Se eu fosse você

Cláudio e Helena são um casal rotineiro, e devido à isso, possuem algumas discussões. Após uma delas, começaram estranhamente a falar as mesmas palavras juntos, e na mesma hora, quando despertam no dia seguinte após adormecerem depois da discussão, percebem-se que estão em corpos trocados: Helena está no corpo de Cláudio e vice-versa. A partir […]

Cláudio e Helena são um casal rotineiro, e devido à isso, possuem algumas discussões. Após uma delas, começaram estranhamente a falar as mesmas palavras juntos, e na mesma hora, quando despertam no dia seguinte após adormecerem depois da discussão, percebem-se que estão em corpos trocados: Helena está no corpo de Cláudio e vice-versa.

A partir daí, cada um terá que assumir a vida um do outro, e assim, ver o ponto de vista de cada um sob novo ângulo, que até então fora superficialmente sentidos por eles, e que agora, são intensamente vividos. Isso parece uma resenha de cinema.

Mas a história pode ser relacionada em algum momento com as situações de Juventus e Napoli nesta década de 2010 que chega ao seu último campeonato na temporada 2019–20, mas que já é amplamente dominada pelos bianconeri.

Ao contar a história do futebol italiano de clubes nessa década, e até mesmo da série de títulos da Juventus, não há como não falar do confronto entre estilos representado pelo clube bianconero e pelo Napoli, especialmente nas figuras de seus treinadores, Massimiliano Allegri e Maurizio Sarri.

A Juventus, de Allegri, tinha o estilo de jogo mais híbrido. E que primava pela força defensiva, e pela eficiência no ataque, aproveitando os corredores especialmente do jogo pelos lados, ou mesmo a inteligência de Pjanic, que por essência, foi o homem mais acionado pelo meio de 3 das 5 temporadas de Max em Vinovo.

Sabia controlar o jogo, como sabia esperar o adversário, se necessário, lhe permitindo um controle de posse de bola e domínio territorial, mas com correções ao redor do jogo por posicionamento, substituições, e acreditando mais nas qualidades individuais.

O Napoli, de Sarri, era aclamado por jogar num estilo de troca de passes constante, com controle da posse de bola, eficiente ofensivamente quando chegava ao gol, que dominava seus jogos, mas técnico até defensivamente, seja na parte da marcação por zona, ou seja pelo próprio jogo de posição com ou sem a bola, mas por meio de um trabalho mais coletivo.

Ambos tinham alguns pontos em comum, descritos muito bem neste artigo do Juventibus, como um cuidado com as linhas defensivas que tinha questões semelhantes, como o gosto pelo sistema de pressão ao adversário, embora Sarri o faça por zona e Allegri por marcação a homem somada a compactação, e uma liberdade maior para os jogadores da linha ofensiva nos últimos 30 metros (ou no terço final, como preferir).

Os dois tinham diferença de relações de jogo. Como em uma frase dita por Mario Sconcerti ao Corriere della Sera em 2016: “Para Sarri, quem treina o jogo, procura o intérprete [jogador] adequado ao seu método. Quem treina os jogadores, mescla seu próprio elenco e depois escolhe o mais adequado para formar o time. Allegri é um desses, Sarri é um dos outros”. O que dizia muito sobre o quanto os dois tinham diferenças do modelo de futebol.

Por fim, Sconcerti disse em sua coluna algo que define a situação, debatida em meados de outubro de 2016, quando a minutagem de jogadores napolitanos era alta e a de juventinos nem tanto: “Para Sarri não basta que um jogador seu esteja em forma, deve saber fazer os movimentos que servem a seu esquema”.

Em um bom texto escrito em l’Ultimo Uomo, Fabio Barcellona fez uma boa ponderação entre os dois:

Entre os dois extremos teóricos que vêem os treinadores, por um lado, com uma abordagem de cima para baixo (na qual os princípios surgem de cima e definem, em cascata, o modelo de jogo) e, por outro, os técnicos que, com uma abordagem de baixo para cima (que, indutivamente, constrói a equipe a partir das características e articulações técnicas dos jogadores), Sarri ocupa uma posição do espectro próxima ao primeiro extremo e oposta àquela hipoteticamente ocupada por Allegri.

A briga das temporadas, com títulos vencidos pela Juventus com doppietta entre campeonato e coppa entre 2015 e 2018 não impediram a polarização de uma grande discussão que era em voga durante muitos anos: melhor o resultado ou um jogo bonito?

Allegri colocou esse assunto em voga em diversas coletivas como treinador juventino, chegando a dizer que “se joga mal, estou feliz”, e “quer espetáculo, vá ao circo”, além de diversas alfinetadas em Sarri, que chegou a citar até Dostoiévski para defender o jogo bonito, dizendo, tal qual o autor russo, que “a beleza iria dominar o mundo”.

Depois de tantas alfinetadas, em algum momento de 2018, após um campeonato disputado a tal ponto que ambos fizeram mais de 90 pontos, talvez Andrea Agnelli e Aurelio De Laurentiis tenham dito “se eu fosse você”. E acordaram com pensamentos diferentes sobre futebol em relação ao que estavam acostumados naquelas intensas lutas pelo Scudetto.

