A DIFICULDADE DOS CLUBES TRADICIONAIS FRENTE AOS MULTIMILIONÁRIOS
Por Eryck Gomes Competir a nível continental é uma tarefa cada vez mais difícil para clubes que não têm um caixa abastado. Neste cenário, sobra inclusive para instituições tradicionais. Peguemos como exemplo o Ajax, que vem se destacando na UEFA Champions League 2018/2019: qual a possibilidade de o time holandês, tetracampeão da competição e referência […]
Por Eryck Gomes
Competir a nível continental é uma tarefa cada vez mais difícil para clubes que não têm um caixa abastado. Neste cenário, sobra inclusive para instituições tradicionais. Peguemos como exemplo o Ajax, que vem se destacando na UEFA Champions League 2018/2019: qual a possibilidade de o time holandês, tetracampeão da competição e referência na formação de atletas, voltar a ocupar o topo do futebol europeu?
Clubes com um passado de títulos devem se contentar, hoje, apenas com boas campanhas? Ser um “supermercado” para gigantes mundiais é um caminho sem volta? Alto investimento na base é a saída? Como negociar a montagem de um plantel forte frente às cifras dos multimilionários? A fim de elucidar essas questões, conversei com Marcelo Sant’Ana, presidente do Esporte Clube Bahia de dezembro de 2014 a dezembro de 2017.
Para começar, usemos como recorte a maior competição de clubes do planeta. Nas últimas 10 edições da UEFA Champions League, sete taças ficaram na Espanha (Real Madrid com quatro e Barcelona com três). Bayern Munique, Chelsea e Internazionale foram os “intrusos”. Desde a temporada 2009/2010, os Merengues gastaram €1.159,75 bilhão em aquisições de atletas. Os Blaugranas, €1.198,27 bi. Comparando ao exemplo inicial, o Ajax desembolsou €182 milhões. Os números são do site alemão Transfermarkt, referência em avaliação de valores econômicos de jogadores e competições.
– Hoje, o descolamento econômico é muito grande. Historicamente, sempre teve. Mas eram diferenças como um time ter o dobro do outro, mas um dobro que, na hora do salário, não refletia. Dava uns 20% ou 30% a mais, porque havia outros compromissos, de infraestrutura, centro de treinamento e estádio, que tomam uma parte significativa do orçamento. Só que, atualmente, esses valores brutos permitem que a folha tenha uma diferença agressiva, que também acontece no momento de contratar. Se você pega esses grandes orçamentos do mundo, o Real Madrid, o Manchester United, o Bayern de Munique, eles não gastam nem 55% do orçamento com a folha salarial, apesar de terem folhas absurdas. Tudo isso porque o faturamento chegou num nível muito elevado – explica Marcelo Sant’Ana.
Quando utilizamos o mesmo período de tempo para comparar o valor de vendas de Real Madrid, Barcelona e Ajax, nota-se que a discrepância, embora existente, é bem menor.
– O Ajax tem uma identidade muito clara de estilo de jogo, de formação, e tem uma divisão de base bastante agressiva. Quando essa formação consegue juntar um período de dois ou três anos formando em alto nível, o clube desponta no cenário europeu. Na década de 70, enquanto não existia essa agressividade econômica no mundo, o Ajax foi três vezes campeão da Champions League, mas depois ele termina sendo desmontado pelo Barcelona. Aí você vem para os anos 90, quando chegaram de novo e o Barcelona desmonta novamente. Agora, vemos o Ajax voltando ao cenário europeu, após ir bem numa Liga Europa há três temporadas, e hoje começa a jogar uma Champions onde elimina o Real Madrid e tenta surpreender ainda mais. Mas o Barcelona já levou um dos principais jogadores (Frenkie de Jong), e, neste momento que estamos conversando, pode levar outro (há negociações por Matthijs de Ligt). O Ajax é um grande clube europeu, mas o Real Madrid é um grande clube mundial. Cada um está buscando, na verdade, o seu modelo competitivo. A sua identidade. E os clubes que vão conseguir chegar no âmbito europeu, a disputar com essas grandes potências, são clubes que têm uma estratégia competitiva muito clara.
Um dos entraves na negociação e convencimento de atletas é apresentar um projeto para a temporada que possibilite a busca por títulos, ou algo próximo disso. Quando, a nível europeu, há gigantes que não precisam de muito esforço para cobrir qualquer oferta de salário, a coisa complica. Sant’Ana esclarece como é este tipo de cenário.
– Você consegue manter um jogador, por um projeto esportivo, durante um período. Mas quando esse jogador nota que joga em nível mundial, ele quer disputar os principais títulos também. Ele até aceita abrir mão do dinheiro por um tempo, porque sabe que a formação dele está sendo complementada, que tem coisas a corrigir, porque sabe que se migrar para outro clube antes da hora, pode ser reserva… Talvez seja esse o mesmo momento dos garotos do Ajax. Preferiram disputar o título do Holandês, fazem uma boa campanha em nível europeu, mas a partir do momento que eles começam a observar que o nível deles não é mais de fazer boa campanha e sim de tentar ser campeão, pesa o lado esportivo e financeiro. Não dá para o jogador abrir mão das duas situações, digamos assim. Do dinheiro e do desempenho esportivo. Dá para manter atletas importantes neste contexto? Dá, mas dificilmente por mais de duas ou três temporadas.
Outro fator importante é encontrar medidores que deem uma ideia do nível de jogo praticado em determinado país. Por exemplo, a liga nacional da Holanda, a Eredivisie, é a segunda com maior média de gols por partida (3,41), perdendo apenas para A Lyga (3,86), da Lituânia. Completam o Top-5 a Gibraltar Premier Division (3,39), de Gibraltar; BGL Ligue (3,33), de Luxemburgo e Premier League (3,26), do País de Gales. Tal estatística joga contra no momento de seduzir jogadores já renomados. No ranking dos nacionais mais valiosos do planeta, a Premier League reina, possuindo um valor de mercado de €8.510 bilhões. A Eredivisie está em sétimo lugar, com €1.080 bilhão. O Campeonato Brasileiro vem logo atrás, avaliado em €969,95 milhões.
E por falar em Série A, o Brasil vem passando por um momento onde Palmeiras e Flamengo se distanciam cada vez mais, no aspecto financeiro, dos outros clubes. Muitos veem certo perigo no cenário, acreditando que tal movimento ameaça a competitividade. O argumento é rechaçado por Marcelo Sant’Ana, que avalia com bons olhos o recente aquecimento do mercado nacional.
– O mercado, com o tempo, se adapta. Para os clubes intermediários, é muito bom esse aquecimento. Se o Flamengo está comprando jogador dentro do Brasil, tem clubes que começam a ter a condição de comprar jogadores de outros. Você compartilha esse dinheiro. É melhor para o Brasil, financeiramente, ver o Flamengo pagar um alto valor no Arrascaeta do que no Vitinho, que tava na Rússia. A reposição do Cruzeiro foi o Rodriguinho, que estava fora, mas poderia ter sido alguém do mercado interno. Eles quiseram comprar o Zé Rafael, por exemplo. Quando isso vai acontecendo, outros clubes que não tinham a tradição de negociar, passam a ser vendedores. Cada um com o seu valor. Um paga oito milhões de euros; outro, quatro; outro, um milhão de reais; outro, 100 mil… Você começa a ter uma ciranda de clubes sendo mais ativos. No Brasil a gente vê muitas trocas e empréstimos. Talvez, nos próximos anos, vire uma realidade mais de compra, com o mercado aquecido, com o sucesso econômico de algumas equipes. Acho isso positivo.
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