O REVOLUCIONÁRIO GAROTO DE FUSIGNANO
Por @EryckWaydson “Quando olho para trás, sinto-me muito orgulhoso da minha carreira como treinador. Eu comecei com os torcedores, a verdadeira universidade; depois passei um ano nos semi-profissionais, três anos na terceira divisão, um ano na segunda, quatro anos com os juniores da Fiorentina e Cesena. Finalmente, desembarquei na primeira. Fiz toda a escalada sem nunca […]
Por @EryckWaydson
“Quando olho para trás, sinto-me muito orgulhoso da minha carreira como treinador. Eu comecei com os torcedores, a verdadeira universidade; depois passei um ano nos semi-profissionais, três anos na terceira divisão, um ano na segunda, quatro anos com os juniores da Fiorentina e Cesena. Finalmente, desembarquei na primeira. Fiz toda a escalada sem nunca ser demitido ou rebaixado, com equipes de jovens que deveriam ter lutado pela salvação e que, em contrapartida, estavam lutando na parte de cima dos diferentes campeonatos.”
O período entre o fim dos anos 80 e início dos 90 faz parte de um dos marcos na história do futebol. Mais precisamente, em 1987, um desconhecido cidadão de Fusignano (comunidade na província de Ravenna, com 24 km² e cerca de sete mil habitantes) desembarcou em Milão. Há um ano à frente do Milan, Silvio Berlusconi ambicionava mudar o patamar do clube que havia ganho apenas uma Serie A nas 20 temporadas anteriores. A contragosto de muitos, apostou num tal de Arrigo Sacchi. Dali em diante, o mundo da bola mudaria para sempre.
A biografia “Arrigo Sacchi: Fútbol Total” apresenta, com riqueza de detalhes e uma boa dose de tática, toda a trajetória do treinador – que também aventurou-se como dirigente.
“Minha chegada a Milão foi, como sempre, difícil. Foi um grande impacto para a equipe. Houve uma certa desconfiança. Meu discurso era diferente. Dizia coisas diferentes sobre futebol, sobre a mentalidade que deve ser mantida no campo, sobre a programação do treinamento. O ambiente do futebol e parte dos jornalistas me consideravam um subversivo, um pária, um adversário que, se possível, tinham que vencer, porque coloquei a liderança deles e o seu papel como possuidor de conhecimento antigo e ultrapassado em crise. Por outro lado, os jovens e os menos conservadores olhavam para mim com algum interesse. Foi assim que me apresentei no Milan. ‘Quem é este que nunca jogou futebol? Ele quer fazer outras coisas além daquelas que sempre dissemos e escrevemos. Por que mudar?’ Uma vez fui convidado para uma coletiva. A primeira pergunta que um estudante me fez foi: – Como você pode treinar jogadores de alto nível se você nunca foi um? – Eu não sabia que antes de ser um cavaleiro era necessário ter sido um cavalo! – respondi.”
A obra traz diversas particularidade de Arrigo, hoje com 72 anos, desde o início no Cesena, passando pelo Rimini, Fiorentina, Parma, Milan, Seleção Italiana e Atlético de Madrid; depois, como diretor de futebol no Verona e Real Madrid. A relação íntima com Berlusconi (que ofereceu presentes para que ele não cedesse ao assédio da Juventus), amizade com Ancelotti e encantamento com Van Basten, Gullit, Baresi e outras estrelas daquele time. Em meio a tudo isso, o comandante expõe o seu modo de pensar o jogo, abordando todas as suas fases – ofensiva, defensiva e transições.
“Eu sempre pensei que o futebol deveria ser jogado com a mente – os pés são apenas um meio que facilita o aprendizado. Se você tem uma boa técnica, mas falta-lhe uma capacidade interpretativa e lógica, você passa a bola para frente quando deve ser para trás, retém quando deve tocá-la de primeira, passa quando deve segurá-la. A técnica não é suficiente. É funcional, mas não é suficiente. ”
“Na verdade, entre música e futebol não há muita diferença. Na minha opinião, o jogo, a partitura para interpretar, é o verdadeiro protagonista no campo. Você pode ter os melhores músicos e solistas do mundo, mas você não ouvirá nenhuma melodia se eles não forem coordenados por um diretor e por uma partitura comum.”
