A geração holandesa que busca acabar com a maldição do país

Nascidos em 2002, vamos conhecer a geração holandesa que busca acabar com a falta de títulos dos países baixos

Há muito tempo o brasileiro tem uma relação estreita com o futebol holandês. Muito se deve ao carrossel de Cruyff e Michels, mas as passagens de Ronaldo e Romário pelo futebol local e, claro, pelos enfrentamentos entre as seleções nas Copas do Mundo também contribuíram bastante para essa relação e admiração mútua.

No entanto, quando se fala de futebol holandês, apesar do sucesso de suas equipes na Champions League em outras épocas, a palavra “fracasso” geralmente costuma acompanhá-lo. O próprio Carrossel Holandês suscita questionamentos devido ao vice-campeonato em 1974, quando foi sobrepujado pela pragmática Alemanha, e seguidamente contra a Argentina, em 1978, mesmo sem Cruyff. O vice, em 2010, contra a Espanha, é o outro lado da moeda, já que a equipe era comanda por Bert van Marwijk, que é de uma escola completamente diferente dos outros dois vices.

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Apesar de ser um país pequeno, a contribuição do futebol holandês para o mundo da bola é gigantesca. Você tem um Futebol Total de Rinus Michels, a consagração do 3-4-3 de Louis Van Gaal, o “cruyffismo”, o equilíbrio de Ronald Koeman e, atualmente, a mistura de estilos de Erik Ten Hag.

No entanto, o principal produto, independente da filosofia, segue sendo o jogador. Mesmo em tempos quando a seleção nacional colecionava tropeços, como não classificar para uma Copa do Mundo ou Euro, a Holanda tinha ao menos dois ou três jogadores de alto nível. Atualmente, a Holanda tem aparecido com mais força no cenário europeu. A bela campanha na Nations League, onde caiu para Portugal na final, mostra uma entressafra que já é cotada como uma das melhores no primeiro nível do futebol. Nomes como Virgil Van Dijk, Daley Blind, Memphis Depay, Mathijs De Ligt, Frenkie De Jong e Giorginio Wijnaldun são os mais conhecidos, porém, nomes ainda há nomes de menor reputação, mas que são reconhecidos pelo público, como Stefan Bergwijn, Calvin Stengs e Myron Boadu, sendo esse último nascido em 2001.

Seria essa a geração responsável por terminar com a maldição que assola os Países Baixos? Apesar de o futebol ser extremamente imprevisível, é improvável que seja justamente a entressafra holandesa a grande salvadora. Por mais que conte com nomes de grande qualidade, os “ovos de ouro” estão numa categoria bem abaixo, mas que já chama a atenção de quem acompanha o futebol de base: a geração 02.

Talvez o Brasil seja o único país capaz de bater de frente com a Holanda nessa categoria. Por mais que os holandeses tenham ficado com o quarto lugar no Mundial Sub-17, vencido pela seleção em terras brasilis, em 2019, a Laranja coleciona títulos e desempenhos incríveis no campeonato europeu da mesma categoria. Lesões atrapalharam o funcionamento da Holanda no Mundial aqui no Brasil, já que ela veio com status de favorita, apesar do calor. O bicampeonato conquistado em 2018 e 2019 credencia essa geração de jogadores nascidos em 2002, que hoje tem entre 17 e 18 anos, a um lugar muito especial no futebol.

Geração Holandesa
A Holanda atropelou seus adversários no último Campeonato Europeu Sub-17 e com direito a um 4×2 na bela seleção italiana na final. Foto: Uefa

O grande exemplo, e detentor da maior quantidade de nomes em convocações das seleções sub-15 e sub-17 holandesas, é o Ajax. O sucesso da equipe na temporada retrasada, quando chegou às semifinais da Champions League, reacendeu a curiosidade de muita gente. A combinação de futebol envolvente com jogadores jovens é sempre um atrativo. A campanha na temporada de 2018/19 é o resultado de um trabalho que está sendo desenvolvido desde a retomada do clube as glorias no cenário nacional, onde foi tetracampeão no começo do século.