De repente, De Laurentiis passou a buscar algo mais parecido com o que Allegri tinha na Juventus. E apostou em Carlo Ancelotti para, além de buscar o Scudetto, fazer boas participações nas copas europeias, e mudar alguns dogmas sarristas, como por exemplo, o dos “titularíssimos”.

É bem verdade que a troca por Ancelotti não chega a ser tão radical, em vista que Carletto procurou manter alguns aspectos do jogo de Sarri desde o começo, como uma manutenção de características similares do jogo de posição, com disciplina tática, e boa movimentação entre lados do campo, além de uma transição rápida, como mostra Matheus Eduardo neste texto no Calciopédia de 2018.

Por outro lado, Ancelotti procurou mudar em alguns outros aspectos, como na troca de esquema para o 4–4–2, buscando uma maior proteção defensiva que não obteve nos primeiros jogos, com cobertura de laterais e dispensando o velho 4–3–3.

Mas o Napoli contratou Ancelotti baseado na ideia que poderia trazer os resultados que faltaram com Sarri, apesar de entender também que no primeiro ano, como um ano de transição, pudesse sair de mãos vazias, como saiu, embora tenha vindo com folga a classificação para a atual Champions League.

Além disso, uma das ideias era dar maior ritmo de jogo ao elenco, tendo em vista que nos tempos de Sarri, alguns jogadores jogavam tanto que em 2017–18 apenas 15 jogadores completaram mais de 1000 minutos em campo, contra, com 6 deles atingindo mais de 4000 minutos.

Mas apesar do heptacampeonato italiano, a Juventus procurava algo em um treinador que não havia em Allegri. E então fez ela a sua parte do “se eu fosse você”, procurando um treinador que fosse mais adepto ao jogo praticado por alguns dos últimos campeões europeus, na busca do grande sonho da Champions League.

Na atual temporada chegou a hora do maior capítulo de “Se Eu Fosse Você” entre juventinos e napolitanos. Com um sentimento maior tendo o treinador atual de cada clube já tendo treinado o rival no passado. Seja Ancelotti, que saiu odiado de Turim, seja Sarri, que originalmente era amado pelos napolitanos, e hoje é detestado.

É bem verdade que até Sarri chegou a mudar após a temporada no Chelsea. Passou a utilizar mais jogadores, talvez em acordo com o rico elenco juventino. Por outro lado, por conta disso em alguns jogos teve problemas com as substituições.

Nesses casos, citemos dois exemplos: primeiro, a substituição de Khedira por Emre Can quando a Juventus vencia o Napoli por 3–0. A partir dali, a Juve perdeu meio-campo defensivamente e os napolitanos avançaram para o empate.

No segundo exemplo, as substituições quando a Juve vencia o Atlético, na Champions, houve quem apontasse que as entradas de Bentancur no lugar de Khedira, e mais tarde, a troca simples de Pjanic por Ramsey, foram motivo de críticas, por conta do resultado final que foi visto da mesma maneira.

Por outro lado a potencialização do ataque juventino é evidente. Seja na revitalização de dois que chegaram a ser possíveis moedas de troca na temporada, como Dybala e Higuaín, e aproveitando o potencial ofensivo de Cristiano Ronaldo.

E curiosamente, se o ataque não é problema, as vezes justamente a defesa tem passado a ser o problema. Em 4 das 7 partidas do campeonato, em especial os clássicos contra Napoli e Inter, a Juve sofreu gols, alguns até impensáveis na era Allegri.

Muitos creditam isso a questão da adaptação de De Ligt ao lado de Bonucci, uma vez que a ideia de fazer o holandês entrar gradualmente na equipe foi destruída após a lesão no joelho de Chiellini. Mas são efeitos também da troca para uma marcação por zona, como chegou a afirmar Simeone e o próprio Sarri após o empate entre Atlético e Juve na Champions.

Por outro lado, a defesa já apresenta sinais de melhora após 2 dos últimos 3 jogos sem sofrer gol. E mesmo quando tinha problemas de gols sofridos, a defesa juventina os sofreu especialmente em lances de bola parada, como no caso dos confrontos contra Napoli e Atlético.

Para Sarri, também há uma outra questão, que talvez seja o maior dos seus problemas em relação ao elenco, embora não seja algo propriamente herdado de Allegri ou que tenha mudado: o que fazer com o meio-campo, que é uma situação que já gerou pequenas crises, como a exclusão de Emre Can da lista da Champions.

Também aconteceram de destaque algumas mudanças de esquema tático, como a alternância de módulos de jogo, especialmente o 4–3–3 e 4–1–2–1–2, os seus mais famosos por Napoli e Empoli, e que acomodaram de Khedira a Ramsey, de Matuidi a Rabiot, e de Pjanic até a um Bernardeschi como trequartista.

