FIM DA LINHA?
Por @vinii_sfc Existe tempo certo para demissão de um treinador? Confesso para vocês que considero uma tarefa de grande responsabilidade responder a esta pergunta aqui no Footure. É um tema extremamente complexo, com várias frentes e argumentações delicadas, pois os cenários nem sempre se repetem de um clube para o outro, de um centro de futebol […]
Por @vinii_sfc
Existe tempo certo para demissão de um treinador? Confesso para vocês que considero uma tarefa de grande responsabilidade responder a esta pergunta aqui no Footure. É um tema extremamente complexo, com várias frentes e argumentações delicadas, pois os cenários nem sempre se repetem de um clube para o outro, de um centro de futebol para outro. A tarefa não é fácil, mas aceitei, porque acredito que esse debate é importante e, como um torcedor do Santos, que viveu há pouco a demissão de um treinador que tinha tudo para permanecer no cargo por muitos anos, é bastante oportuno, além de interessante e motivador.
Inicio o texto fazendo a seguinte pergunta ao leitor: para você, o que é um trabalho de um treinador de futebol e o que define se ele é bom ou ruim? Quem realmente mergulha nos estudos do jogo e não se debruça no reducionismo, provavelmente concorda que o trabalho de um treinador transcende o campo, certo? Não se restringe a escalar e substituir, mas sim um conjunto de tarefas para o clube dentro e fora de campo. Existem diversos exemplos por aí, mas como santista irei utilizar o de Dorival Júnior para ingressar na pauta.
Em julho de 2015 o Santos acertou a volta do treinador para o clube e isso gerou uma série de criticas e elogios, pois o Dorival não era unanimidade entre torcedores, ainda que tivesse feito um grande trabalho em 2010. Dorival chegou com a dura missão de fazer o Santos voltar a produzir um bom futebol, pois naquele instante vinha de seguidas derrotas e o time não tinha a menor organização coletiva em campo. Em poucos dias o novo técnico reorganizou seus comandados e a equipe reencontrou as vitórias. Semanas depois o time já figurava entre os melhores do país, com um futebol vertical e rápido, que punia qualquer erro do adversário. Mas ainda não é dessa questão que gostaria de falar.
Fora de campo, o Santos sofria com atrasos de salários e penava com o pouco poderio financeiro para contratar. A estrutura era crua, o time estava parado no tempo e sua diretoria pouco fazia para melhorar a situação. Com o Dorival a coisa começou a ficar diferente. Ao chegar no clube, o treinador cobrou a melhoria do setor de análise de desempenho – o que já deveria ter sido realizado há anos. Cobrava melhoria diária da estrutura do clube. Segundo divulgado em um estudo acadêmico produzido por um jornalista que cobre o clube, Dorival chegou a tirar do próprio bolso para consertar o motor do portão do CT (e isso, honestamente, eu tenho vergonha de escrever aqui). Fica bem evidenciado o quão bom era seu trabalho dentro e fora de campo.
2016 era um ano de expectativas altas para o clube. Dorival teve toda a pré-temporada para trabalhar, o time respondia em campo e logo alcançou o título de campeão Paulista (não que seja realmente relevante, mas a conquista veio). A expectativa era de brigar pela liderança no Brasileiro, mas com as lesões iniciais e as convocações para os Jogos Olímpicos, tudo se esfriou. Foi complicado: não tínhamos elenco e a situação não era das melhores, mas Dorival trabalhou quieto e o prêmio foi a vice-liderança do Brasileirão, com um orçamento bem abaixo dos demais. O ponto fora da curva foi a eliminação na Copa do Brasil para Internacional, quando o técnico recebeu uma enxurrada de críticas que pressionaram ainda mais seu trabalho.
Em 2017 a situação era de euforia. O Santos fizera boas contratações, teve mais uma pré-temporada sob comando do treinador, mas o clube parecia não estar seguindo na mesma toada. Novos atrasos de premiações e insatisfações de atletas marcaram o primeiro semestre. Era complicado manter a intensidade em campo sabendo que a direção não atuava com a mesma velocidade, mas o Dorival trabalhou… E o time não respondeu. Iniciou-se então toda crise que culminou com a demissão do treinador. Ainda que a troca de comando tenha me incomodado, é preciso admitir que sua gestão já era falha. Jogadores em má fase eram mantidos em campo. Vitor Bueno mal conseguia andar em campo e seu reserva estava entrando muito bem nas partidas, mas o Dorival optou por dar ao titular um suporte exagerado, comprometendo sua imagem com o grupo. Mudanças eram necessárias, mas o Dorival não quis e o time teve desempenhos ridículos no primeiro semestre. Na Libertadores a equipe permanecia invicta, mas o rendimento não era bom e a torcida já não gostava do que via em campo. E todas as mudanças estruturais que ele fez? Pouco contou na balança que avaliou seu trabalho. O torcedor não quer saber disso. E o legado de bons anos de trabalho? Não entra na conta, porque o que importa é agora.
Se os mesmos fatos tivessem ocorridos em algum clube europeu, certamente Dorival seria mantido no cargo, porque lá há estabilidade. Para os dirigentes e torcedores, o resultadismo, no fim das contas, é quem dá as cartas. É vencer ou vencer. Não importa o que você faça fora de campo e o quão ídolo você seja do clube, você tem que empilhar vitórias. E se não vencer, você é ruim. O consenso é esse. Não deveria, mas é.
E respondendo a pergunta inicial: não acho que exista tempo certo para demissão de um treinador. Tudo é baseado na sua convicção sobre ele. Se você tem, é possível manter o profissional no cargo mesmo nas piores tempestades. Sem convicção não é possível oferecer ao técnico segurança. Por aqui a convicção é um sonho distante. A analise é condicionado de forma errada, porque se baseia apenas nos resultados de campo, fechando os olhos para o que acontece fora dele. O trabalho é dimensionado por vitórias ou derrotas, o que considero um erro grave. Há claros exemplos na Europa de que a convicção no trabalho do comandante traz grande retorno ao clube. O ideal é que isso fosse o padrão para o futebol brasileiro, mas hoje não passa de um sonho. A dificuldade em profissionalizar um clube é o principal demonstrativo de que a realidade europeia não chegará tão cedo. Seguimos remando contra a maré. Infelizmente.
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