A Itália tem o direito de sonhar na Euro?

Para uma geração em sua primeira grande competição após a ausência no Mundial, sonhar não custa nada

Acabou chorare pra Itália. Depois de uma incrível ausência na Copa do Mundo da Rússia, de uma geração há 4 anos sem um grande torneio, a Eurocopa serve para preencher essa lacuna, seja para os atletas, seja para os tifosi da Azzurra que vão ter o gosto de ver alguns jogos em casa na Euro itinerante.

É difícil não criar expectativa com essa Itália que vem de uma série de vitórias consecutivas, passou com 100% de aproveitamento pelas Eliminatórias da Euro, e vem com o bom trabalho de Roberto Mancini, que renovou contrato num ciclo que vai até a Copa do Mundo de 2026. 

Tudo começou com um trabalho iniciado em 2018 entre Eliminatórias da Euro, amistosos e UEFA Nations League, que pensou em um time para a Itália que fizesse uma equipe centrada no melhor aproveitamento das qualidades de suas estrelas, com um projeto também centrado na posse de bola.

Este modelo faz com que a Itália possa aproveitar bem dois de seus grandes expoentes na elite do futebol de posse: Jorginho e Verratti. Além disso, o time pôde aproveitar as qualidades defensivas de suas estrelas sem esquecer da saída de jogo, com Bonucci, e fez até aqui com que Insigne participasse dos jogos e não fosse um elemento estranho ao resto do time nas pontas.

Ter aproveitado um 4–3–3 aberto e ofensivo e com uma grande mescla de 40 jogadores, acabou por definir o sucesso do trabalho de Mancini até aqui. Não a toa o time venceu 71% das partidas desde que o treinador chegou, e terminou em seu grupo nas Eliminatórias com saldo de gols positivo de +33, muito em comparação com o saldo de gols de +9 das Eliminatórias para a Euro 2016.

Ao instituir este 4–3–3 que flexiona a força e o cérebro de jogadores como Jorginho, Barella e Verratti (quando saudáveis), o sistema de Mancini consegue a mistura perfeita de ação e reação. Eles podem pressionar os oponentes bem alto no campo, podem sobrecarregar os lados jogando os meio-campistas para a frente, os defensores são todos adeptos de passes e os jogadores de lado podem voltar rapidamente para evitar que os adversários ganhem vantagens numéricas no terço final.

Esta sobrecarga pelo lado se explica porque com a bola, a Itália joga em uma espécie de 3–2–5, em que especialmente pelo lado esquerdo, o lateral sobe para que o ponta da vez, em jogada principalmente feita com Insigne (e que foi tão utilizada pelo Napoli nos últimos anos com os mais diversos treinadores), consiga mais espaço ainda para avançar e criar a jogada de ataque.

A fase de 3–2–5 na posse de bola italiana. (Foto: L’Ultimo Uomo)

O contexto acaba por favorecer os passes mais longos de Bonucci, a entrada na área de Barella, e a distribuição de jogadas de Jorginho e Verratti, que ao lado do zagueiro da Juve, tentam manipular a pressão da posse de bola adversária com suas movimentações.

Este modelo parecia rígido no começo, mas foi progressivamente internalizado e interpretado com maior consciência e naturalidade dos jogadores. Um exemplo concreto é dado pelos movimentos de Verratti, que lendo as situações táticas, pode alternativamente dar apoio a Jorginho na construção baixa ou ficar atrás da linha de pressão para dar outra solução de jogo nas costas do meio-campo adversário e aumentar a qualidade na fase de finalização.

Na fase de transição defensiva e sem a posse de bola, a escolha tática decorre naturalmente do desejo de privilegiar um futebol centrado na capacidade de manipular as estruturas defensivas adversárias por meio da posse, e assim, a Itália tenta forçar a recuperação da bola com a pressão ofensiva e com o re-ataque imediato após a perda de posse, aproveitando a densidade de homens próximos à bola na fase de posse anterior. 

Fabio Barcellona, em seu texto “guia” para a Itália na Euro 2020 em L’Ultimo Uomo explica o contexto dessa ideia defensiva da Azzurra: 

Além dos princípios fundadores, da fase ofensiva e do caráter proativo do futebol desenhado por Mancini, uma recuperação de bola baseada na pressão e na “reagressão” é perfeitamente condizente com as características dos jogadores azzurri. Jorginho e Verratti são bastante adeptos da defesa pressionando para a frente, mas podem ter mais dificuldade em proteger a linha de fundo das linhas de passe adversárias na fase de defesa posicional. A própria energia de Barella é bem canalizada para uma filosofia agressiva de recuperação de bola.

O 4–3–3 na fase defensiva da Azzurra. (Foto: L’Ultimo Uomo)

Mas por outro lado, é uma seleção composta de jogadores que precisam provar na seleção o que fazem nos clubes. O trio de ataque entre Insigne, Immobile e Berardi, os três com grandes temporadas individuais por Napoli, Lazio e Sassuolo, respectivamente, embora suas equipes não tenham conseguido seus objetivos coletivos, o individual de todos eles sobressaiu.