O clube de Amsterdã é uma das equipes europeias que mais utiliza o futebol de salão para captar jogadores para suas equipes infantis. A principal promessa do clube, hoje, é Naci Ünüvar, nascido em 2003, mas que atua na categoria dos nascidos em 2002. Ele foi descoberto num torneio de futsal patrocinado pelo clube. Sontje Hansen, artilheiro do último Mundial Sub-17, também veio oriundo de um torneio 7×7, por exemplo. Ter uma filosofia, que hoje é atribuída ao “cruyffismo”, ajuda nos valores do atleta, porém, não é exatamente isso que faz a roda girar em “De Toekomst” (“O Futuro”, em holandês, nome da academia do Ajax).

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O clube parte do preceito de que todo jogador tem que ser capaz de construir o jogo. Seja a partir da defesa, seja após a recuperação da bola no campo de ataque. Por isso, é muito comum hoje um garoto que joga no ataque ser recuado para funções defensivas do que o contrário. De Ligt, hoje na Juventus, era volante no infantil. O drible é muito importante, quase que uma ordem na avaliação de atletas pelo clube. De Jong, hoje no Barcelona, foi pinçado no Willem II, onde era atacante, e virou “volante” (até zagueiro no Jong Ajax).

Saber respeitar as qualidades individuais do jogador é outro grande trunfo na formação de atletas pelo Ajax. A desenvoltura na troca de passes ou no drible funciona melhor quando ela é feita a partir da naturalidade. Nem sempre é um processo tático-técnico, mas uma identificação do que o jogador pode fazer e onde fazer. E por isso o clube gasta e aposta muito na formação dos próprios treinadores, que são os melhores das categorias no futebol europeu.

Outro clube que cede atletas para a seleção holandesa é o AZ Alkmaar, que atualmente é considerada a segunda melhor academia na Holanda, superando PSV e Feyenoord, que possuem maior tradição e condições financeiras. Não a toa que por muito pouco o time de Alkmaar quase foi campeão da Eredivisie nesta temporada, tendo, inclusive, momentos melhores que o próprio Ajax, que liderava a competição antes da paralisação pelo coronavírus. O trio Koopmeiners, Stengs e Boadu foram produzidos exclusivamente na academia do clube.

O processo de formação do AZ é bem interessante, sobretudo pelo envolvimento tecnológico na avaliação de jogadores. O clube é adepto da analise de dados e objetividade desde as categorias mais inferiores do clube, criando assim jogadores modelados e extremamente competitivos. Teun Koopmeiners, capitão da equipe, é um excelente exemplo disso. Ele é volante e zagueiro, sua função muda conforme o sistema adotado pelo treinador e pelo plano tático em relação ao adversário. Owen Wijndal, lateral esquerdo, é um dos jogadores que menos erra e que melhor aproveita suas qualidades, que são sempre monitoradas.

O apreço pela tecnologia por parte do AZ Alkmaar, que hoje dá frutos à equipe, foi elevado a um novo patamar quando Billie Beane, famoso pelo filme “Moneyball”, foi contratado pelo clube para gerir o departamento de análise do clube. Tudo é feito de maneira substancial e objetiva, visando sempre abastecer o clube, que não tem condições financeiras de competir com os rivais holandeses.

PSV e Feyenoord seguem revelando bons jogadores, porém, em menor escala e em menor qualidade que Ajax e AZ, que definiram suas diretrizes lá atrás. Aliás, o grande rival do Ajax, o Feyenoord, passa por uma gigantesca crise de identidade, que inclusive afeta as categorias de base do clube que revelou Robie Van Persie. Grandes promessas do time de Roterdã já largaram a equipe e rumaram para os rivais de Amsterdã e Alkmaar.

Quem são os nomes da nova geração holandesa?

Exclusivamente falando em nascidos em 2002, o jogador dessa geração mais preparado no momento é Mohamed Ihattaren, do PSV, que é meia-ofensivo e já é titular da equipe principal. Canhoto e extremamente técnico, Ihattaren tem descendência marroquina e sua escolha pela Holanda foi aguardada ansiosamente, já que ele foi um dos principais destaques do título holandês no campeonato europeu sub-17 de 2018. Além da técnica, Ihattaren se destaca pela movimentação e visão de jogo. O menino de Utrecht é um exímio batedor de faltas.

