A ARGENTINA PRECISA PESCAR
Por Valter Júnior Jornalista, é editor de esportes do jornal Metro de Porto Alegre Para ter a Copa do Mundo em mãos ao término do último jogo é preciso conquistá-la em campo, mas para chegar até o fim deste ardiloso caminho é preciso mais do que o que acontece em campo. Na bacia das almas, […]
Por Valter Júnior
Jornalista, é editor de esportes do jornal Metro de Porto Alegre
Para ter a Copa do Mundo em mãos ao término do último jogo é preciso conquistá-la em campo, mas para chegar até o fim deste ardiloso caminho é preciso mais do que o que acontece em campo. Na bacia das almas, a Argentina sobreviveu à fase de grupos. Antes de conseguir o gol da vitória sobre a Nigéria nos minutos finais,, o nervosismo argentino era palpável. Uma postura diferente da de outra seleção que esteve próxima de ser eliminada.
Contra a Suécia, mesmo sem apresentar o seu melhor futebol, a Alemanha jogou com uma postura de quem sabia que venceria. A cada passe dos argentinos diante dos nigerianos ficava claro que eles tinham dúvida se atingiram o seu intento. O alívio pela classificação foi transformado em lágrimas após a classificação. Não tinha felicidade, apenas alívio. Não tinha raiva pelas críticas, apenas desafogo. Não pareceu, entretanto, que a angústia e a tensão darão folga nos próximos dias. Foi tudo muito mais no coração do que no futebol. Os problemas táticos do time de Sampaoli, passando por suas escolhas, existem, mas a manutenção da vida argentina na terra de Lenin e Stalin extrapola as quatro linhas. O problema está mais na cabeça do que nos pés, que são comandados pela cabeça.
Será preciso superar o esgotamento emocional de uma geração inteira. Será preciso superar a estafa do sistema nervoso do seu craque. Em tempos passados, os argentinos lidaram bem com o problema e evitavam o extenuamento físico e mental.
Na Copa de 1978, o pressionado era Mario Alberto Kempes, o único dos 22 convocados para defenderem a Argentina dentro de casa que atuava no exterior. Como se por jogar pelo o Valencia ele era menos argentinos. Um pouco daquilo que Messi passou nos seus primeiros anos na Albiceleste. Por não ter se formado jogador nas ruas de Rosário, Buenos Aires ou Avellaneda, diziam que ele não era argentino. Tudo por não ter um futebol puramente platense, tem no seu DNA muito do futebol barcelonista. Poucos se deram conta que talvez o fato de ter se criado longe da opressão de ser o novo Maradona, como aconteceu com muitos e todos falharam, transformou Messi no que Messi é hoje. Hoje, La Pulga é abraçada e venerada pelo seu povo, mas se sente em dívida pela ausência de uma conquista redentora.
No trajeto entre a concentração e o estádio antes das partidas da Copa de 1978, Kempes se sentava no fundo do ônibus e ao lado do goleiro Héctor Baley, o único negro do grupo de jogadores, fumava um cigarro. Era uma superstição, mas, sobretudo, uma forma de relaxar antes que a adrenalina fosse jorrada em suas veias. Antes da partida contra o Peru, uma das mais controversas da história das Copas, o nível de tensão era colossal. A vitória por 6 a 0 colocou os argentinos na final contra a Holanda. O resultado não foi suficiente para que o estresse se esvaísse.
Amante da pesca, Baley sugeriu que ele, Kempes e Américo Gallego fossem pescar após a goleada. Líder da equipe, El Toro, o último homem a vestir a camisa 10 argentina em Copas antes de Maradona, pediu autorização para técnico Menotti. Foram liberados com a condição de que estivessem de volta antes de atender os jornalistas às 10h da manhã seguinte.
Era uma noite gélida em meio à ebulição de uma Copa do Mundo e da ditadura argentina. O trio deixou a concentração sem deixar vestígios e num pequeno barquinho foram pescar no Rio Paraná. Na volta trouxeram quatro peixes, entregues ao cozinheiro da Seleção Argentina para que fosse cozinhados e servidos durante o jantar. Três dias depois, com dois gols de Kempes, a Argentina venceu o seu primeiro Mundial.
O Messi que venceu cinco vezes o título de melhor do mundo ainda não foi visto na Rússia. Há um esboço dele apenas. Embora tenha marcado duas vezes, ele perdeu um pênalti, errou passes que não erraria, visível reflexo do peso de brilhar como ainda não fez em um Mundial, mesmo que há quatro anos tenha sido eleito o melhor do torneio. Talvez os rios russos não sejam o melhores para pescar, mas Messi, para o bem do futebol, precisa achar um escape para pressão. Ele merece isso. A Copa merece ver o melhor de Messi.
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