Liga Portuguesa 2020/21- O Guia Essencial

Tudo o que precisa de saber sobre a Liga Portuguesa 2020/21. Os candidatos ao título, os perseguidores, a revolução dos conjuntos que sonham com o apuramento europeu, as equipas que vão ter uma temporada tranquila e aquelas que irão sofrer até ao final para garantir a manutenção. As 18 equipas da Liga Portuguesa analisadas por Luís Cristóvão, o novo reforço do Footure.

No dia em que vai começar a 88ª edição da Liga Portuguesa, o nervoso miudinho será comum aos adeptos das dezoito equipas em competição, prestes a assistir à estreia das suas equipas. Fora do comum é o facto de nenhum deles ter podido assistir, ao vivo, a jogos de preparação, nem vir a poder estar nas bancadas dos estádios, que continuarão vazias até nova ordem das autoridades de saúde portuguesas.

O FC Porto entra em campo para defender o título, o Benfica entrará já marcado pela derrota e afastamento da Liga dos Campeões na pré-eliminatória disputada frente ao PAOK, enquanto alguns sonham com a melhoria dos resultados da época passada e outros regressam à Liga depois de anos de ausência, com destaque para o Farense, que se despediu da competição a 5 de maio de 2002. É certo e sabido que, em mais de dezoito anos, o mundo mudou. A bola vai rolar.

Nem todos os grandes são iguais

Sérgio Conceição vai iniciar a quarta temporada como treinador do FC Porto e poucos acreditariam, aquando da sua chegada em 2017, que se manteria por tanto tempo e com um percurso tão vitorioso, onde se incluem dois títulos na Liga e uma conquista na Taça de Portugal. Parte do segredo do sucesso de Conceição passa pela sua capacidade de resgatar uma ideia emocional do clube, desenvolvendo-a através da forma como espera que a sua equipa jogue, ao mesmo tempo que assume responsabilidades dentro da estrutura.

Mais do que um treinador, Sérgio Conceição transformou-se num diretor desportivo que não tem qualquer problema em trabalhar no mercado de transferências, deixar avisos para os adeptos e preparar a equipa no Centro de Treinos, tudo ao mesmo tempo. Com Corona e Alex Telles como principais artífices do título da época passada, a necessidade de lucrar com vendas de jogadores tem passado pela negociação de jovens da formação. A vitória em 2019 na UEFA Youth League dotou o clube de um património que vai sendo vendido (com as saídas de Fábio Silva e Vitinha para o Wolves) de maneira a manter os jogadores mais experientes. Aquilo que acontecer, em termos de gestão do plantel, até ao início de outubro poderá oferecer resposta sobre até onde terá o FC Porto condições de lutar pelos objetivos a que se propõe.

(Divulgação/FC Porto)

Quem já caiu logo ao primeiro jogo foi o Benfica, com o objetivo da Liga dos Campeões a esfumar-se numa segunda parte para esquecer em Salónica. Jorge Jesus colocou como condição para regressar a Portugal a construção de uma equipa dominante, com um investimento que, até ao momento, supera os €80 milhões. No entanto, num contexto de enorme pressão desportiva e social — os encarnados estão em período eleitoral e o seu presidente, acossado pela concorrência, também enfrenta acusações judiciais — nem todos os desejos do treinador poderão ser cumpridos.

Sem o dinheiro da Liga dos Campeões, a construção de um novo onze estará limitada — Jesus quereria mais um defesa-central, um médio e um avançado — obrigando o anterior técnico do Flamengo a repensar a forma como vai construir o plantel. A equipa começa o campeonato em Famalicão e a mensagem é clara para todos. A ambição anunciada na chegada de Jorge Jesus e na apresentação dos principais reforços, Verthongen, Éverton, Waldschmidt, Darwin Núñez, terá que rapidamente ter um paralelo dentro de campo, ainda que a ideia que ficou no jogo frente ao PAOK é que o processo de transformação será bem mais demorado do que os espíritos otimistas poderiam crer.

A eliminação cedo na Liga dos Campeões faz o Benfica mudar os planos (Getty Images)

Há muitos anos que se disputa a ideia, em Portugal, sobre quem será o “quarto grande”. No entanto, a história recente indica que o SC Braga arrumou definitivamente com a questão. Hoje em dia, no que toca a rendimento desportivo e capacidade financeira, os bracarenses disputam mesmo o lugar mais próximo dos dois candidatos ao título, sendo que, na época passada, a diferença de 22 pontos reais para o primeiro lugar, se vista à luz dos xPoints, seria apenas de 8.2.

