A (des)articulação entre os entes federativos que promovem o esporte no Brasil

Em sua tese de doutorado, Ana Paula Bonin mergulhou na realidade do município de Curitiba para entender as dificuldades de implementação de um Sistema Nacional de Esporte no país

Com a proposta de compreender se a estrutura e as ações que promovem o esporte de rendimento no Brasil se constituem de maneira articulada ou não, Ana Paula Bonin elaborou a sua tese para obtenção do título de Doutora em Educação Física, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O recorte do estudo foi o estado do Paraná, mais precisamente no município de Curitiba. “Mesmo com o esforço de vários agentes e instituições, ainda não houve a implementação de um Sistema Nacional de Esporte em nosso país que direcione e promova a articulação entre os diferentes entes federativos”, afirma a pesquisadora.


Qual foi o seu principal propósito ao escolher essa linha de pesquisa?

Meu orientador, professor Fernando Marinho Mezzadri coordena, desde 2013, o projeto Inteligência Esportiva, que tem como objetivo principal “produzir, aglutinar, sistematizar, analisar e difundir informações sobre o esporte de alto rendimento no Brasil e no mundo”. Decidimos, então, estudar as políticas públicas de diferentes entes federativos com o intuito de problematizar a necessidade de articulação entre as instituições envolvidas, bem como entender a dificuldade de implementação de um Sistema Nacional de Esporte que distribua as competências de cada ente federativo.

Por qual motivo este tema é importante?

Embora inserido na agenda política, ainda não é possível visualizar o esporte enquanto uma questão de Estado, haja vista que as políticas públicas no setor (em todas as dimensões) são ameaçadas a cada ano eleitoral, sendo muitas vezes totalmente modificadas nas trocas de gestão.

Além disso, discussões acerca da maneira como se constituem as relações intergovernamentais têm se mostrado essenciais para compreender a forma de gestão preponderante em um país marcado pela heterogeneidade dos seus municípios. Por fim, entender a importância da implementação de um Sistema Nacional de Esporte é muito relevante, pois uma vez que não existe uma definição clara quanto às responsabilidades de cada estado e município, os governantes podem eleger qual(is) dimensão(ões) esportiva(s) apoiar e promover.

Quais as conclusões do estudo?

Existe dificuldade na implementação de uma gestão compartilhada entre União, Estados e Municípios, haja vista que não existem mecanismos que estimulem a cooperação entre os entes federativos. Essa questão seria minimizada com a existência de um Sistema Nacional que compreendesse o esporte enquanto uma pauta de Estado, centrado em políticas perenes e em uma legislação atual.

Nesse sentido, consideramos que existem cinco principais limites da estrutura administrativa-político-esportiva para a promoção do esporte no Brasil e construção do Sistema Nacional do Esporte. São eles: 1) regime de competência e designação de responsabilidades de cada instituição que promove o esporte; 2) autonomia das entidades subnacionais; 3) protagonismo do esporte de alto rendimento; 4) consolidação de uma política nacional de esporte; e 5) conquista de legitimidade esportiva por meio do entendimento do esporte enquanto política de Estado.


POR DENTRO DA PESQUISA

Você utiliza o termo “desorganização organizada”. De que forma essa expressão é aplicada no Brasil?

O termo surgiu, inclusive, de um dos entrevistados da tese, ao tentar explicar como o esporte de rendimento acontece no Brasil. Segundo ele, o caso brasileiro representa uma “desarticulação organizada”, uma vez que apesar da existência de uma desarticulação própria da nossa cultura, ainda assim é possível vislumbrar equipes nacionais competitivas o suficiente para representar o país em várias modalidades esportivas. É nesse sentido que a implementação de um sistema poderia facilitar a articulação do esporte brasileiro, tornando a sua organização mais eficiente e com melhores resultados.

Quanto do que você analisou localmente, em Curitiba, acaba se refletindo no âmbito nacional?

Bastante. A Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude de Curitiba, por exemplo, entende que sob sua responsabilidade não deve estar o esporte de rendimento, mas sim as demais dimensões esportivas (participação e educacional), pois os recursos humanos e financeiros não são suficientes para abranger o esporte em todas as suas facetas. A maior demanda social, no caso de Curitiba, é pelo esporte participativo. 