Aquele icônico Milan do fim dos anos 80 jogava em um 4-4-2 reconhecido pela ofensividade e intensa pressão pós-perda da bola. Arrigo sempre queria os 11 jogadores participando da fase de construção e algumas vezes sacrificou talentos individuais pelo bem coletivo (há a descrição de um episódio de atrito com Roberto Baggio, na Copa do Mundo de 1994, onde sacou o ídolo nacional ainda no primeiro tempo da partida contra a Noruega). Comprometendo a própria saúde, Sacchi foi um obstinado pelas vitórias. Mas com uma observação: só a aceitava se viesse de mãos dadas com um bom futebol.
“Eu assinava contratos de apenas um ano porque, como eu disse, sempre pensei em desistir. Ansiedade, tensão e problemas gástricos foram sentidos cada vez mais. Em cada jogo eu perdia um ou dois quilos por causa do estresse, a veemência e a energia que eu colocava em dirigir o time. Eu gritava, levantava, encorajava os jogadores. Eu queria que eles dessem tudo, como eu dava tudo. Corri e trabalhei com eles porque queria que entendessem que eu também fazia parte da equipe, que eu estava suando como eles.”
Um dos confrontos mais lembrados e tido como símbolo daquela equipe foi contra o Real Madrid, em 1989, no San Siro, na partida de volta da semifinal da Copa dos Campeões da Europa (atual Champions League). O 5 a 0 veio com gols de Carlo Ancelotti, Frank Rijkaard, Ruud Gullit, Roberto Donadoni e Van Basten. Hoje, é inevitável que grandes técnicos não se influenciem pelo que Sacchi fez, e o italiano chega a fazer um agradecimento especial ao alemão Jurgen Klopp, agora no comando do Liverpool.
“Há também os treinadores que olham para o jogo daquele Milan como ponto de referência: quero dizer Pep Guardiola ou Jürgen Klopp, que nunca deixam de me satisfazer com suas palavras, como aconteceu logo após a final da Liga dos Campeões, quando Klopp, em uma entrevista na televisão, disse: ‘Eu nunca o vi, mas aprendi tudo com ele. Tudo o que sou, devo a ele. Meu Borussia é apenas 10% do seu grande Milan’.”
Abaixo, alguns trechos sobre as crenças de Sacchi acerca do modelo de jogo que utilizava.
Zona Pressionante
“A zona de pressão implica em uma defesa ativa: significa que, mesmo quando os adversários têm a bola, você é o dominus do jogo. Com esta pressão, você os força a jogar com velocidade, ritmos e intensidade que jogam mal e como você quer.”
Uso do goleiro
“Minha ideia de futebol também revolucionou papéis, como o do goleiro, que não está separado do resto do time, mas é parte integrante da defesa. Ele não deve apenas saber como parar e pular, também deve ser um jogador e conhecer o jogo.”
Ataque x Defesa
“Um exercício de dez ou quinze minutos com o goleiro, mais os defensores, contra uma equipe de 11 composta por Van Basten, Gullit, Donadoni, Massaro, Ancelotti, Rijkaard, etc., em todo o campo. Pouquíssimas vezes o time completo marcava gol. Eu dizia para Van Basten, que apostava comigo e sempre pagava o champanhe: ‘Melhor cinco jogadores organizados do que onze sem uma linha de jogo’.”
Transições
“Para melhorar os contra-ataques, eu formava três equipes de 6×6 em uma metade do campo, enquanto outros seis esperavam na outra metade. Se o time de seis atacantes passasse a metade do campo, enfrentaria os outros seis; se eles perdessem a bola, tentariam garantir que os rivais não ultrapassassem metade do campo. Vencia a equipe que marcasse mais gols.”
Quer entender como funcionava o Milan de Arrigo Sacchi? Abaixo, a partida completa da histórica goleada por 5 a 0 em cima do Real Madrid, pela Copa dos Campeões da temporada 1988/1989.
https://www.youtube.com/watch?v=JMRyFdrO8d8
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