A MÁ UTILIZAÇÃO DAS CATEGORIAS DE BASE

Por Caio Alves O The Pitch Invaders 118 abordou os desafios da transição entre a base e o profissional. É sabido que cada jogador reage de uma forma, seja por aspectos físicos, de planejamento ou pela própria estrutura pessoal do atleta. De qualquer forma, no Brasil, os clubes têm grande protagonismo nesse contexto, mas nem […]

Por Caio Alves

O The Pitch Invaders 118 abordou os desafios da transição entre a base e o profissional. É sabido que cada jogador reage de uma forma, seja por aspectos físicos, de planejamento ou pela própria estrutura pessoal do atleta. De qualquer forma, no Brasil, os clubes têm grande protagonismo nesse contexto, mas nem sempre cumprem com suas responsabilidades. Ao Footure FC, André Kfouri, jornalista do LANCE! e dos canais ESPN, Bruno Prado, comentarista da Jovem Pan, e Caio Gondo, analista de desempenho das categorias de base do Vila Nova, debatem conosco.

Há um bom tempo, o futebol brasileiro é vítima de um calendário criminoso, e, por consequência, o planejamento por parte dos clubes torna-se cada vez mais escasso. Para Bruno Prado, os clubes esquecem da base quando estão com dinheiro no cofre. “O futebol brasileiro tem uma influência enorme da política dos clubes e dos resultados imediatos, poucas coisas são planejadas. Garotos muitas vezes são lançados no desespero e como salvadores de um time que não está bem. Quando estão com dinheiro, os clubes contratam. Contratações trazem status para dirigentes e a base fica em segundo plano”.

Atualmente, os clubes mais beneficiados com boas condições financeiras são Palmeiras e Flamengo. Ainda assim, ambos seguem deixando a desejar, não olhando para seus atletas em transição. O clube paulista, inclusive, vem de uma boa temporada sub-20, no qual conquistou o Campeonato Brasileiro, o Campeonato Paulista e a Copa Ipiranga, além de revelar garotos promissores como o zagueiro Vitão, o lateral-esquerdo Luan Candido e o atacante Papagaio. Dispondo de um contexto seguro, vencedor e planejado, o cenário era favorável para usá-los em jogos específicos com o objetivo de dar minutos aos garotos, mas, no fim das contas, a diretoria palmeirense optou por ir ao mercado.

“O processo de revelação de jogadores poderia ser mais bem feito. Os clubes não são os únicos responsáveis por essa situação, já que muitas vezes não têm controle sobre a carreira de seus jovens jogadores. São consequências pelo Brasil ser um país exportador de futebolistas”, diz André Kfouri ao analisar a falta de planejamento por parte dos clubes.

Por outro lado, mesmo que com um capital inferior em relação aos citados, o Athletico Paranaense mostra-se coerente e colhe os frutos de um claro planejamento feito no início do ano. Em 2013, quando a equipe optou por disputar o estadual com a equipe sub-23, o clube revelou Santos, Otávio e Hernani como maiores destaques, resultando em G4 e um vice-campeonato da Copa do Brasil. Em 2018, quando a história se repetiu, revelou Léo Pereira, Renan Lodi e Bruno Guimarães, além do treinador Tiago Nunes, para, ao término da temporada, evoluir no Brasileiro e conquistar a Copa Sul-Americana.

Seja dentro ou fora de campo, uma transição envolve muitas vertentes, o que demanda tempo, adaptação e maturação, algo que o futebol brasileiro não oferece. Muito por isso, jovens jogadores acabam estreando em contextos prejudiciais, dependendo única e exclusivamente de fatores psicológicos e estrutura pessoal para superar adversidades que possam encontrar. Para Bruno Prado, o meia-atacante Pedrinho, do Corinthians, muito pela falta de planejamento, ainda sofre com isso. “Pedrinho virou titular em um time que foi desmanchado e terminou o ano com o coletivo desestruturado. Mais uma vez, o garoto habilidoso virou esperança de um time. Existe, também, a questão física – ainda é um jogador que não mantém a mesma intensidade durante todo o jogo”.