A contratação do treinador Carlos Carvalhal é sinal de um desejo de estabilidade numa ideia de jogo e num discurso ambicioso que se tornou nota no clube. Os primeiros indícios deste Braga demonstram, também, que a forma de desenhar o plantel, e a antecipação com que se realizou, pretende ter a equipa próxima dos níveis máximos logo a abrir – a primeira jornada joga-se na casa do campeão. Se na época passada os minhotos perderam muitos pontos nos meses de disputa da fase de grupos da Liga Europa, esta temporada pretendem demonstrar ser capazes de atacar em todas as frentes. As saídas de Trincão e João Palhinha foram compensadas com as chegadas de André Castro, Al Musrati e Nico Gaitán, sendo que o plantel fica mais forte se se conseguirem impedir as saídas de Ricardo Horta e Paulinho até ao encerramento da janela de transferências.

“Tenho o DNA do Braga” foram as palavras de Carlos Carvalhal em seu retorno (Divulgação/Braga)

A mãos com o peso das expetativas está o Sporting, que na reta final da época passada fez um grande investimento no treinador Rúben Amorim, contratado por mais de €10 milhões ao Braga, transformando-o no elemento mais caro da sua lista de contratações. O foco está, por isso, naquilo que o técnico poderá fazer com um plantel onde reina a juventude e onde se procuram novas referências, depois da saída de Acuña para o Sevilla. A chegada de Pedro Gonçalves (ex-Famalicão) e Nuno Santos (ex-Rio Ave) denota a busca de empolgamento de algumas das figuras da Liga na época passada, conjugada com elementos mais experientes como António Adán, Zouhair Feddal ou Vitorino Antunes. Mas o problema está mesmo na capacidade de gerir a crescente insatisfação dos adeptos com a fragilização do clube. O quarto lugar da época passada, na análise dos xPoints, teria sido um sexto. As constantes promessas de revolução no jogar da equipa com trocas de treinadores têm sido vãs. E num contexto de maior competitividade na Liga, o Sporting será aquela equipa que mais aposta em esperanças em detrimento de elementos concretos. Os grandes não são, assim, todos iguais. E o caminho de uns acabará necessariamente por sem bem mais pedregoso do que o de outros.

A revolução silenciosa

Numa Liga onde a luta pelo título se reduziu, nas últimas edições, a apenas dois concorrentes, o passado recente tem-nos oferecido uma revolução silenciosa que se realiza a partir do meio da tabela. Para lá dos quatro conjuntos que têm estado no topo, Portugal tem conseguido sempre ter mais um ou dois lugares nas provas da UEFA que transformaram a luta pela Europa no quadro mais interessante da competição.

O Rio Ave terminou a época passada no quinto lugar, numa corrida apertada com o Famalicão, e regressou assim às pré-eliminatórias da Liga Europa. Em Vila do Conde vive um dos projetos mais consistentes dos últimos anos na Liga Portuguesa. Por modelo de gestão, na figura do seu presidente, António Silva Campos, por modelo desportivo, na procura da construção de plantéis que forneçam a capacidade da obtenção de lucros para garantir a sustentabilidade, por modelo de jogo, na opção consciente que se vai fazendo a nível técnico. Esta época a aposta no comando técnico passa por Mário Silva, que depois de vencer a UEFA Youth League com o FC Porto teve uma curta experiência no Almeria. Mas as primeiras indicações em termos de jogo e a capacidade para manter, após empréstimos, Aderllan Santos e Gelson Dala, somando as chegadas de Francisco Geraldes, Ivo Pinto e André Pereira, demonstram que o conjunto vilacondense continuará sólido.

Depois de conquistar a Youth League com o FC Porto, o técnico Mario Silva assumiu o desafio do Rio Ave (Divulgação/Rio Ave)

Esta revolução também se tem construído a partir da entrada de investidores estrangeiros no futebol português. A história do Famalicão soou a conto de fadas na época passada, com João Pedro Sousa a fazer a sua estreia como treinador principal, com um plantel recheado de jogadores chegados das mais diversas proveniências na Europa, com muita juventude no onze, a sabedoria do presidente da SAD Miguel Ribeiro e a influência de Jorge Mendes. O clube esteve 25 anos fora da principal divisão portuguesa e quase alcançou a entrada na Liga Europa em ano de regresso. Com parte dos seus ativos emprestados, a manutenção do treinador relança o desafio a João Pedro, que terá que conseguir repetir a caminhada positiva, agora já sem o efeito surpresa que alimentou na época passada. A equipa perdeu cinco dos dez jogadores com mais minutos e poderá ainda perder Toni Martínez para o FC Porto. Entre as chegadas, a repetição da busca de elementos jovens, como Ivan Zlobin (ex-Benfica) ou Dani Morer (ex-Barça B), ou o recorrer a empréstimos, como Bruno Jordão ou Joaquín Pereyra.

