Depressão: a inimiga invisível do futebol
Cada vez mais jogadores e jogadoras estão se abrindo para falar sobre um assunto delicado e ainda mantido como tabu no futebol: a depressão.
Nas gloriosas noites de futebol pelo Brasil e pelo mundo, os jogadores são as grandes estrelas. Cercados de câmeras, microfones, luzes e expectativas, milhares de olhos estão voltados para o seu desempenho nos próximos 90 minutos. Durante a semana de treinos, a vigilância continua acirrada. Todos os detalhes parecem ser captados pelas lentes dos jornalistas. Uma coisa, no entanto, segue imperceptível: o que se passa dentro dos atletas.
Adriano, apelidado de Imperador pelas ótimas atuações na Itália, escreveu para o The Player’s Tribune e tocou em pontos importantes sobre a carreira profissional e, claro, sua vida privada. Em um dos trechos, ele relata como se sentiu quando recebeu a notícia da morte do seu pai:
“Eu estava do outro lado do oceano na Itália, longe da minha família, e não conseguia lidar com tudo aquilo. Fiquei tão deprimido, cara. Comecei a beber muito. Eu realmente não queria treinar […]”
A pressão por ter que se manter em forma e continuar jogando em alto nível foi tão insuportável que ele foi embora da Itália, voltou para o Brasil e para ser acolhido por aqueles que não o enxergavam como um super-homem. Nesse tempo, muitos julgamentos o condenavam por abrir mão de milhões de reais. O que as pessoas não entendiam era que Adriano, o extraordinário jogador, convivia com a depressão.
A depressão é uma doença psiquiátrica crônica classificada como transtorno de humor e caracterizada por sintomas como tristeza profunda e por tempo prolongado, associada a sentimentos de dor, desesperança, culpa, baixa autoestima, entre outros, assim como a distúrbios do sono e do apetite. A depressão ainda pode aparecer como sintoma de outro quadro, como demência, alcoolismo, esquizofrenia, entre outros, e também como resposta a situações estressantes, vulnerabilidades sociais e econômicas; o sintoma pode desaparecer dependendo das situações. No cérebro, desequilíbrios químicos são notados em exames de imagem e esses afetam diversas áreas responsáveis ou que se envolvem diretamente com o humor, prazer, apetite, memória, libido, disposição.
Para que alguém seja diagnosticado com depressão é preciso levar em conta os sintomas psíquicos, fisiológicos e as evidências no comportamento. Um dos sintomas que mais são valorizados é perda de prazer em atividades e a redução de interesse pelos ambientes em que frequenta.
Esse foi um dos sintomas sentidos por Adriano, mas não só ele. Nos últimos tempos, diversos jogadores têm falado sobre depressão e ansiedade nas grandes mídias. Mertesacker, ex-zagueiro alemão campeão do mundo, deu uma entrevista em 2018 e disse que se sentiu aliviado com a eliminação da Alemanha na Copa de 2006, porque assim estava livre da enorme pressão que o consumia e o fazia ter vontade de vomitar em dias de jogos.
Thiago Silva, Buffon, Tévez, Adriano, Cicinho e Nilmar – esse último também se afastou do futebol por não sentir mais desejo de treinar e jogar, além de sofrer com outros sintomas.
“Quem viveu isso sabe o que eu estou contando. Eu só chorava. Todos os sintomas que vocês puderem pesquisar, eu vivi; insônia, eu não conseguia dormir […] Você não consegue sair, por mais que você lute, mais triste você fica, mais angústia… Só quem enfrentou, quem viveu próximo a isso, e o atleta profissional tem essa imagem de ser um super-herói.”
– Nilmar em entrevista ao Esporte Espetacular
A Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais (FIFPro) realizou uma pesquisa há 5 anos (2016) sobre saúde mental de jogadores profissionais e o resultado foi alarmante: até 9 de 25 atletas podem sofrer com ansiedade, depressão e angustias profundas. Ainda segundo a pesquisa, 95% acreditam que os sintomas interferem no desempenho, 65% disseram sentir que a carreira já foi prejudicada por isso e 84% afirmaram não terem suporte adequado.
As informações acima estão traduzidas em português neste gráfico:
Em estudo mais recente, já durante a pandemia de coronavírus, a FIFPro constatou um aumento no número de atletas (homens e mulheres) com sintomas de depressão e/ou ansiedade.
As discussões sobre depressão e ansiedade e a importância do cuidado com a saúde mental dos atletas estão crescendo e, cada vez mais, as pessoas parecem se dar conta de que não é possível fazer futebol sem estar bem psicologicamente, além de entenderem que o esporte de alto rendimento é uma enorme fonte estressora e com forte potencial adoecedor para quem vive imerso nele – o sucesso, a fama e a grana não são garantia de que estarão imunes à problemas psicológicos, às vezes atuam, inclusive, como agravantes. Para os jovens que estão nas categorias de base, por exemplo, o contato com profissionais de Psicologia e garantido pela Lei Pelé (9.615/98). No futebol profissional, a presença de psicólogas e psicólogos nos grupos ainda não é tão bem vista por alguns dirigentes e treinadores; por outro lado, muitos clubes já contam com o trabalho desses profissionais.
Sobre o tratamento da depressão, a psicoterapia é constantemente indicada e, a depender do caso, o uso de medicamentos também se fará necessário, mas apenas com orientação profissional. Adriano, Nilmar e outros jogadores que passaram por situações semelhantes já destacaram como psicólogos os ajudaram a se reerguer e superar momentos complicados.
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