Mikel Arteta, Odegaard e o protagonismo dos jovens: os pilares do Arsenal em busca do título da Premier League

Atual líder da Premier League, os Gunners se fortaleceram e vêm mantendo a regularidade com um elenco jovem. Dentro e fora de campo a palavra-chave tem sido personalidade.

Para começarmos a entender todo o sucesso do Arsenal sob o comando de Mikel Arteta precisamos voltar três temporadas e analisar os primeiros passos desde a troca de treinadores. Foi um fator crucial para este ressurgimento, por mais que despertasse a desconfiança dos aficionados.

Unai Emery terminou sua trajetória com apenas 78 jogos (43 vitorias, 15 empates e 20 derrotas) e, mesmo aquela equipe tendo potencial para seguir crescendo e entregando desempenhos ainda melhores, havia a sensação de que não era o nome ideal para a função.

O vice da Europa League na temporada 18/19, perdendo para o Chelsea por 4×1, e as derrotas em momentos cruciais colocaram o trabalho em risco. A demissão ocorreu em novembro de 2019 e desde então o clube entrou em um processo de mudança total, desde o alinhamento entre a equipe de transição com o time principal, a escolha do novo treinador para ter longevidade e os passos no mercado.

Vale ressaltar que Emery foi o responsável por lançar jogadores que hoje são peças importantíssimas no modelo de jogo de Arteta, como Bukayo Saka e Gabriel Martinelli – que havia acabado de chegar do Ituano. Além dos dois pontas, Emile Smith Rowe foi outro jovem que adquiriu tempo de jogo e confiança nas mãos do antigo treinador.

Foram 78 jogos comandando o Arsenal e o vice da Europa League com Unai Emery (Divulgação/Arsenal)

Talvez o maior legado deixado tenha sido o espaço dado às pratas da casa para que Arteta pudesse implementar seu estilo de jogo com jogadores mais determinados e cheios de personalidade. Com a temporada em andamento e muitos jogos pela frente, o plano inicial era identificar pontos positivos para as temporadas seguintes. Os jovens mostraram trabalho e conseguiram assimilar as ideias para que pudessem assumir papéis mais importantes no elenco. Começava ali a ‘Era Mikel Arteta’.

O Arsenal começou bem a temporada 19/20, obtendo bons resultados e florescendo um caminho que antes não parecia ter direcionamento. O título da FA Cup deu ainda mais certeza de que Arteta poderia colher frutos no decorrer do trabalho. No fim, o oitavo lugar na Premier League daquele ano acarretou novas diretrizes no plano tático, técnico e físico da equipe em busca de metas e resultados ainda mais ambiciosos.

O trabalho seguia e mais uma temporada começou cheia de expectativas – algumas frustradas, e novos problemas vieram à tona. Alguns jogadores já não rendiam mais como antes, perderam espaço e conturbaram o ambiente, além do distanciamento do pelotão que brigava pelas primeiras posições. Mais uma vez a realidade mostrava que o Arsenal ainda precisava ir além.

O começo negativo na temporada 21/22 e a volta por cima do Arsenal

Na terceira temporada de Arteta no comando, o início na Premier League deu indícios de que ainda teriam um longo caminho a ser percorrido até a equipe voltar a ser competitiva para buscar grandes objetivos. Foram três derrotas nas primeiras três rodadas, com nove gols sofridos e nenhum marcado, e os ânimos já alterados principalmente por parte da torcida que já queria uma troca de treinador.

Diretoria e comissão técnica mantiveram a postura e o que haviam planejado a médio/longo prazo, então a resposta veio nas três rodadas seguintes: três vitórias importantes, inclusive no clássico diante do Tottenham, e a confiança sendo reestabelecida aos poucos. Um elenco jovem, bastante promissor, e que sabia onde chegar.