A autonomia, presente na Constituição Federal de 1988, permite que as entidades subnacionais – no caso os estados e municípios – escolham qual dimensão esportiva priorizar em cada gestão. Por um lado isso não é ruim, pois se prevê que as particularidades de cada região, bem como a demanda daquela população, serão respeitadas; por outro lado, dificulta a condução das ações dos gestores tendo em vista a ausência de um mecanismo que estabeleça relações intergovernamentais, fazendo com que assim os gestores e suas equipes “caminhem sozinhos” na priorização de uma dimensão esportiva em detrimento de outra. Sem contar que muitas secretarias de esporte espalhadas pelo nosso país não são exclusivas do esporte, sendo necessário dividir recursos com outras áreas como saúde, cultura, educação, turismo, juventude, dentre tantas outras. 

O que a realização de eventos como o Pan-americano, Copa do Mundo e Olimpíadas rendeu de legado para o esporte brasileiro?

O tema legado já havia sido bastante discutido nos Jogos Pan Americanos de 2007, perpetuando-se também durante a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Todavia, embora os discursos governamentais e dos gestores de esporte no Brasil reforcem a existência de um legado de infraestrutura, mobilidade urbana e mobilização midiática, as recentes discussões acadêmicas apontam que em termos de políticas públicas para o esporte brasileiro, os legados dos Megaeventos esportivos, sobretudo nos estados e municípios, estão muito aquém da expectativa gerada em sua realização. Faltou, acima de tudo, planejamento para uma efetiva herança esportiva.

Como você tem observado as políticas nacionais de incentivo ao esporte nos últimos anos?

Infelizmente ainda são políticas de Governo, e não de Estado. Ou seja, a cada troca de governante as políticas sofrem alterações: deixam de existir, mudam de nome, alternam-se as diretorias, diminuem o número de bolsas dos atletas, etc. Assim como em outras áreas sociais, o esporte também sofre com problemas de gestão e com políticas pautadas em trocas de favores e plataformas eleitorais; políticas públicas construídas com base na vontade política e não em demanda social, sem diagnóstico, tampouco avaliação de programas, projetos e ações. 

Há uma necessidade urgente de modernização legislativa, capaz de compreender o esporte como uma questão de Estado, condizente com sua importância no cenário econômico-social-cultural. Do mesmo modo, é imprescindível a criação de um sistema esportivo que leve em consideração a pluralidade e a diversidade esportiva, que possibilite o surgimento de mecanismos que estabeleçam a articulação entre as esferas governamentais e que crie diretrizes claras para que haja definitivamente uma política nacional de incentivo ao esporte brasileiro. 


QUER SE APROFUNDAR NO TEMA?

Políticas Públicas e Esporte/ Organização: Fernando Marinho Mezzadri.- 1.ed.-Várzea Paulista, SP:Fontoura,2014.

Esporte de alto rendimento: fatores críticos de sucesso – gestão – identificação de talentos/ Organização: Maria Tereza Silveira Böhme, Flávia da Cunha Bastos.- 1.ed.-São Paulo: Phorte, 2016.

CAMARGO. Philipe Rocha de. O programa Bolsa-Atleta: desenvolvimento da performance ou política de Welfare State? 2020. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação Física, UFPR, Curitiba, 2020.


Título da tese: A (des)articulação entre os entes federativos que promovem o esporte de rendimento no Brasil, no Paraná e em Curitiba
Autora: Ana Paula Cabral Bonin Maoski
Instituição de Ensino: Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Ana Paula Cabral Bonin Maoski é professora adjunta na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Possui Doutorado em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (2016). Pela mesma universidade possui o grau de Bacharelado em Educação Física (2008) e Mestrado em Educação Física (2011). É líder do Grupo de Pesquisa em Gestão do Esporte (GPGE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, integrante do Núcleo de Estudos sobre Políticas Públicas para o Esporte (UFPR) e do projeto Inteligência Esportiva (parceria entre UFPR e Secretaria Especial do Esporte, do Ministério da Cidadania). Desenvolve estudos e pesquisas nas seguintes áreas: gestão do esporte, esporte de rendimento, megaeventos esportivos, violência no futebol e redes sociais.
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