Como o Vojvodismo transformou o Fortaleza em protagonista no futebol brasileiro?

O técnico argentino em pouco tempo de trabalho conseguiu gerar grande mobilização e resposta dos atletas, como resultado o Leão do Pici se mantém firme dentro do G-6 desde a primeira rodada da Série A

O técnico Juan Pablo Vojvoda desembarcou na capital cearense no dia 9 de maio, foi apresentado oficialmente na manhã seguinte e logo foi ao campo no CT Ribamar Bezerra (Pici) comandar o primeiro treino pelo Fortaleza juntamente com os demais membros da comissão técnica: os auxiliares Gastón Liendo e Nahuel Martínez, além do preparador físico Adrián Vaccarini. Não havia tempo a perder. Afinal, já tinha um jogo contra o Crato dois dias depois e um grande volume de informações a serem transmitidas aos jogadores e profissionais que assessoram o futebol.

Passados 75 dias do primeiro contato com os jogadores e tendo apenas “duas semanas cheias” para treinar neste período, o impacto do trabalho desenvolvido é extremamente positivo. O Fortaleza conquistou o título cearense diante do maior rival Ceará. Classificou-se às oitavas de final da Copa do Brasil com autoridade ao eliminar, novamente, o Ceará. E no Campeonato Brasileiro — atualmente — ocupa a terceira colocação, sendo a melhor campanha da história de um clube nordestino nas 12 rodadas iniciais.

Vojvoda x Rogério Ceni

O que invariavelmente faz o torcedor lembrar dos momentos em que o Fortaleza era treinado por Rogério Ceni. A comparação é praticamente inevitável de ser realizada. Afinal são treinadores que apresentam características individuais similares, pois no dia a dia, passam/passavam a maior parte do tempo no Pici, com poucas saídas e focado no desenvolvimento da equipe. E também pelos desempenhos e resultados alcançados nas competições nacionais.

E ao se realizar um levantamento estatístico, tendo como base os 10 jogos iniciais do Campeonato Brasileiro Série A e Série B, constatou-se que este recorte do trabalho de Vojvoda supera em todos os quesitos o desempenho do Fortaleza na primeira divisão sob o comando de Rogério Ceni. O ex-técnico do Leão do Pici leva vantagem apenas na temporada 2018, onde liderou de ponta a ponta a Série B e conquistou o título nacional.


A empolgação é natural por todos que consomem futebol, inclusive a minha, pois o nível de trabalho executado por Vojvoda é muito coeso e ainda tem margem de crescimento. E para entender como joga este Fortaleza que tem encantado o Brasil, elaborei uma análise que traz com detalhes: a escolha dos 11 iniciais, modelo de jogo, os comportamentos padrão em cada fase do jogo e os pormenores das movimentações.

Planificação do Fortaleza de Vojvoda

Mediante a busca de um jogo com ênfase na intensidade para melhorar o tempo de resposta aos problemas gerados pelo jogo, o técnico Vojvoda tem adotado uma política de rodar o elenco. Nas 19 partidas aos quais comandou o Leão do Pici ao longo do estadual, copa do brasil e brasileiro, utilizou 27 jogadores diferentes na escalação inicial. Apenas os goleiros Max Wallef e Kennedy, o zagueiro Jackson e o volante Pablo não foram utilizados.

E nessas quase duas dezenas de jogos, Vojvoda mandou a campo 18 escalações diferentes, seja por estratégia e adequação ao adversário, por necessidade de poupar jogadores ou por lesões. Ou seja, ao olhar os 11 iniciais do Fortaleza nestas partidas, constata-se que a escalação foi repetida apenas uma vez: nos jogos contra Flamengo e América-MG. E a repetição é justamente os atletas destacados na imagem abaixo. Os quais possuem maiores minutagem sob o comando do treinador argentino.

Campinho mostra quais jogadores Juan Pablo Vojvoda tem escalado com maior frequência no Fortaleza
Arte: Jonatan Cavalcante

Dessa forma, Vojvoda busca estruturar a equipe – de forma geral – no 3-4-1-2, mantendo um goleiro com excelente jogo com os pés; tendo três zagueiros com boa capacidade de passe e condução para auxiliar na construção ofensiva e também com força para se impor nos duelos defensivos; um volante com capacidade preponderante de articulação e o outro mais combativo e com ótima percepção para atacar espaços; um ala mais agressivo e de chegada na área e o outro com poder de articulação; o meia-atacante de ótima leitura e ocupação de espaço; e dois atacantes de mobilidade, força física, velocidade e que alternam entre atacar espaços e gerar apoios.

Marcação em bloco alto

Em organização defensiva, o Fortaleza busca dificultar a organização ofensiva do adversário desde a cobrança do tiro de meta. A equipe estrutura-se no 3-4-1-2 e busca por meio de “encaixes” individuais (no setor da bola), indução e pressão no portador da bola, forçar o erro do oponente. Um detalhe que chama a atenção ao pressionar em bloco alto, é o comportamento dos três jogadores de frente (os dois atacantes e o meia-atacante). Esses jogadores são responsáveis por impedir o jogo por dentro e direcionar o passe para o lado.

