As promessas e os desafios do futebol romeno

A Romênia revelou para o futebol o grande Gheorghe Hagi, líder da famosa geração dos anos 90. Entretanto, mesmo sendo competitivo no passado, o futebol romeno encarou muitas dificuldades para manter uma safra. Será que essa nova geração pode ser a salvação da lavoura?

O futebol romeno guardou doces lembranças na memória dos apaixonados por futebol. Com grandes seleções nos anos 1970 e 1990, a Romênia competiu bem especialmente sob a batuta do eterno capitão — e herói nacional — Gheorghe Hagi. Além do camisa 10, fizeram sucesso o lateral Dan Petrescu, o zagueiro Gica Popescu e o meia Ioan Lupescu da mesma geração; o ponta (e posteriormente treinador) Mircea Lucescu na década de 1970 e mais recentemente o zagueiro Christian Chivu e meia-atacante Adrian Mutu.

Apesar de ter torcedores fanáticos pelo esporte e por ter revelado uma das maiores estrelas do século passado, a Romênia passa longe de ser um país fácil para se trabalhar com o futebol. As dificuldades do estado, que viveu sobre uma ditadura de 30 anos, culminaram no empobrecimento da população e na escalada da corrupção.

Vários clubes tradicionais passaram por problemas financeiros, foram rebaixados e depois deixaram de existir, como Politehnica Timisoara e FC Rapid Bucaresti, por exemplo. O maior clube da Romênia, o Steaua Bucareste, não pode ser chamado por esse nome por conta dos direitos autoriais presos às Forças Armadas, que administrava o clube durante o jugo comunista. O clube, que se tornou independente em 1998, nove anos após a Revolução Romena, é nomeado apenas como FCSB e com escudo e uniformes diferentes.

Uma seleção que chamou tanta a atenção no passado, e que não disputa uma Copa do Mundo desde 1998, não vê uma geração consistente no retrovisor há muito tempo. Os clubes, que muitas vezes são geridos por milionários egocêntricos, estão mais preocupados com caprichos do que no desenvolvimento do futebol local.

Entretanto, ao contrário de várias lendas do futebol, Gheorghe Hagi não virou as costas para a necessidade mais básica do futebol romeno: as categorias de base. A Gheorghe Hagi Football Academy, fundada em 2009 na cidade de Constanta, custou mais de 10 milhões de euros e é considerada a mais moderna do sudoeste europeu.

Posteriormente, Hagi firmou uma parceria com o Vittorul, da mesma cidade, para que a academia servisse de clínica primária para os jogadores. O time de Constanta obteve o acesso à primeira divisão em 2012 e fora campeão romeno em 2018/19, tendo revelado bons prospectos. Um deles, no caso, é justamente o filho do homem: Ianis Hagi.

Com 22 anos e atualmente defendendo as cores do Rangers-ESC, o “Hagizinho” começou na academia do pai, passou pela Fiorentina no Primavera (onde não se adaptou) e depois retornou à Romênia, onde liderou o Vittorul ao título. Ianis chegou a fazer 19 partidas pelo Genk, da Bélgica, que o comprou em 2019, porém, foi com Steven Gerrard, em Glasgow, que o extremo romeno teve melhores resultados e desempenhos – e por fim comprado em definitivo em 2020.

A expectativa por conta do nome Hagi foi anabolizada pela incrível campanha da seleção sub-21 na Eurocopa em 2019. Liderados por Ianis, a Romênia terminou em primeiro lugar do Grupo C a frente de França, Inglaterra e Croácia. Na semifinal, os tricolores dos Cárpatos acabaram caindo perante a Alemanha, que terminou como vice-campeã, por 4×2.

Órfãos de grandes resultados, o terceiro lugar na Euro Sub-21 reavivou os ânimos dos romenos. Entretanto, daquele time apenas Ianis Hagi e Dennis Man conseguiram dar um salto importante na carreira. Man, inclusive, trocou o FCSB pelo Parma com um certo atraso. O ponta de 22 anos foi por quatro temporadas a grande atração da Liga 1 mesmo com o gigante de Bucareste falhando em competir.