David Neres foi vendido ao Ajax com menos de 6 meses no profissional | Foto: Ajax AFC
David Neres foi vendido ao Ajax com menos de 6 meses no profissional | Foto: Ajax AFC

No Brasil, grande parte dos jovens revelados são tratados meramente como produto. Pode haver resistência até que o atleta alcance certo nível de maturação, contudo, basta um ápice ou uma proposta acima da média para que o respaldo inexista. Grande exemplo disso é o São Paulo, clube que, ao lado do Santos, mais revela (bons) atletas, mas que não pensa duas vezes antes de negociá-los, tendo o puro intuito de gerar capital e pagar dívidas – longe de ser errado, desde que haja planejamento e coerência. Em 2016, o clube paulista viu, em David Neres e Luiz Araújo, a oportunidade da temporada, assim como viu, em Lucas Pratto, no ano de 2017, uma grande chance de terminar o ano no azul. Para 2019, os nomes da vez são Igor Liziero e Helinho.

Outro (constante e importante) problema quando a transição base-profissional é analisada é o perfil do atleta e a necessidade que o clube passa no momento. Inegável o protagonismo do Brasil ao formar craques para o cenário nacional. Muito por isso, independentemente de ser justo ou não, sendo por parte de dirigente ou torcedor, foca-se apenas na formação e valorização do jogador fora da curva. É necessário assumir que o jogador operário e comum, apesar de não ser como Romário ou Ronaldo, é de suma importância para a formação de um plantel. Bruno Prado ainda afirma que “a base deve servir para suprir carências do elenco profissional, e não para descobrir jogadores como Neymar”, visto que “a busca por um novo gênio atrapalha o menino que mostra algum talento”.

Acima do campo e da bola, existem outros fatores que compõem o futebol como um todo. Por não ser trabalhado e estudado nos menores polos ou mesas redondas, é entendível que o torcedor preze unicamente pelo que vê no gramado. Ainda assim, o futebol evolui a cada dia e essas vertentes vêm ganhando cada vez mais espaço nas análises. Para Caio Gondo, apenas os jogadores acima da média conseguem superar esses temas tão subestimados. “O jogador de futebol é composto, sim, pela parte técnica, porém também é formado pela parte física, psicológica e tática. Somente as exceções conseguem subir rapidamente ao profissional e ficarem por lá antes do tempo normal. A gigantesca maioria precisa de tempo, rodagem, jogos, treinos e todo o cenário de pressão, do dia-a-dia, de diferentes profissionais e de diferentes situações no campo as quais irão formar aquele atleta para poder chegar pronto no profissional”, afirma o treinador.

Além disso, um setor que vem crescendo a cada ano é o da análise de desempenho. Com cada vez mais equipamentos e profissionais preparados, o scouting, como é chamado, vem trabalhando ainda mais com atletas da base.

“O setor de análise é muito ao jogador da base a curto prazo quanto à análise do adversário, mas é ainda mais útil, a médio e a longo prazo, na formação daquele atleta quanto a visualização e explicações dos porquês. Com os mais diversos recursos visuais, os jogadores passam a entender mais fácil e rapidamente o que lhe é pedido pelos técnicos e, ainda, passam a realizar movimentos e ações das quais são realizadas pela maioria dos técnicos e, assim, facilitando e acelerando o processo tático dos jogadores dentro de qualquer contexto em campo. O setor de análise de desempenho faz com que o técnico tenha ainda mais facilidade em passar o que é pedido aos seus jogadores”, explica Caio.

Lulinha, uma das grandes promessas do futebol brasileiro | Foto: Corinthians
Lulinha, uma das grandes promessas do futebol brasileiro | Foto: Corinthians

Sonhar não é crime, por mais utópico que seja. A complexidade ao, por exemplo, buscar uma identidade de jogo desde as categorias de base existe, mas precisa ser estudada e planejada. Acima da disputa entre vencer x formar, é preciso ter a consciência de que a base sempre, em qualquer lugar do mundo, será a solução. Enquanto continuarmos tratando transições de forma irresponsável e desvalorizarmos a paciência da maturação, capítulos como os de Lulinha, Jean Chera, Keirrison, Piazon e Tiago Luís seguirão frequentes. A base vive, e merece ser respeitada.

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