No vídeo abaixo, é possível identificar que os dois atacantes, na maioria das vezes, buscam pressionar o homem da bola partindo de dentro para fora. E somasse a este movimento a ação do meia-atacante de “encaixar” no volante adversário, que mais se aproxima para auxiliar na saída de bola, com o objetivo de impedir a circulação da bola por dentro, direcionar o jogo para o lado e forçar o erro.

Análise tática dos comportamentos defensivos do Fortaleza em bloco alto
Edição: KlipDraw

E quando o adversário joga essa bola para o lado, o Fortaleza rapidamente realiza “encaixes” individuais no setor da bola e mantém a pressão no homem da bola. E ao encurtar espaço e diminuir o tempo de tomada de decisão do adversário, gera-se uma zona de pressão que aumenta a imprecisão do passe e facilita a recuperação da posse. No entanto, há adversários que como antídoto têm buscado trocar essa bola de corredor para “quebrar” a pressão do Fortaleza. Mas Vojvoda busca neutralizar esta alternativa com um balanço rápido para o setor da bola.

A intensidade, a concentração e a rápida tomada de decisão, são elementos-chave no Fortaleza. E ao oscilar minimamente estes atributos, oferece ao adversário espaço e tempo para tomar a melhor decisão. O que pode causar danos irreversíveis. Como foi o jogo contra o Athletico, no qual a equipe sofreu dois gols em um intervalo curto de tempo e não conseguiu reverter o cenário adverso.

Marcação em bloco médio-baixo

Ao não conseguir recuperar a bola em bloco alto, o Fortaleza naturalmente vai baixando o bloco e se reorganizando para tentar retomar a posse. A equipe mantém a marcação pautada nos “encaixes” individuais. Por ser uma marcação que costumeiramente o defensor reage aos movimentos do atacante, as equipes que utilizam este tipo de marcação podem ser “manipuladas” e “conduzidas” para setores que o adversário ache interessante. Por isso, a comunicação passa a ser outro elemento-chave na marcação por “encaixes” individuais.

Uma vez que, a todo instante o adversário está em movimento para tentar causar uma desestrutura e os defensores têm que trocar de alvo algumas vezes durante os 90 minutos. E para não sofrer com a desestrutura defensiva a comunicação entre os jogadores para informar que vai “pegar” jogador x e o outro fica com y é de suma importância. No vídeo abaixo é possível identificar o momento em que o Lucas Crispim se comunica com Jussa e sinaliza a mudança de alvo.

Análise tática dos comportamentos defensivos do Fortaleza em bloco médio/baixo
Edição: KlipDraw

A plataforma utilizada segue a 3-4-1-2. Assim, os atacantes e o meia-atacante permanecem com as mesmas atribuições de fechar os espaços por dentro e direcionar o passe para os lados. Nota-se também que, a segunda linha de marcação formada pelos alas e volantes, busca uma ocupação de espaço mais equilibrada. Sendo assim, cria-se uma flexibilidade para que a equipe continue não permitindo o jogo pelo corredor central, ao mesmo passo que mantém uma abordagem agressiva no momento em que a bola for para o lado.

Os alas, por sinal, exercem um papel importante na contenção. Pois tem a responsabilidade de acompanhar o extremo adversário até o fim da jogada para evitar que ocorra situações em que o zagueiro esteja em desvantagem numérica (1×2). Já a linha com os três zagueiros é mais estreita, por ter como principal objetivo impedir as infiltrações do adversário e proteger a baliza. Não à toa, o Fortaleza não tomou gols em 11 jogos e é dono da melhor defesa do Brasileiro.

Recuperar e acelerar

Análise tática dos comportamentos do Fortaleza ao recuperar a posse de bola
Edição: KlipDraw

Desde a “Era Rogério Ceni” que o Fortaleza possui um elenco com características mais voltadas para um jogo mais vertical e de rápida conclusão. E essa virtude permanece na equipe, agora, treinada por Vojvoda. O Leão do Pici sente-se confortável em recuperar a bola, acelerar e concluir as jogadas através de ataques rápidos ou contra-ataques. A rápida mudança de comportamento, seguida de conduções para atrair e liberar espaços a serem infiltrados e poucas trocas de passe, são um comportamento muito frequente da equipe.

Mapa de recuperação de posse de bola do Fortaleza no Campeonato Brasileiro 2021
Dados: Footure Pro

No mapa acima, produzido pelo Footure Pro, é possível identificar as zonas em que o Fortaleza mais recupera a posse de bola. As zonas com as cores mais fortes, correspondem a maior taxa de recuperação. O mapa está subdivido em seis faixas. Mas ao juntarmos duas faixas temos a composição em terços do campo. A faixa central (segundo terço) é a região onde o Fortaleza mais recupera a posse de bola com 47%. E tudo isso está conectado com o tipo de marcação e faixa de campo a qual é ocupada na média geral.

Por ser uma equipe que pressiona bastante, induz o adversário a alongar a bola e se posiciona na maior parte do jogo em bloco médio, os zagueiros juntamente ao volante (Éderson) se impõem fisicamente e vencem os duelos de 1º e 2º bola nesta zona do segundo terço do campo. E com a retomada, já busca acelerar e concluir a jogada.