Com exceção de Vittorul, FCSB e Dínamo Bucareste, pouquíssimos clubes investem com convicção na formação dos atletas. Muitas das equipes que disputam a elite do campeonato romeno possuem média de idade alta. O atual tricampeão, o CFR Cluj, tem uma equipe titular cuja média de idade é de 30 anos, mesmo tendo em seu elenco o promissor meio-campista de 21 anos Catalin Itu, que já faz parte da seleção sub-21 do país, e que fora revelado pelo Vittorul.

Itu não fizera parte da Romênia que desempenhou um grande papel na última Euro da categoria, porém, existem outros que participaram daquela campanha e que são revelados pelo time de Gheorghe Hagi: Tomas Baluta (já estava no Brighton durante a competição), Dragos Nedelcu (estava no FCSB), Alexandru Cicaldau (estava no U Craiova) e Florin Coman (já estava no FCSB). Esses nomes ainda não explodiram, mas mostra como a academia do Hagi/Vittorul tornou-se importante.

O principal motivo citado por especialistas em desenvolvimento futebolístico para a estagnação dessa geração é o condicionamento físico. Inclusive, a federação romena de futebol sabe que a fisicalidade é um empecilho, sobretudo pela dificuldade em criar uma atmosfera que permita desenvolver apropriadamente os jovens atletas.

Entretanto, mesmo com as barreiras culturais, financeiras – agravada pela pandemia – e estruturais, é possível perceber uma mudança grande no maior clube do país, o Steaua. O FCSB, finalmente, está disputando a parte de cima da tabela com ferocidade e muito graças aos jovens que foram promovidos à equipe principal.

Com um time titular cuja média de idade é de 23 anos, a equipe vermelha e azul já apostava em pratas da casa antes mesmo de ser assolada pelos problemas financeiros ocasionados pela pandemia. Sempre envolto em polêmicas, o dono George “Gigi” Becali começou a investir com afinco na formação dos atletas do clube.

O campeão da Liga dos Campeões de 1986, contra o Barcelona nos pênaltis, tinha como uma das grandes figuras uma joia formada na base, o líbero Miodrag Belodedici. Hoje, a principal aposta do Steaua e quiçá da Romênia atua mais à frente.

Octavian Popescu, 18 anos, tem apenas 17 partidas como profissional com a camisa vermelha e azul de Bucareste, porém, o ponta é considerado a grande revelação da Liga 1 e um dos principais criadores de jogadas da equipe que, momentaneamente, ocupa a primeira posição da tabela.

Popescu é um nome muito comum na Romênia, tanto que no próprio FCSB, você encontra outro jogador com esse sobrenome na equipe titular. Octavian era preparado para ser o substituto de Dennis Man, que partiu para a Itália nessa janela de transferências, e era o grande ídolo da torcida. Os dois chegaram a jogar juntos algumas partidas antes de Man se transferir para o Parma.

Apesar de pouca idade e pouca rodagem, o garoto já tem 12 partidas como titular da equipe, tendo anotado um gol e dado três assistências. O começo de 2021 tem sido muito prolifico para o atleta, que demonstra mais naturalidade no último terço do gramado e que tem arrancado muitos elogios da carrancuda mídia romana.

O ponta pode atuar tanto pela esquerda quanto pela direita. Popescu é destro e pode ser um extremo-invertido muito efetivo, pois tem bom chute de média distância e não tem medo de arriscar de fora da área. Aliás, Octavian é muito veloz e excelente driblador, mas difere dos pontas mais comuns por gostar de ir para dentro da grande área, quase como um atacante, e por ter um domínio orientado impressionante.

Ao contrário da maioria dos jogadores revelados no futebol local, Popescu parece estar maduro fisicamente. Com apenas 18 anos, ele mede 1,78m de altura e, apesar de ser magro, é muito combativo na recuperação da posse de bola.

Adicione aos elementos já citados a capacidade criativa de Popescu, que apesar das três assistências computadas, criou uma barbaridade de jogadas ofensivas, algumas vezes até como um armador pelo centro. Pode ser muito cedo e já temos exemplos no próprio Steaua de jogadores que prometiam muito e que estagnaram, como Florin Coman, por exemplo. No entanto, nesse momento Octavian demonstra gestos importantes e instigadores para liderar uma nova safra de jogadores romenos.