Ao lado do crescimento do Arsenal está o bom momento da jovem estrela Bukayo Saka (Divulgação/Premier League)

Desde a derrota para o Manchester City por 5×0 na terceira rodada, o Arsenal ficou perto de completar três meses sem um revés. Logo se via uma equipe mais solta, exercendo melhor o papel tático e tendo mais eficiência nas decisões tomadas no último terço. Mesmo com a vaga na Champions League escapando na reta final, um dos maiores objetivos foram cumpridos: ter uma base para dar sequência no trabalho e brigar pelo topo o quanto antes.

Os três principais artilheiros da equipe na temporada foram Bukayo Saka (12), Emile Smith Rowe (11) e Eddie Nketiah (10), o que mostrou como a juventude foi primordial para a consolidação do trabalho de Mikel. Independente dos adversários terem elencos mais experientes e rodados, o Arsenal mantinha o padrão e os confrontava de igual pra igual.

Redenção e estabilidade

Com fluidez no processo criativo e ações que mostravam um Arsenal intenso em cada conquista de espaço até chegar ao gol, o futebol apresentado já encantava torcida e admiradores que acompanhavam o clube rodada a rodada. A frustração pela não classificação para a Champions League deu lugar ao orgulho do que fora construído até então, e o clube seguiu montando sua rota para o sucesso.

Com reforços pontuais e um elenco formado por talentosos atletas ali produzidos, jogadores experientes para dar sustentação — não apenas nos jogos mas também no dia a dia — e um treinador que já conhecia cada m² do clube, a evolução era constante. Na atual temporada, com a liderança assegurada e o bom futebol apresentado, o Arsenal brilha.

Com média de 3.95 passes decisivos por partida, 26.05 toques na área e 0.137xG por chute, a mentalidade desta equipe é determinante para o êxito nas ações ofensivas. Além disso, o Arsenal é a segunda equipe que mais pressiona no campo ofensivo (31%) em toda a Premier League, atrás apenas do Manchester City (44%).

Os números mostram a intensidade e capacidade da equipe para ser objetiva. Tudo isso somado ao poder coletivo para manter as linhas estruturadas em blocos mais altos. Cada jogador tem sua importância nas ações defensivas facilitando transições e busca por espaços. De Ramsdale, eficiente e inteligente nas saídas curtas e no posicionamento, a Gabriel Jesus ou Nketiah, inteligentes incomodando defesas e fazendo movimentações certeiras.

Outros números da equipe chamam a atenção e resumem o quão impositivos são independente do adversário. No PPDA (na tradução, Passes Permitidos por Ação Defensiva), os Gunners estão atrás apenas do Chelsea com 8.64%. Uma das equipes que melhor pressionam e aproveitam os encaixes para dificultar a vida do portador da bola. É também a terceira equipe que mais intercepta chutes na Premier League (29.6). Ofensivamente é quem mais proporciona corridas progressivas (17.12 p/90min), com rapidez e movimentações entre os homens da frente para chegar ao gol, e a terceira com mais chutes na baliza.

Os reforços e o encaixe na proposta de Arteta

Assim como nas janelas passadas, o Arsenal foi pontual nas negociações. Mas algo foi o diferencial para obter resultados positivos: buscar perfis jovens, com grande potencial e proximidade do auge técnico. Características que foram de encontro com o que o clube já possuía, e serviu para potencializar a forma como jogam.

O goleiro Aaron Ramsdale (chegou com 23 anos), os defensores Ben White (com 23), Takehiro Tomiyasu (com 22) e o atual capitão Martin Odegaard (com 22), encararam bem o desafio de elevar o patamar da equipe e assumiram grandes responsabilidades. São, hoje, referências técnicas, físicas e psicológicas. Gabriel Magalhães (25) e William Saliba (21), atual dupla de zaga titular, se completam e se entendem como poucos. Dominantes no jogo aéreo, fortes protegendo a área pelo chão e imprescindíveis na iniciação de jogadas.

Na saída curta seis jogadores participam e geram opções antes da bola chegar em setores mais avançados. Partey e Xhaka encostam, enquanto Odegaard (que não está na imagem) já próximo aos atacantes se torna uma alternativa mais ousada para sair da pressão.