Apesar desses problemas de quem escalar, desde a pré-temporada o meio-campo juventino tem sido mais exigido na era Sarri em relação ao que era no período “allegrista”. Vemos pelas imagens abaixo de troca de passes disponíveis no ótimo 11Tegen11, do site Between The Posts, em jogos no mesmo estágio da temporada, embora um “válido” e o outro não:

Aqui, o primeiro esboço da Juve de Sarri, já no último teste da pré-temporada, diante do Atlético de Madrid: jogo mais descentralizado a Pjanic e com menos exigência dos lados que…
Aqui, o primeiro esboço da Juve de Sarri, já no último teste da pré-temporada, diante do Atlético de Madrid: jogo mais descentralizado a Pjanic e com menos exigência dos lados que…
A Juventus de Allegri, que no mesmo período em duelo contra a Lazio, exigia um jogo maior por parte dos laterais, e até mesmo acionava mais os pontas, embora nesta vez sem sucesso.
A Juventus de Allegri, que no mesmo período em duelo contra a Lazio, exigia um jogo maior por parte dos laterais, e até mesmo acionava mais os pontas, embora nesta vez sem sucesso.

Já o Napoli teve seus altos e baixos nessa mudança de jogo nessa temporada. Os altos foram intensamente vividos, seja nos malucos jogos vencidos, como o contra a Fiorentina, ou nos malucos jogos perdidos, como a dolorosa derrota no clássico para a Juventus, mas que o time foi buscar um 3–0 em um jogo quase perdido até o azar de Koulibaly.

Depois, as grandes vitórias contra Sampdoria e Liverpool, e a carruagem que virou abóbora em apenas 2 vitórias nos últimos 5 jogos, e mesmo assim contra equipes recém-promovidas, como Lecce e Brescia, e com jogos inacreditáveis, como o empate sem gols diante do Genk e a derrota pro Cagliari.

Assim como a Juventus, o Napoli passa, ainda que desde meados da temporada passada, por problemas onde não tinha, e arrumou soluções onde parecia que não poderia melhorar, como o caso da defesa. Desde que sofreu 7 gols nas 2 primeiras rodadas de campeonato, a defesa napolitana só sofreu 1 gol com bola rolando, contra o Cagliari.

Por outro lado, vem sofrendo com o mesmo problema desde o ano passado: a dificuldade para marcar gols. Em alguns jogos específicos, o Napoli perdeu uma quantidade incrível de gols, como diante do Genk. Por diversas oportunidades, em termos de criação de chances, as coisas funcionaram, mas a pontaria não tem funcionado.

Curiosamente vem sofrendo esse problema até com jogadores que eram ponto de desequilíbrio dos jogos na era Sarri, como Insigne, que não repete as boas atuações com Ancelotti, ou mesmo como Milik, que não marcou na atual temporada, e desde a chegada de Carletto sequer marcou gols na Champions League, por exemplo. Há também o caso de Lozano, com problemas de adaptação.

A dificuldade chegou a tal ponto que Ancelotti diante do Torino ressuscitou o mesmo 4–3–3 dos 3 primeiros jogos pelo Napoli em 2018–19 para tentar melhorar a produção ofensiva. Na primeira tentativa, não funcionou, fazendo o próprio esquema voltar ao 4–4–2.

Por diversas vezes nas últimas partidas, Ancelotti até tentou emular as jogadas pelas laterais que tanto fizeram sucesso com Allegri, por meio de Di Lorenzo e Mário Rui. A ideia até serviu do ponto de vista da criação de jogadas, que tem aparecido mais, especialmente pelo lado direito, mas da parte da conclusão, ainda há muitos problemas.

Em meio a uma crise ofensiva do Napoli, Ancelotti terá que fazer o possível pra que essa parte retorne ao normal da era Sarri, que Lozano finalmente se adapte, e que Insigne, Milik, e também Mertens, Callejón, e todo o ataque napolitano volte a ser potente como era em outros momentos.

O 4–4–2 de Ancelotti, já sem Hamsik, após a venda pra China, diante do Red Bull Salzburg, na Europa League (@11Tegen11/@BetweenThePosts)
O 4–4–2 de Ancelotti, já sem Hamsik, após a venda pra China, diante do Red Bull Salzburg, na Europa League (@11Tegen11/@BetweenThePosts)
Napoli contra o Milan no 4–3–3 em 25/8/2018, primeiro jogo de Ancelotti em casa pelo Napoli (Foto: @11Tegen11/@BetweenThePosts)
Napoli contra o Milan no 4–3–3 em 25/8/2018, primeiro jogo de Ancelotti em casa pelo Napoli (Foto: @11Tegen11/@BetweenThePosts)
Napoli contra a Inter em 11/3/2018, em meio a era Sarri. (Foto: @11Tegen11/@BetweenThePosts)
Napoli contra a Inter em 11/3/2018, em meio a era Sarri. (Foto: @11Tegen11/@BetweenThePosts)

Mudar de estilo tem suas dores e delícias. E até o momento tanto Sarri e a Juventus, quanto Ancelotti e o Napoli, tem soluções onde pareciam não haver, aproveitando todo o potencial de seus comandados, e problemas a resolver com o que antes não era um problema. Quase como um mundo reverso do que havíamos há pouco mais de 1 ano e meio.

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