Por outro lado, na Azzurra, os três tem mais dificuldade. Segundo dados levantados pela Gazzetta dello Sport, a capacidade “realizadora” dos três baixa na seleção. Immobile na Serie A demorava cerca de 143 minutos para marcar um gol, já pela Itália, demora 242 minutos para balançar as redes, baixando sua capacidade de 17% na liga para 12% na Azzurra.

Com Insigne, embora seu desempenho até mesmo no Napoli tenha chegado a uma grande maturidade desde a chegada de Mancini na seleção, ainda precisa melhorar em uma coisa na Azzurra: a finalização, uma vez que os 17% de acerto de chances no Napoli viram 7% na seleção italiana, e a espera por um gol que é 151 minutos com os napolitanos mais que dobra na seleção para 354 minutos. 

A falta de consistência dos artilheiros individualmente também pesa contra a seleção, uma vez que o artilheiro das Eliminatórias da Euro foi Belotti, com apenas 4 gols. É bem verdade também, que na era Mancini, de 40 jogadores convocados, 19 diferentes marcaram gols pela Azzurra. E dentre eles, os atacantes, seja Insigne, Chiesa, Berardi ou quem é escalado, sempre tem cumprido seus papéis até aqui.

Há um ponto de interrogação também sobre a questão física de algumas de suas estrelas. Se o sucesso da Azzurra se explica pelo seu bom desempenho do meio-campo, vale lembrar que Jorginho jogou até o final da temporada em que levantou a taça da Champions League, Verratti vem de uma lesão no joelho, enquanto Barella teve seus problemas físicos, embora foi mais poupado na reta final após o título italiano da Inter.

Por outro lado, vale ficar de olho com novas estrelas a disposição do elenco. Se por um lado, Mancini cortou Kean, por outro ele tem em seu provável banco jogadores de destaque durante a temporada, como foram os casos de Locatelli e Chiesa. Em comum a ambos, a boa movimentação em suas áreas de atuação, e que servem bem para contextos de posse de bola, como a Azzurra trabalha.

Locatelli pode ficar de olho na posição de Verratti em vista os problemas físicos, assim como Chiesa serve bem na ponta-direita caso Berardi não agrade. E Chiesa pode crescer muito bem para dar fôlego e energia ao time caso precise.

Mas em meio a tudo isso, a Itália, embora não esteja entre as principais favoritas ao título, pode se dar ao direito de sonhar com o troféu que não vem desde 1968 para a Azzurra. E pode se dar ao direito de sonhar com um trabalho que não servirá apenas para a Euro, mas também pensando nas próximas competições. 

Compartilhe

Comente!

Tem algo a dizer?

Últimas Postagens

AS FUNÇÕES DENTRO DE UM CAMPO DE FUTEBOL – Análise do futebol Brasileiro

AS FUNÇÕES DENTRO DE UM CAMPO DE FUTEBOL - Análise do futebol Brasileiro

Douglas Batista
Prévia: Os destaques da final do Brasileiro Sub-20

Prévia: Os destaques da final do Brasileiro Sub-20

André Andrade
O impacto de Léo Ortiz atuando como volante no Flamengo

O impacto de Léo Ortiz atuando como volante no Flamengo

Lucas Goulart
Riccardo Calafiori: O defensor destaque na Itália que chega ao Arsenal

Riccardo Calafiori: O defensor destaque na Itália que chega ao Arsenal

André Andrade
Análise de Vitinho: o novo lateral-direito do Botafogo

Análise de Vitinho: o novo lateral-direito do Botafogo

Lucas Goulart
OS DESTAQUES DA PRIMEIRA FASE DO BRASILEIRO SUB-20

OS DESTAQUES DA PRIMEIRA FASE DO BRASILEIRO SUB-20

André Andrade
PALMEIRAS X BOTAFOGO: AS NUANCES DO DUELO DECISIVO

PALMEIRAS X BOTAFOGO: AS NUANCES DO DUELO DECISIVO

Douglas Batista
O trabalho de Fernando Seabra no Cruzeiro

O trabalho de Fernando Seabra no Cruzeiro

Lucas Goulart
Como saem os gols dos artilheiros do Brasileirão

Como saem os gols dos artilheiros do Brasileirão

Douglas Batista
A prospecção do Grêmio ao mercado Sul-Americano

A prospecção do Grêmio ao mercado Sul-Americano

Lucas Goulart
Cinco jogadores que se destacaram na Copa América

Cinco jogadores que se destacaram na Copa América

André Andrade
As influências dos campos reduzidos na Copa América

As influências dos campos reduzidos na Copa América

Douglas Batista
FIQUE DE OLHO: Jogadores Sub-23 que podem se destacar na Copa América 2024
André Andrade

FIQUE DE OLHO: Jogadores Sub-23 que podem se destacar na Copa América 2024

A EVOLUÇÃO DE GABRIEL SARA NA INGLATERRA

A EVOLUÇÃO DE GABRIEL SARA NA INGLATERRA

Douglas Batista
EURO 2024 | COMO CHEGA PORTUGAL

EURO 2024 | COMO CHEGA PORTUGAL

Gabriel Mota