era quase uma urgência para Garcia definir quem jogará na sua defesa.

Como parar Ronaldo?

Se há uma razão para a torcida do Lyon ficar com um celeiro de pulgas atrás da orelha diante do compromisso pela Liga dos Campeões está no sistema defensivo. Apesar de ter a quinta melhor defesa da Ligue 1 – sofreu 26 gols – a equipe tem sido vazada constantemente desde a chegada de Rudi Garcia ao comando técnico. Das 28 partidas a frente do time, o OL viu suas redes serem balançadas em 20 jogos. E das oito vezes que não foi vazado, a maioria foi em partidas contra equipes frágeis, como Toulouse, Nîmes Olympique, Dijon e Amiens, que lutam contra o rebaixamento no Campeonato Francês, e frente o Bourg-Péronnas, time da 3ª divisão que foi seu adversário na Copa da França.

Desde que chegou ao Lyon, Garcia tem batido a cabeça para definir os titulares na linha defensiva. O único que parece ser absoluto é Jason Denayer, que teve como parceiros de zaga Andersen e Marcelo. Desde dezembro, é o brasileiro quem vem atuando pela direita na zaga central.

Força nas individualidades

Com um time que faz força para jogar mais coletivamente, estão nas individualidades as armas para o Lyon tentar incomodar a Juventus. Com Nabil Fekir negociado com o Real Betis no princípio da temporada e Memphis Depay fora de combate, está nos pés de Houssem Aouar a esperança francesa de tomar a responsabilidade de tentar levar o time adiante. O herdeiro da camisa 8 de Juninho já soma oito gols por todas as competições, recorde pessoal na carreira. Foi do seu pé direito, aliás, que saiu o primeiro dos dois gols que carimbaram o avanço até as oitavas de final, diante do RB Leipzig, numa jogada que e bem característica: condução da esquerda para o meio e finalização de pé direito.

Ainda no campo das individualidades, olho na dupla Toko Ekambi e Dembélé. O camaronês foi adquirido junto ao Villarreal na janela de inverno e chegou tomando conta da posição de atacante pela direita no 4-3-3 de Garcia. Em sete jogos, fez dois gols e deu duas assistências e vem conseguindo combinar bem seu estilo de jogo físico ao de Moussa Dembélé, artilheiro do time na temporada com 19 gols.

As jovens apostas

De algo o torcedor do Lyon não pode reclamar de Garcia: ele colocou as jóias do time para jogar. Um que tem presença quase certa nos duelos diante da Juve é Maxence Caqueret, de 20 anos. Meia pela direita no tripé formado pelo treinador, ele é capaz de aliar boas ações defensivas e controle de jogo com a bola no pé. Dentro deste perfil, Caqueret tem a melhor média de desarmes do time (3.3), é o quarto em interceptações (1.3), da mesma forma que tem 86.6% de passes certos por jogo. Peca na força física, mas é uma peça que ganhou espaço dentro dos 11 de Garcia graças ao seu desempenho dentro de campo.

A outra jovem aposta é Rayan Cherki, de apenas 16 anos. Ele foi catapultado ao time principal no fim de 2019 e já vem causando barulho. Em 12 aparições por três torneios diferentes, anotou três gols e deu duas assistências. Com o atacante, porém, Garcia está sendo cauteloso. Vem optando por escalar pelo lado com mais frequência Bertrand Traoré e Maxwel Cornet, que já estavam no elenco, e Karl Toko Ekambi, contratado na janela de inverno. Ainda assim, Cherki está fora do baralho da Youth League e pode ser opção para os duelos diante da Juve.

Prévia para encarar a Juve?

No último compromisso antes de enfrentar a Juventus, o Lyon bateu o Metz por 2 a 0, pela 26ª rodada do Campeonato Francês. A grande novidade da partida foi a formação tática adotada por Garcia. Adepto do 4-3-3, ele abriu mão do sistema e distribuiu o time em campo em um 3-5-2, talvez já esboçando algo que possa ser explorado diante da Velha Senhora.

Bruno Guimarães foi a grande novidade dessa partida. Fez sua estreia pelo Lyon atuando durante os 90 minutos no Saint-Symphorien. Não teve aparição decisiva, mas deixou boas impressões, tendo alto aproveitamento nos passes certos – com 39, foi o 4º do time e concluiu mais que todo o time adversário – e teve sucesso em nove dos 13 duelos, segundo o Sofascore. O camisa 39 tem tudo para ser uma das novidades contra a Juve.

Inspiração antiga

Com dificuldades para competir até mesmo em solo local, o Olympique Lyonnais dá a impressão de estar nos suspiros finais na Liga dos Campeões. A classificação para as oitavas de final já foi um tremendo alívio para um time que começou a temporada sonhando com um algo mais, mas que esbarrou nas próprias escolhas ruins. O confronto contra a Juventus é um dos mais desiguais desta etapa e fica difícil imaginar jogadores pouco confiáveis como Marcelo e Tousart conseguindo conter Ronaldo e Dybala.

Se o estado atual do time desanima e tira qualquer grande confiança da torcida, é o histórico, digamos, imprevisível do Lyon que dá um pouco de esperança. Poucas equipes na França possuem retrospecto tão maluco em Liga dos Campeões quanto os Gones. Na melhor década da sua história, por exemplo, o OL não conseguiu mais do que as quartas de final. Naquele período, acumulou eliminações dolorosas, como para o PSV em 2005, quando foi prejudicado pela arbitragem, que ignorou pênalti de Gomes em Nilmar já na prorrogação, e diante do Milan no ano seguinte, onde estava se classificando até os 43 do 2º tempo, quando Pippo Inzaghi fez o primeiro dos dois gols que eliminaram os franceses.

Curiosamente, foi distante da era dourada que um feito maior aconteceu. Em 2009/2010, desbancou o Real Madrid na Espanha (Pjanic, hoje da Juventus, foi o herói daquela noite) e chegou a uma inédita semifinal depois de eliminar o Bordeaux. Na época, já era uma equipe pouco brilhante sob o comando de Claude Puel. A exemplo da atual temporada, aquele Lyon, que tinha ainda Lisandro Lopez, Cris e um cada vez mais firme Hugo Lloris, prometia demais em território francês e fracassou. Ainda assim, teve o melhor desempenho europeu da história do clube. Quem sabe não seja daí que venha a inspiração para desbancar Cristiano Ronaldo e companhia?

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