Como a neurociência explica a atitude dos jogadores

As críticas por atitudes de atletas e cobranças em cima de jovens jogadores é comum no meio do futebol; como a neurociência ajuda a explicar?

Você deve se lembrar de Neymar discutindo com Dorival Junior na época em que jogava no Santos, da ousadia quase inconsequente do camisa 11 quando estava com a bola no pé, das reclamações de torcedores e imprensa sobre a imaturidade do então jogador santista. Cristiano Ronaldo, ainda jovem no Manchester United, também era alvo constante de críticas por se olhar no telão, fazer firula com a bola e se comportar mais como um popstar do que como jogador.

Embora separados pelo período de tempo (um brilhava no início da década de 2000, outro no final), por milhares de quilômetros de distância e pelas consequentes diferenças culturais, os dois apresentavam comportamentos parecidos. Se pensarmos em outros jogadores que estrearam como profissional ainda muito novos, é bem provável que achemos outros casos de jovens “rebeldes”.

Há explicação para a semelhança de atitudes e a Neurociência se encarrega de vestir a camisa 10 e organizar o meio de campo.

Jogadores que se destacam nas categorias de base costumam ser integrados, a depender do clube, aos elencos profissionais mesmo com pouca idade. Apesar de toda a preparação física, alimentar, técnica e tática, há uma parte que é bem mais difícil de intervir: o desenvolvimento do cérebro.

O cérebro é extremamente complexo e muda de formas profundas conforme os anos passam. De quando ainda estamos sendo gestados aos primeiros 6 meses de vida, aproximadamente, o número de conexões (sinapses) feitas pelos nossos neurônios é enorme. Isso porque somos cercados de estímulos completamente novos e diversos, e precisamos nos adaptar para aprender infinitas coisas (distinguir cores, vozes, espaços, emitir sons…); para isso, os neurônios, que possuem prolongamentos estendidos por todas as partes do corpo (axônios), precisam se comunicar constantemente para captar os estímulos e encaminhá-los para as partes devidas do encéfalo*, onde serão identificados e processados.

*Encéfalo = conjunto de tudo que está dentro da caixa craniana. Comumente é resumido ao cérebro, mas esse é apenas um dos órgãos dentro da nossa cabeça e tem a companhia do cerebelo e do tronco encefálico. Falaremos sobre isso mais profundamente nos próximos textos, mas é importante saber que é central de comando do corpo e que cada parte exerce funções essenciais.

No final da infância, o cérebro já cresceu o quanto tinha que crescer e chegou ao seu tamanho final. O crescimento do órgão, porém, não significa que ele esteja pronto, muito pelo contrário. Depois da evolução de habilidades humanas importantes, como andar, enxergar, escutar, falar, entre muitas outras, o cérebro entra em outro modo de desenvolvimento.

Na adolescência, talvez a fase mais complicada da vida, o número de sinapses começa a diminuir drasticamente, visto que a quantidade não é mais tão importante, mas sim a qualidade. Nesse período, os neurônios em si e suas conexões passam por um refinamento que, consequentemente, produz alterações estruturais e químicas no cérebro que aprimoram o seu funcionamento. Certamente é um momento mais complicado do que enfrentar o Boca Juniors na Bombonera.

Assim como cada jogar em um time tem uma função e todos eles juntos precisam de tempo para criar entrosamento, o cérebro também é dividido em partes específicas que exercem determinadas funções e levam tempos diferentes para se aperfeiçoar.

O lobo frontal, onde estão localizadas estruturas (córtex pré-frontal e pré-motor) responsáveis pela nossa capacidade de planejamento, inibição de impulsos, empatia, pensamento abstrato, concentração, movimento de dedos, mão, braço, tronco, rosto, funções cognitivas e emotivas, programação e preparação dos movimentos e controle da postura, expressão verbal coerente, entre outras, é a última a se desenvolver por completo – em alguns casos pode avançar até os 30 anos ou mais. Essa especificidade do lobo frontal explica os comportamentos tidos como rebeldes, inconsequentes, impulsivos, incongruentes, exageradamente intensos… explica também os questionamentos às regras, porque é nessa fase que se o senso crítico começa a se aperfeiçoar, a melhora na precisão de movimentos e na coordenação motora.

Essas informações servem para entender alguns acontecimentos, não?

A cobrança pela maturidade de jogadores jovens tem que ser feita com cuidado, pois, muitas vezes, não passa pelo querer dos atletas, mas por não terem bases suficientes para conseguir. Eles estão em processo de aprendizado e construção dos comportamentos entendidos como próprios da vida adulta. Decerto que isso não significa passar pano para toda e qualquer atitude, mas é uma alerta sobre a necessidade de entender contextos. As críticas exacerbadas podem, inclusive, comprometer o desenvolvimento.

Considerando tudo isso, a presença de jogadores jovens nas equipes principais precisa ser trabalhada com cuidado e entendendo as especificidades da fase vivida. Mesmo que o corpo aparente estar “pronto” para o futebol de alto nível, o que acontece dentro da cabeça é diferente e não pode, de forma nenhuma, ser desconsiderado, porque que vai guiar o atleta na sua caminhada à excelência de desempenho, sendo que esse envolve cognição, inteligência emocional e outras habilidades além do aspecto físico.

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