Mourinho chega ao Tottenham com incógnitas, mas também soluções
Português assume após um trabalho excepcional - mas desgastado - de Pochettino e tem condições de voltar a fazer sucesso
O futebol é cruel. Você pode construir uma história incrível de reestruturação durante cinco anos para, por alguns meses problemáticos, ter o caminho interrompido. Mas faz parte do jogo. Mauricio Pochettino é responsável por um período histórico para o Tottenham, transformando o clube de alvo de piadas em vice da Champions League e garantia de top 4 na liga.
Talvez só não fosse conseguir se classificar para o torneio que esteve na final justamente nessa temporada. Afinal de contas, após 12 rodadas seu (agora antigo) time está na décima quarta colocação, com 14 pontos. O fator chave da questão não foi apenas ter três vitórias na Premier League e ser quem mais perdeu em 2019, mas um desgaste total. Nas relações, no ânimo, no campo.
Talvez o melhor para os dois lados fosse realmente o divórcio. E o substituto para o clube já está definido: José Mourinho, revolucionário e vencedor na Inglaterra. Ninguém pode questionar seu currículo, mas já chega com o asterisco de ter vivenciado – e, de certa forma, causado – complicações de ambiente em seus últimos trabalhos.
Já foi referência em gestão de grupo, mas há uma década; atualmente, todos enxergaram que uma autoavaliação – e mudança – era necessária. Em um forçado ano sabático, teve tempo para tal e indicou na mídia que estava de fato se atualizando para assumir um projeto com mais maturidade. Terá no Norte de Londres um cenário ideal para provar sua recuperação ou sacramentar uma queda de patamar: compatibilidade tática, extracampo deteriorado.
Sobretudo, é um plantel com situações contratuais pouco desejáveis. Alguns jogadores queriam sair, mas tiveram que permanecer; outros estão confusos sobre o futuro e isso afeta diretamente no desempenho do presente. Além de que após cinco temporadas de altíssima exigência física e mental, cansaram. Para exemplificar, o Tottenham foi de um dos melhores times na pressão alta para um dos piores. E era um conceito crucial.
Contratos que se encerram em 2020:
– Toby Alderweireld;
– Jan Vertonghen;
– Christian Eriksen.
O treinador português precisará revigorar um grupo que pode, caso sua forma de agir continue trazendo reações negativas, minar o potencial do seu trabalho. Daí vem a importância de um refresh na mente e a reformulação da comissão técnica é uma notícia interessante. João Sacramento, ex-Lille, é seu novo auxiliar e pode trazer visões diferentes das propostas pelo antigo aliado Rui Faria.
Mourinho deve reconhecer que precisa usar os estímulos certos para colocar o clube em um caminho condutivo ao sucesso, não apenas causar um choque imediato. Acertando nesse sentido, tem tudo para montar um conjunto competitivo e, quem sabe, dar o gosto dos troféus para uma torcida sedenta por isso. O material humano encaixa de diversas formas com as preferências do Special One.
O fato de já ter se interessado por Alderweireld, Rose, Dier e Lucas Moura em outros momentos fala por si. Certamente tem conhecimento profundo sobre tais atletas e pode utilizá-los como base do seu sistema, principalmente os três primeiros. O belga é o tipo de líder imponente que ele gosta pra zaga; o lateral inglês já mostrou que pode render em alta intensidade com e sem a bola; e o volante é do tipo que, encaixado em uma formação coerente, comanda a frente da defesa e quebra transições com disciplina posicional.
A comissão técnica renovada de José Mourinho:
– João Sacramento | auxiliar;
– Carlos Lalin | preparador físico;
– Nuno Santos | treinador de goleiros;
– Ricardo Formosinho | analista tático;
– Giovanni Cerra | analista técnico.
Son é um ponta devastador em velocidade e não se opõe a fazer a recomposição – além de ser versátil. Se conseguir se ‘desenferrujar’ um pouco, Kane serve de referência pra um jogo mais direto, prende a marcação adversária e claro, é artilheiro. Alli pode reencontrar sua produtividade com um treinador que gosta de funções específicas como a Dele (rs), de infiltração. Lucas? José deve ter um plano, depois de tentar contratá-lo tantas vezes. É peça de contra-ataque.
Para o momento sem a posse, crucial em sua filosofia, conta com o coringa Sissoko. O francês é daqueles aplicados e capacitados o suficiente para desempenhar compensações táticas como poucos. Fechando o meio ao lado de Dier, dando vigor físico pela ala ou compondo o setor de ataque pela direita – opção viável para clássicos. Vertonghen e Foyth são zagueiros de origem, mas acostumados também com a lateral; ideais se o objetivo é redobrar a marcação.
Vejo a posição de Ndombele segura, mas algumas incógnitas ao seu redor. Outrora uma estrela incontestável, vai ser interessante acompanhar os próximos passos de Eriksen – há a possibilidade de acordar com um novo comandante de respeito ou ficar encostado de vez. Lo Celso chegou do Bétis com muita expectativa, foi pro departamento médico e em breve trará questões sobre sua utilização.
E a forma que a diretoria vai lidar com a composição do plantel pode definir a vida de Mou no lado branco de Londres. Como ele mesmo aprendeu em Manchester, não há boa intenção no campo que se salve em caso de insatisfação e falta de vontade nos bastidores. Passo a passo, alinhando o seu entorno – falam na vinda do diretor Luis Campos, do Lille, de onde trouxe dois membros pro staff – e completando o time nas próximas janelas, pode sair coisa boa do casamento entre Mourinho e Tottenham.
Pochettino não ficará muito tempo sozinho; acompanhará essa história de seu trono em outro grande clube, sem dúvidas.
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