Ihattaren participou de 34 jogos na última temporada pelo PSV, quando marcou 9 gols e deu 9 assistências. Foto: DR

Um pouco atrás, mas muito pela sequência que não teve até o momento na equipe principal do Ajax está Ryan Gravenberch. Em termos técnicos, ele e Ihattaren se igualam apesar do menino de Amsterdã jogar um pouco mais recuado, como segundo volante. Eles formaram uma dupla gloriosa na caminhada holandesa até o título em 2018. Com excelente controle de bola e passes ousados, Gravenberch também é um ótimo driblador. Nas poucas oportunidades que teve com Erik Ten Hag na temporada passada, Ryan atuou como segundo homem de meio no 4-3-3, muitas vezes buscando o jogo na defesa e carregando a bola até o ataque. Gravenberch pode ser muito perigoso jogando próximo ao ataque, porque ele também é muito alto (1,90m) e rápido, sendo uma ameaça no 1×1.

Comparado a Paul Pogba, Ryan Gravenberch ainda não teve uma sequência entre os profissionais, porém, seu nome é sempre falado no Ajax. Foto: vbetnews

Presente nas duas últimas conquistas holandesas, Brian Brobbey é uma das joias que o torcedor do Ajax anseia em ver na equipe principal. Desde 2010 no clube, Brobbey é um dos melhores exemplos de aprimoramento e evolução gradual no futebol holandês. Taxado muito por preconceituosos como apenas um centroavante de força, o jovem Ajacied prova que é um dos melhores dessa geração pela capacidade tática e técnica. Brobbey consegue atuar nas três posições do ataque, além de ser um excelente leitor de espaços. Seu faro de gol é consequência da boa técnica e da ótima utilização do corpo tanto para receber e girar quanto para se desvencilhar da marcação. Com 1,80m de altura, Brobbey é letal, extremamente difícil de marcar e fez falta ao elenco holandês no Mundial Sub-17 no Brasil, quando se lesionou.

Apesar da crise no clube, o Feyenoord possui um jogador interessante e que é presença constante nas convocações holandesas. Trata-se de Naoufal Bannis, que foi formado no ADO Den Haag, e contratado em 2016 pelo time de Roterdã. Com nacionalidade marroquina, ainda não se sabe a opção que tomará, mas Bannis é um centroavante muito bem avaliado. Inteligente e frio, o jovem do Feyenoord também é capaz de atuar pelas extremidades do ataque. Com 1,84m, Bannis – apesar de ser melhor pelo chão – também é um bom cabeceador. Ele e Brobbey costumam alternar entre titular e reserva, no entanto, ambos podem atuar juntos por terem características que se complementam.

Mohamed Taabouni e Soulyman Allouch são a prova viva de como funciona a análise de dados na formação de atletas pelo AZ Alkmaar. Ambos têm a mesma idade, são constantemente chamados para as seleções de base desde pequenos, têm descendência marroquina e provavelmente será a nova dupla dinâmica do AZ após Stengs e Boadu. Taabouni é um meia-ofensivo cerebral, com excelente técnica, chute e visão de jogo. Allouch é extremo-esquerdo de muita velocidade e dribles desconcertantes, às vezes fominha, mas com enorme capacidade associativa. Com trajetória praticamente igual, é inimaginável pensar no sucesso holandês sem pensar nessa dupla.

Taabouni ainda não foi alçado aos principais do AZ Alkmaar, porém, sua utilização deve estar próxima muito por conta da filosofia do clube. Foto: Getty.

Falando em duplas, as equipes holandesas ainda sofrem para manter suas joias, porém, esse número tem diminuído bastante. No entanto, Liverpool e Hoffenheim conseguiram conquistar Ki-Jana Hoever e Melayro Bogarde, que fazem parte desse rol. O primeiro é um lateral-direito com grande entendimento tático e qualidade técnica. Hoever estava no Ajax antes de aceitar a proposta salarial da equipe inglesa. Em Amsterdã, ele chegou a atuar como zagueiro devido a sua qualidade na saída de jogo. Já o segundo é oriundo da academia do Feyenoord e, assim como Hoever, Bogarde também possui excelente compreensão tática e versatilidade defensiva, podendo atuar como central ou volante. Melayro é sobrinho de Winston Bogarde, que defendeu as cores de Ajax, Milan, Barcelona e Chelsea, e que hoje é treinador da equipe sub-19 de Amsterdã.