O funcionamento da equipe com bola, em saídas curtas até chegar ao ataque em superioridade numérica e vários jogadores infiltrando na área, expõe as fragilidades defensivas dos oponentes. Bukayo Saka e Martinelli atacando espaços e fazendo corridas diagonais, Odegaard encostando no ataque com bastante espaço e a referência no ataque (atualmente Nketiah, por conta da séria lesão de Gabriel Jesus) flutuando para receber na entrelinha. Tudo com naturalidade e inteligência.

Lance onde Nketiah avança e arrasta a marcação para que Odegaard receba com liberdade para finalizar de longa distância ou fazer a bola chegar em Martinelli no lado esquerdo. O norueguês optou pela primeira jogada e marcou um belo gol diante do Tottenham em um chute de fora da área.

Em toda equipe, principalmente naquelas que possuem uma grande quantidade de jogadores jovens para sobressair física e tecnicamente, há aqueles nomes de maior rodagem que tranquilizam em momentos decisivos. No Arsenal não seria diferente e Arteta tem seus homens de confiança neste quesito.

Contratado recentemente junto ao Manchester City, Zinchenko se encaixa neste perfil pela entrega defensiva, inteligência nas decisões e o caráter competitivo que sempre o acompanhou. Xhaka e Partey no meio-campo “carregam o piano” para que Odegaard organize com mais liberdade, mas não se enganem: são mais que jogadores de marcação e fisicalidade. Possuem qualidade no primeiro toque, na inversão e aceleração de jogadas, e pisam na área com frequência. A comissão técnica sabe como dar tranquilidade em momentos que requerem mais mental do que técnica, e o time não perde o foco diante das adversidades.

As bolas paradas defensivas e ofensivas

O Arsenal é o segundo colocado em gols esperados através de escanteios na atual temporada da Premier League (6,61). Em média são 6.12 gols esperados a cada 100 escanteios. Definitivamente é uma das armas da equipe para tentar superar seus adversários e levar o título inglês que não vem há 19 anos. Arteta inclusive enfatizou a importância da bola parada para sua equipe:

“São uma grande parte do jogo, especialmente na Premier League. Você pode ver os melhores times marcando muito em lances de bola parada, mas depois marcam mais um ou dois (de jogo aberto) e ninguém fala sobre isso, mas eles têm feito a diferença. Você vê na Liga dos Campeões que está acontecendo. Tem que dominar todas as partes do jogo, o futebol está cada vez mais rápido e mais complicado. Todos são muito bons, têm um bom conhecimento e temos de encontrar vantagens onde podemos”.

Mikel Arteta, técnico do Arsenal

A chegada do auxiliar especialista em bolas paradas, Nicolas Jover — antes no Manchester City —, fez com que o Arsenal desse ainda mais atenção às bolas paradas. Seja defensivamente ou ofensivamente, principalmente escanteios, cada movimento é bem trabalhado para que nos jogos o aproveitamento seja satisfatório.

Antes da chegada de Jover, no início da temporada 21/22, o Arsenal tinha o segundo pior aproveitamento em gols através de escanteios (3). A partir dali, pularam para terceiro, anotando 13 gols em cantos. Na atual temporada são sete gols oriundos de jogadas em 19 partidas e a quarta melhor marca da Premier League.

Uma das armas do Arsenal nos escanteios ofensivos é preencher a área do goleiro adversário com três ou quatro jogadores. Assim, atraem a marcação para facilitar quem vem de trás – na maioria das vezes é Gabriel Magalhães, que faz um falso movimento para a primeira trave e infiltra na pequena área. Gabriel Jesus puxa um marcador para a linha de fundo em uma zona morta e os jogadores postados na entrada da grande área têm liberdade para aproximar dos demais companheiros ou pegar a sobra na medida em que os homens próximos ao gol empurram seus marcadores. Na ocasião Zinchenko infiltrou livre e cabeceou para a zona com mais jogadores. A bola sobrou para Gabriel Martinelli, que abriu o placar.