Um pouco do hype sobre o nome de Popescu é pelo fato de ele ser revelado e criado numa equipe do país. Entretanto, pelas mazelas e dificuldades já abordadas, muitos empresários romenos têm levado jovens para clubes de outros países. Algumas das maiores promessas dessa geração sub-20 estão atuando em clubes ingleses e italianos.

Catalin Cirjan, 18 anos, chegou ao Arsenal em 2019 do Vittorul Domnesti, clube da cidade natal do garoto. Meio-campista extremamente criativo, que já chegou a ser comparado à Mesut Ozil, Cirjan é acompanhado de perto pela torcida dos Gunners, que agora vê o romeno atuando mais centralizado na equipe sub-23, onde de fato desempenha melhor do que na ponta, mesmo sendo um driblador nato. Ele não é um jogador muito ágil, porém, sua percepção de espaço e tempo faz com que seja um passador brilhante.

Catalin Cirjan pertence a uma geração muito boa no Arsenal e provavelmente é o meio-campista mais habilidoso na base do clube londrino. Foto: Reprodução.

Recentemente, Cirjan foi elevado a equipe principal por Mikel Arteta para treinar entre os profissionais. A adaptação ao jogo mais físico da Premier League é uma batalha feroz e talvez por isso o romeno não tenha conseguido minutos no alto escalação da Inglaterra.

No entanto, a grande meca para os jovens romenos promissores é a Itália. Nada mais nada menos que quatro jogadores com potencial reconhecido, e de quatro posições diferentes, estão atuando por quatro equipes italianas distintas.

O mais famoso deles é Radu Dragusin, zagueiro da Juventus, de apenas 19 anos. Desde 2018 no sub-19 na Vecchia Signora, o defensor de 1,91m se destaca pela imposição física na marcação e pela qualidade técnica para iniciar jogadas pelo chão na saída de bola. Tanto que Dragusin já atuou como volante em algumas partidas pela equipe no Campionato Primavera e atualmente se firma como zagueiro central na equipe sub-23, que disputa a Série C.

Dragusin é muito bem avaliado na Europa e o contrato com a equipe italiana está acabando. Ao que tudo indica, ele deve permanecer na Juventus, mas Tottenham, Crystal Palace e RB Leipzig estavam monitorando a possiblidade de contratá-lo.

Vizinho de Radu Dragusin, mas vestindo as cores do rival, encontra-se Razvan Sava, 18 anos, goleiro do Torino. Titular absoluto da equipe sub-19 do lado grená de Turim, o arqueiro romeno se destaca pela altura (1,91m), velocidade na saída do gol e controle da pequena área.

Louis Monteanu, 18 anos, chegou à Fiorentina na metade de 2020 e já está fazendo barulho nas divisões inferiores da Viola. Criado na Hagi Academy, Monteanu chegou a ser alçado para a equipe principal do Vittorul no começo de 2020, mas devido a situação da equipe no campeonato ele pouco atuou.

Monteanu é centroavante e já marcou três gols pela Fiorentina no Primavera. Com 1,85m, o romeno é uma opção confiável para bolas longas e na realização do pivô, porém, mesmo não sendo tão técnico, o jovem é capaz de se virar bem fora da área e criar situações perigosas mesmo sem receber uma bola limpa para finalizar. O atacante já foi convocado para a seleção sub-21 da Romênia por Adrian Mutu.

Por fim, ainda na parte norte da Itália, está Iulius Marginean, 19 anos, volante defensivo do Sassuolo. Peça importante no meio-campo da equipe Neroverdi, o romeno de 1,90m é mais posicional e ocupa um espaço vital entre as linhas, já que o Sassuolo também atua no 4-3-3 na base. Marginean é uma arma fatal em bolas paradas, tanto em disputas aéreas como em cobranças de pênaltis, tem bom passe e aciona os pontas com bolas longas.

O contexto futebolístico na Romênia ainda é muito nebuloso. E comparar épocas diferentes é um erro crasso. Recuperar o prestígio de outrora é uma missão complicada e que deve ser feita com muito cuidado. Todavia, ainda é possível encontrar talentos numa terra fértil e apaixonada pelo esporte.

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