Organização ofensiva

Se não consegue realizar um ataque rápido ao recuperar a posse, o Fortaleza busca reter a bola e se organizar através de um ataque posicional. Na primeira fase de construção realiza uma saída de 3 com algumas variações: utilização do goleiro, os três zagueiros ou com a inserção de um volante.

A saída de bola com três jogadores pode ocorrer com o goleiro se juntado aos dois zagueiros. E com isso, o zagueiro da direita (Tinga) avança para uma zona mais alta do campo. Geralmente, Felipe Alves, é acionado em zonas mais próxima a própria baliza. Aqui o objetivo é atrair o adversário para o próprio campo e gerar espaços a serem explorados entre as linhas ou na profundidade. Os lançamentos longos em diagonal de Felipe Alves são um artifício utilizado.

A outra forma de realizar uma saída de 3, é utilizando os três zagueiros com a aproximação de um dos volantes (3+1) por dentro e nas costas da primeira linha de marcação adversária. Essa variação ocorre com maior frequência em relação as demais e em uma zona mais próxima do círculo central. Os zagueiros têm liberdade para conduzir, atrair o oponente e liberar alguém para receber o passe. Tinga e Titi são os zagueiros que mais conduzem e realizam passes nas costas da primeira ou segunda linha adversária e até mesmo nas costas da última linha.

E por último, o time treinado por Vojvoda, insere o volante ao alinhá-lo com os zagueiros para promover a saída de 3. Felipe por apresentar ótima capacidade de articulação se junta aos zagueiros Titi e Benevenuto pelos lados – podendo ser no lado direito ou esquerdo – e faz com que Tinga (zagueiro da direita) avance para uma zona intermediária do campo em amplitude.

Análise tática dos comportamentos do Fortaleza em organização ofensiva
Edição: KlipDraw

Instalando-se no campo ofensivo, o Fortaleza de Vojvoda possui alguns padrões de comportamentos. Por exemplo, no instante que Felipe se alinha aos zagueiros, Tinga avança e fica aberto em amplitude e com isso o ala se junta aos atacantes para gerar superioridade por dentro. Outro padrão de comportamento é o movimento em diagonal de dentro para fora em direção a profundidade realizado pelo volante. Geralmente, Éderson e Jussa, que possuem características de agressividade e ataque ao espaço, é que são os responsáveis por esta dinâmica.

A alternância entre apoios frontais e ataques a profundidade dos atacantes também são movimentos frequentemente repetidos nesse Fortaleza. David e Robson realizam uma sincroniza de movimentos muito bem estabelecida com os alas. Existe uma frenética troca de posições entre eles. E quando um atacante ocupa a amplitude, o ala vem por dentro e ocupa o meio-espaço e vice-versa.

Os alas, por sinal, são uma posição-chave nesse Fortaleza. Além das obrigações defensivas que já foi tema abordado acima, os atletas que realizam esta função participam do processo criativo. Neste momento, alternam com os atacantes entre ocupar a amplitude ou o meio-espaço – zona situada entre o zagueiro e o lateral adversário. E buscam através das tabelas e sucesso no duelo individual gerar espaços.

Na fase de finalização, o Fortaleza busca ter ao menos 3 jogadores dentro da grande área para finalizar. E mais uma vez os alas são importante. Porque no momento de concluir as jogadas, os alas invariavelmente pisam na área. E ao olhar a artilharia do Fortaleza sob o comando de Vojvoda, dos 44 gols marcados, 20% foram anotados pelos alas. Um número muito significativo.

Artilheiros na “Era Vojvoda”

  • David -> 7 gols
  • Robson -> 6 gols
  • Yago Pikachu e Wellington Paulista -> 5 gols
  • Lucas Crispim -> 4 gols

Arremesso lateral

Análise tática dos comportamentos do Fortaleza nos arremessos laterais
Edição: KlipDraw

A bola parada também tem tido uma atenção especial com Vojvoda. Principalmente as cobranças de lateral. Por ser uma equipe que possui como característica preponderante a busca pela aceleração, os arremessos manuais também são condicionados para reproduzir este tipo de comportamento.

O Fortaleza utiliza de maneira efetiva a participação de 3 jogadores próximos a jogada (atacantes e o meia-atacante ou volante) e um outro no lado oposto para dar largura e ser uma opção de retirar a bola da zona de pressão e finalizar a jogada.

A cobrança é sempre direcionada ao atacante com maior capacidade de sustentar o embate físico com os defensores. O meia-atacante fica próximo para disputar a 2° bola. E o outro atacante se divide em dar profundidade e ser uma opção de apoio ao ter o domínio da posse. Uma vez tendo a bola, o Leão do Pici já tem como iniciativa acelerar para aproveitar a desestrutura defensiva do adversário com poucos toques até a finalização.

O Vojvodismo está em alta no futebol brasileiro. E por tudo que vem apresentando em termos de desempenho e resultado, não parece ser algo efêmero. É um estilo de jogo que veio para marcar uma época.

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