O posicionamento dos jogadores na entrada da grande área varia de acordo com a situação da partida. Quem estiver advertido nunca ficará na zona central ou no lado oposto que foi cobrado o escanteio, onde as bolas são mais propensas a sobrar, e o adversário possa contra-atacar. Assim, se necessário cometer falta tática, elimina a chance de ter um jogador expulso por segundo cartão amarelo.

Contra o Brighton, jogada semelhante e que também resultou em gol. No setor que antes Gabriel Jesus ocupava, Nketiah preencheu, enquanto Gabriel Magalhães se preparava para dar o primeiro combate aéreo. Na entrada da grande área dois jogadores com boas capacidades nos chutes para aproveitar a sobra, e foi o que ocorreu. A bola caiu nos pés de Odegaard, que marcou o segundo gol da equipe finalizando com a perna esquerda.

Nos escanteios curtos a estratégia é basicamente igual. Incômodo ao goleiro na pequena área, dificultando a visão, jogadores (frequentemente Gabriel Magalhães) se movimentando próximo à marca do pênalti e um bom finalizador de média/longa distância na entrada da área.

Sem sombra de dúvidas, já é uma das melhores temporadas do Arsenal em muitos anos. O clube conseguiu se encontrar em um estilo que combina com os atributos técnicos de seus jogadores e cada movimento seja no mercado ou a cada jogo prova que há uma filosofia rigorosamente seguida. Na janela de transferências que se encerrou há alguns dias, o Arsenal buscou jogadores com mais rodagem para agregar de imediato na forma como lidarão com as decisões até o fim da Premier League.

O belga Leandro Trossard, com certa experiência no futebol inglês após três bons anos no Brighton, chegou para dar mais profundidade no lado esquerdo ofensivo e podendo também atuar centralizado atrás do atacante. Nesta temporada Trossard acertou 72.4% dos passes para o terço final e média de 4.89 toques na área por partida. Um de seus pontos fortes é a condução em diagonal para encontrar algum companheiro na entrelinha ou finalizar. Tem ótimo controle de bola para fazer dribles em velocidade, leitura de espaços para dar opção e capacidade para gerar perigo com passes verticais.

O ítalo-brasileiro Jorginho é outro perfil experiente contratado nesta janela para qualificar ainda mais a circulação da bola na faixa central. Com incríveis 90.6% de acerto nos passes gerais e 81.8% em passes para o terço final, não há dúvidas de que sua chegada será bastante aproveitada. Em uma equipe que gosta de propor jogo e construir desde o início, Jorginho oferece qualidade nos passes dando apoio aos zagueiros através da intermediária. Com bom primeiro toque e eficiência acionando os homens da frente, tem tudo para ser um elo importante entre ambos os setores.

A negociação por Jorginho foi rápida e contou com a ligação de Arteta na noite anterior para convencer o ítalo-brasileiro (Divulgação/Arsenal)

Para ser uma opção na zaga pelo lado esquerdo, o polonês Jakub Kiwior, de apenas 22 anos, foi contratado junto ao Spezia. Na equipe italiana Kiwior era bastante participativo na construção das jogadas e por vezes atuou mais avançado. Para além das valências defensivas, pode ser uma alternativa técnica em um elenco que sabe o que fazer com a bola. Com 1,89cm é um zagueiro que possui mobilidade o suficiente para não sair em desvantagem nos duelos defensivos principalmente pelo chão. Possui boa antecipação, cobertura da profundidade e nível de concentração adequado.

Independente do que aconteça ao fim da temporada, o Arsenal encontrou sua forma de jogar e conduzir a equipe para o caminho das vitórias. Arteta tem em mãos um leque de jogadores extremamente talentosos e com grandes capacidades técnicas para serem imprevisíveis nos momentos decisivos. A idade nunca foi empecilho para a equipe progredir e garantir vitórias importantes. Seja quem estiver do outro lado, o Arsenal sabe como superar.

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