Existe uma “cadeia de dificuldade” no futebol de base, sobretudo no futebol holandês. O AZ Alkmaar tem dificuldades em relação ao trio de gigantes, que por sua vez têm dificuldades perante os clubes ricos da Inglaterra e Espanha, por exemplo. No entanto, há uma equipe que possui ainda mais dificuldade, mas que costuma revelar bons jogadores. O NEC Nijmegen já revelou Jasper Cillessen, Vincent Janssen e Ferdi Kadioglu recentemente. No entanto, Dirk Proper, meia-central de 18 anos, tem potencial para ser o mais reconhecido de todos os revelados pelo clube. Apesar da altura (1,67m), Proper compensa com um dinamismo difícil de encontrar nessa geração holandesa. Inicialmente meia-ofensivo, o jovem holandês tem atuado mais como volante devido a sua velocidade de raciocínio e passes certos. Proper se destaca também por se associar muito bem na base da jogada.

Dirk Proper é a prova de que tamanho não é documento. Max Dietz, o gigante americano, que o diga. Foto: Getty.

Como dito antes, o clube que mais abastece a seleção holandesa, e que vai desempenhar papel crucial no futuro do país, é o Ajax. Naci Ünüvar, Ryan Gravenberch e Brian Brobbey recebem muita atenção por suas proezas técnicas e táticas, porém, o clube ainda dispõe de quatro grandes nomes e que seguramente estarão entre os profissionais.

Quem parece estar muito próximo desse objetivo é Sontje Hansen. Capaz de causar dano ao adversário de várias maneiras possíveis, Hansen é extremamente versátil, rápido, excelente finalizador e muito hábil com o pé-direito. O jovem é uma ótima arma em termos táticos, podendo atuar em qualquer posição do ataque e, dependendo da situação, até de meia-ofensivo. Kenneth Taylor é o meio-campista mais completo dessa geração, além de ser capitão por natureza. O Ajacied pode ser primeiro ou segundo volante, pode ser meia-ofensivo, pode ser o mezzala ou até um armador mais recuado. Taylor é tão preciso nos passes e lançamentos que até parece um veterano jogando entre os meninos.

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Calvin Raatise e Anass Salah-Eddine fazem a base defensiva do Ajax e da seleção, sendo regulares, técnicos em suas funções e modernos no jogo. O primeiro é goleiro e titular do clube desde os 11 anos de idade. Raatsie é rápido na saída do gol e tem reflexos apurados, no entanto, sua grande qualidade é o jogo com os pés, podendo iniciar contra-ataques com lançamentos rápidos e precisos. O segundo é lateral-esquerdo e costuma ir muito bem quando tem o Hoever no lado direito. Salah-Eddine é mais técnico que o atleta do Liverpool, podendo atuar como um ala interior ajudando na criação das jogadas ou pelas extremidades para criar mais profundidade (e usufruir dos cruzamentos, um de seus melhores atributos). Há certa preocupação com a marcação de Anass Salah-Eddine, que precisa ser corrigida antes de dar o salto.

Esses são alguns dos nomes que poderemos ver no futuro da seleção holandesa. Os principais nomes citados são de jogadores nascidos essencialmente em 2002 devido ao processo de formação, que é o que tem maior proximidade com a equipe principal. No entanto, existem dois nomes que geralmente são atribuídos a essa conversa, mas que são nascidos em 2003. São Naci Ünüvar, que já foi citado duas vezes, e Xavi Simons. Ambos lidam com o hype da imprensa e o afã dos torcedores. Entretanto, como eles ainda tem um ano de vantagem para os outros, não haverá uma analise mais ampla da dupla nesta matéria, porém, fica o alerta, pois ambos deverão aparecer na coluna num futuro próximo.

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