O Portimonense é outro dos clubes marcado pelo investimento externo, mas as coisas correram da pior maneira na época passada, onde apesar de muitos indicadores estatísticos positivos, acabou por descer de divisão. Salvo pela desqualificação do Vitória FC, o conjunto do Algarve apresenta um plantel bastante semelhante e de clara influência brasileira, em busca de conseguir uma aproximação à realidade que apresenta no papel.

O que também estará de volta serão os grandes duelos entre Vitória SC e Boavista, dois conjuntos que animaram os anos 80 e 90 do futebol português, com os boavisteiros a conseguirem mesmo alcançar o título nacional em 2000/01. A entrada do investidor Gerard López na equipa do Bessa, associando-a aos franceses do Lille, permite a construção de um plantel cujo valor será testado em competição, mas que promete a visão dos axadrezados focados na Europa. Angel Gomes, promessa inglesa que chega emprestada pelo Lille, Reggie Cannon, lateral-direito da Seleção dos Estados Unidos e os experientes Javi García, Adil Rami ou Seba Pérez, transformam a face de uma equipa que, também ao nível técnico, aposta numa das revelações da época passada da Segunda Liga, Vasco Seabra. A conjugação entre experiência e juventude e a natural ambição de um balneário cheio de jogadores que sabem o que é atuar em grandes equipas fazem do Boavista uma das equipas que mais expetativa cria na Liga. A par do Vitória SC, que depois de uma interessante passagem pela Liga Europa na época passada, consegue manter Marcus Edwards, prodígio inglês, e soma-lhe Ricardo Quaresma, que mesmo aos 36 anos será de uma influência gigante na Liga Portuguesa, num plantel marcado por uma aposta  em jovens jogadores de formação europeia, estratégia delineada pelo Diretor Desportivo Carlos Freitas e com clara ambição de oferecer à equipa de Guimarães um palco de muito maior visibilidade. A aposta técnica também é arrojada, com a estreia de Tiago Mendes, ex-internacional português e adjunto de Diego Simeone no Atlético de Madrid, num clube que vive muito da ambição da sua massa adepta.

(Getty Images)

Um bom plano é uma segurança

A alteração regulamentar que vai levar o 16º classificado desta edição da Liga Portuguesa a disputar um playoff com o 3º classificado da Segunda Liga aumenta, e muito, o interesse da segunda metade da tabela da competição. Com três equipas a poderem cair, a necessidade de um bom plano para enfrentar a prova torna-se ainda mais essencial. Como se viu na época passada, mesmo equipas que chegam de boas temporadas e que apresentam plantéis de qualidade, como o Portimonense, podem ver-se a navegar águas indesejadas.

Daí que, do meio da tabela para baixo, todos os cuidados sejam poucos. O Gil Vicente viu sair Vítor Oliveira, um dos mais experientes e bem sucedidos técnicos portugueses nesta luta de manter ou subir equipas à Liga, dando o banco ao estreante Rui Almeida. Depois de algumas temporadas como adjunto de Jesualdo Ferreira, fez a sua carreira nas divisões secundárias francesas, apostando num modelo de três centrais e num jogo apoiado que procurará selar em Barcelos. As apostas de mercado mantém foco no Brasil, com o analista Hernâni Ribeiro a destacar jogadores como Mantuan, Leandrinho ou Lucas Mineiro no episódio 178 do TPI disponível nos nossos podcasts.

Quem também alimentará expetativas é o Paços de Ferreira de Pepa. O técnico tem somado boas temporadas em equipas que lutam pela manutenção, mas o seu plantel no conjunto dos Castores terá condições para algo mais, depois de ter sido bastante reforçado em janeiro passado com vista a recuperar dos lugares do fundo da tabela. Os defesas Marcelo e Oleg, os médios Stephen Eustáquio e Bruno Costa (ex-Portimonense), os criativos Adriano Castanheira, João Amaral e Luther Sing (ex-Braga), o ponta-de-lança Douglas Tanque, todos contribuem para essa ideia de uma equipa pacense a querer chegar à primeira metade. Mas não será de tranquilidade a caminhada para todas as equipas que assim o sonham.

