O (bom) exemplo do Burnley de Sean Dyche

Após anos negativos antes e durante a segunda guerra mundial, quando a poeira baixou, as ligas oficiais (que pararam de 1939 até 1945) voltaram e o Burnley não passava confiança. Então apelou para a compreensão do seu elenco e o contexto que o envolvia para fazer o seu melhor e engatar 24 temporadas na elite do futebol inglês. Como?

Tendo um time muito bem treinado por Cliff Britton, que entendeu os caminhos mais curtos para o resultado e terminou a Division Two na segunda colocação, conquistando o acesso e sacramentando a alcunha de “cortina de ferro” para a sua defesa. Foram apenas 29 gols sofridos e 6 derrotas em 42 jogos em uma longa campanha, cujas atenções foram divididas com a trajetória de vice-campeão da FA Cup.

Depois de um período de ouro, veio mais melancolia e o Burnley não emendava pelo menos duas temporadas na elite desde 1975/76. Até que entrou a figura de Sean Dyche. Se inspirando na sabedoria de Britton, se tornou ídolo do clube em 2013/14. Isso porque a equipe era tida como uma das grandes favoritas ao rebaixamento para a terceira divisão, não ao acesso à primeira. Novamente a segunda colocação colocou os clarets no topo.

Mesmo sem seu artilheiro e principal jogador – Charlie Austin, vendido ao Queens Park Rangers -, o comandante alcançou os 93 pontos, perdendo 5 vezes das 46 possíveis. Teve a melhor defesa, claro, deixando passar só 37 gols. E começou a demonstrar que estaria disposto a fazer de tudo pelo resultado, ignorando qualquer distração e incômodos da mídia.

Austin era ‘o cara’ do Burnley, mas sua saída não impediu o acesso na mesma temporada (Foto: Reprodução/Sports Mole)

Teve um bate e volta na Premier League e depois na Championship, mas ao que tudo indica foi mero aprendizado e criou ‘casca’. Está agora em sua quarta participação seguida na liga, respeitando suas limitações, tirando proveito de seus pontos fortes e acumulando pontos através disso. Tem autoconhecimento, digamos assim.

E sabe aplicar os conceitos necessários para criar uma empolgação que sua torcida não estava acostumada a ter. Só as gerações extremamente antigas tiveram alegrias como as recentes. Teve até uma vaga na Europa League 2018/19, algo inimaginável para um clube desse porte e com um orçamento modesto para os padrões de seus concorrentes.

Trago alguns números do Burnley na Premier League 19/20. Eles vão fazer sentido após os próximos parágrafos: 

  • 19º em posse de bola (42,4%)
  • 2º em bolas longas por jogo (73), perdendo apenas para o Sheffield United
  • 20º em passes curtos por jogo (237)
  • 19º em posse de bola (42,4%)
  • 20º em aproveitamento nos passes (64,4%)
  • 1º em duelos aéreos por jogo (47)
  • 2º em duelos aéreos ganhos por jogo (22.3)
  • 1º em ataque pelo centro (29% das jogadas), demonstrando o foco em Barnes e Wood

Em um mundo onde a saída curta com o goleiro é pintada como requisito consensual, Dyche faz o que sente ser correto, levando em conta as circunstâncias e direcionando a bola para onde pode agredir e não ser agredido. A cada 10 passes de Pope, que defende sua meta com eficiência, 9 são longos. Tem um destino claro: os atacantes Barnes e Wood.

Agora, Barnes e Wood representam o coração do time em campo (Foto: Reprodução/Planet Football)

É uma das duplas mais consistentes do país, entrosada, produtiva e capaz de dominar os duelos aéreos. Os dois têm porte físico, vigor e sabem se posicionar no lugar certo para o bem do coletivo. Nunca hesitam em bloquear espaços e ajudar na contenção. Pro Manchester City a história pode ser outra, mas no Burnley uma construção rebuscada desde a zaga serviria apenas para agradar os neutros.

São eles os que menos perderam a posse em seu próprio campo (13), principalmente porque não ficam com a posse em seu próprio campo. É lógica. É lanterna também na estatística de sequência de mais de 10 passes, com 20. Além dos clarets, só Bournemouth e Newcastle têm menos de 40. Por que sair tocando quando as vantagens estão justamente em fazer o oposto?

A dobradinha ofensiva frequentemente se conecta com o rápido e inteligente McNeil, ponta apto a fazer tabelas incisivas, se projetar no ponto futuro ou conduzir. Tem duas assistências e, assim como faz Gudmunsson do outro lado, domina o cruzamento com a bola rolando ou parada. É fator fundamental para um conjunto de imposição física e trabalhado para ter a mínima vantagem possível em escanteios e faltas.

Importante nesse cenário, Tarkowski foi cotado para substituir Maguire no Leicester, mas ficou e continua também liderando uma defesa marcada pela solidez. A contratação de Pieters não chamou atenção, mas o lateral conhecido por sua marcação oferece bastante proteção e ainda assim chega à frente no momento certo, aspecto evidenciado por suas 3 assistências.

Cada um do seu modo, Guardiola e Dyche são exemplos dentro da Premier League (Foto: Reprodução/The Times)

A compactação é inegociável. Raramente você pegará jogadores fora de posição, distanciados da estrutura desenhada pela comissão técnica para encaixotar os adversários. Principalmente no TurfMoor, isso gera uma sensação – real – de que enfrentá-los é uma missão muito mais difícil do que ‘deveria ser’. Afinal de contas, é um pequeno clube de Lancashire, em uma região decadente, sem tanto aporte financeiro e um plantel de qualidade duvidosa.

Mas tem Sean Dyche. E é ótimo que ele seja um treinador com convicções contextualizadas e saiba trabalhar em cima delas, não do que recomendam de fora. Desse modo faz um dos melhores trabalhos da pirâmide do futebol inglês. Por mais irônico que isso pareça, faz o diferente. E é exemplo a ser seguido em vários aspectos.

“Se eu fosse para um clube diferente com repertórios distintos, acreditem, eu jogaria de uma forma diferente”, disse. É um pragmatismo que faz sentido e, como demonstra ano após ano, dá resultado. E é isso que importa pra ele.

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