O avanço do Analytics no Futebol Americano

E como isso pode influenciar nosso futebol

Seria mais um dia de rotina para o analista de dados Brian Burke, que estava no Paquistão trabalhando para uma empresa norte-americana, quando em setembro de 2008 um atentado em Islamabad forçou que todos cidadãos americanos tivessem decretada sua volta imediata aos EUA.

Ansioso e com medo pela situação, enquanto esperava no seu quarto de hotel que o levassem ao aeroporto, Burke ficou na dúvida: ou maratonava os DVDs de House que tinha ou brincava com os dados da NFL que guardara. A paixão pelo esporte falou mais alto.

Foi aí que ele criou os seus já famosos gráficos de predição de resultado pelas ações da partida, o Win Probability Map. Em 2015 foi contratado pela ESPN e hoje comanda o grupo de analytics de NFL no canal americano.

História parecida teve o ex-DJ Aaron Schantz, que após ter um trampo cancelado em uma festa em Boston em 2006, resolveu ler o clássico The Hidden Game of Football de Bob Carroll e daí surgiu sua famosa teoria “Establish the Run” que provou, através do uso de big data, que nem todas as corridas (runs) na NFL são iguais.

Apesar de que o uso de dados sempre esteve presente na NFL e suas transmissões, o trabalho dos treinadores e auxiliares na hora de decidir por um punt, uma trajetória de corrida, um tipo de passe ou bloqueio, sempre foi uma mistura de experiência, “feeling” e leitura do jogo. Bem parecido como os treinadores fazem no Brasil com o nosso futebol.

A utilização de estatísticas avançadas e a manipulação de big data é algo realmente muito recente na NFL, por incrível que pareça. Mas já decide jogos e títulos: a famosa jogada “Philly Special” utilizada pelos Eagles no Superbowl de 2018 foi criação e sugestão do departamento de análise, por exemplo.

Hoje todas as franquias possuem departamentos com 10 a 15 cientistas de dados, estatísticos, ex atletas, técnicos e analistas de desempenho para analisar o jogo de uma forma nunca antes feita. Há uma infinitude de possibilidades que deve transformar a forma que se joga futebol na América nos próximos anos.

Mapa de zona de passes do último Superbowl

E a Liga entendeu isso. A NFL fornece dados aos seus clubes, que possuem TODOS acesso às mesmas bases de informações. Cada franquia utilizará da melhor forma possível essas informações, usando os melhores profissionais que caibam em seus orçamentos. Também há competição neste nível do esporte. Os geeks acharam sua porta de entrada pra NFL.

Dentro desse viés, a página NFL NextGen Stats anunciou novas métricas que devem elevar ainda mais a barra da análise dentro dos clubes e também nas transmissões das partidas. E claro, na experiência do torcedor e do fã de analytics.

Uma dessas métricas é o Modelo de Reconhecimento de Rotas (Route Recognition Model), que através de tracking data, oferece o tipo de rota para cada jogador recebedor de passe em tempo real, podendo medir assim quais rotas são mais valiosas e mais eficientes.

Modelo de Reconhecimento de Rotas

Outra métrica bem bacana – especialmente para o espectador do jogo nas transmissões – são as Jardas Esperadas depois do Catch. Consiste basicamente em projetar quantas jardas aquele recebedor conseguirá avançar em base a vários dados relacionados ao posicionamento, postura corporal, tipo de passe, etc.

Agora imagine que no Brasil tivéssemos uma Liga forte, preocupada no produto “Futebol Brasileiro”, que organizasse campeonatos decentes, vendesse bem esse campeonato, criasse engajamento e vínculo com clubes, torcedores e marcas? Mas, além disso, fornecesse a todos os clubes dados de eventos e óticos de alta precisão para que eles levassem o esporte à fronteiras nunca antes exploradas?

Qualidade individual, talento e paixão não faltam aos profissionais brasileiros. O contexto é que atrapalha, força ao erro, ao atalho. É por isso que eu sigo convicto que o jeito mais DIRETO, mais DEMONSTRÁVEL e mais ACIONÁVEL no futebol é o analytics como sustentação das tomadas de decisão.

DIRETO porque os benefícios de uma boa análise levam ao principal objetivo: vencer. DEMONSTRÁVEL porque seu impacto pode ser facilmente verificado. Quando um treinador tem duas opções para uma decisão, e a mais tradicional tem 0.5% a menos de chance de dar certo do que a proposta pelo analytics, já podemos dar crédito à ciência pelo impacto direto no jogo.

ACIONÁVEL porque ela não existe para si só. Ela é informação a serviço de analistas e treinadores para ser convertida em conhecimento e sabedoria quando disporem. Ou seja, no final das contas, é muito importante. Assim como fizeram Brian Burke e Aaron Schantz, há de se acreditar para fazer a diferença.

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