O Moreirense tem conseguido alguma estabilidade na Liga, partindo para a sétima participação consecutiva, esperando do técnico Ricardo Soares e de um meio-campo onde se mantêm os irmãos Alex e Filipe Soares a capacidade de repetir tal feito. O Santa Clara, mudou de treinador, com Daniel Ramos a chegar para o lugar de João Henriques, tendo a difícil tarefa de repetir a melhor temporada de sempre dos açorianos na Liga. A chave passou por manter referências como Osama Rashid, Lincoln ou Carlos Jr., mas um plantel curto é sempre perigoso na abordagem desta prova.

Para o B SAD, o clube mais incaracterístico da prova, cada ano é uma prova de sobrevivência. Sem estádio e quase sem adeptos, a antiga sociedade desportiva do histórico Belenenses encontrou em Petit um treinador à medida das suas dificuldades. A manutenção de um sistema de três centrais e as melhorias em termos de consistência desde a sua chegada passam por ser o objetivo a consumar. O plantel continua a apostar muito na juventude, com muitas subidas, ao longo da temporada, de jogadores do conjunto de Sub-23, tendo-se reforçado bem com a chegada de Afonso Sousa (um dos jovens que conquistou a UEFA Youth League com o Porto), Miguel Cardoso, Cauê e Bruno Ramires, estes três últimos já tendo trabalhado com o atual treinador.

Marítimo e Tondela lutam, também, contra as suas fragilidades. A equipa madeirense num quadro de enfraquecimento do plantel que se vem acentuando nas últimas duas temporadas, recorrendo agora ao hiper-realista Lito Vidigal para alcançar a manutenção. O treinador angolano coloca o estilo de lado quando se trata de garantir um ponto e, na Madeira, não deverá ter condições para muito mais do que essa ideia de enfrentar cada jogo a ambicionar um empate. Em Tondela, o investimento sino-espanhol procura a manutenção da equipa que representa o interior do país nesta prova. Voltam a apostar num treinador espanhol, Pako Ayestarán, mas o plantel continua a apresentar muitas carências, ao ponto de, no episódio 178 do TPI, onde estive a analisar as equipas da Liga com Hernâni Ribeiro e Óscar Botelho, ser unanimemente considerada a equipa mais frágil da Liga. Algo que terá que demonstrar não ser verdade nas 34 jornadas que tem pela frente.

Finalmente as duas equipas que regressam à Liga. O Nacional da Madeira terminou na frente da Segunda Liga e permitirá a estreia entre os melhores do jovem técnico Luís Freire, que tem feito uma caminhada impressionante desde as provas distritais, subindo consequentemente as equipas onde trabalhou. A forma como as suas equipas se organizam é um dos dados mais interessantes a apontar aos nacionalistas, buscando perceber como se adaptam a um contexto onde não são das equipas mais fortes na prova. Na época passada foram o ataque mais concretizador e a defesa menos batida da Segunda Liga. O conjunto com mais posse de bola também. Mantendo 10 dos 11 jogadores com mais minutos, o teste será perceber a reação à mudança de contexto.

Um contexto que também muda para o Farense, um histórico algarvio que regressa após 18 anos e uma descida aos infernos, com a necessidade de refundação de um clube que, há 12 anos, estava no Campeonato Distrital. As apostas de mercado do conjunto orientado por Sérgio Vieira passam por tentar compor o plantel com alguma experiência de Liga, destacando-se as chegadas de Rafael Defendi, Claudio Falcão, César Martins ou Stojiljkovic. Jovens como Alex Pinto, Madi Queta ou Brian Mansilla também poderão ajudar. Mas a grande sensação vai ser poder assistir ao regresso de Ryan Gauld à Liga, agora com lugar garantido no onze. O esquerdino escocês destacou-se como um dos mais criativos da Segunda Liga e espera poder demonstrar que as esperanças que nele se depositaram não foram infundadas.

Serão 34 jornadas numa temporada onde o espectro do coronavírus impede a presença de público nos estádios e ameaça alguns jogos nesta abertura da competição. Mas também a alegria de voltar a ver a bola a correr num campeonato onde se assiste a um claro reforço das capacidades das equipas do meio da tabela, perante uma menor expressão europeia dos conjuntos de topo. Mais equilíbrio, mais incerteza, o mesmo talento e capacidade de criar jogadores para brilharem no mercado. A Liga Portuguesa está pronta a começar.

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