UMA BREVE HISTÓRIA DOS LATERAIS BRASILEIROS

Por Téo Benjamin Gianluca Vialli costumava dizer que o lateral direito é sempre o pior jogador de um time. A teoria é a seguinte: se fosse mais sólido defensivamente, se tornaria zagueiro, mas se forsse melhor com a bola, viraria ponta. Então, de acordo com Vialli, laterais são esses estranhos seres que vivem no meio […]

Por Téo Benjamin

Gianluca Vialli costumava dizer que o lateral direito é sempre o pior jogador de um time. A teoria é a seguinte: se fosse mais sólido defensivamente, se tornaria zagueiro, mas se forsse melhor com a bola, viraria ponta. Então, de acordo com Vialli, laterais são esses estranhos seres que vivem no meio do caminho, têm um dever a cumprir, mas não se destacam particularmente em nada. Quanto aos laterais esquerdos, Vialli acredita que eles são melhores que os direitos simplesmente porque existem menos jogadores canhotos, então eles são conduzidos com mais atenção e cuidado nas categorias de base.

A teoria pode ter sido verdade durante boa parte do tempo em boa parte dos lugares. Mas sempre houve uma exceção: o futebol brasileiro. Toda criança cresçe no Rio, em São Paulo, Porto Alegre ou Recife ouvindo à história de Nilton Santos subindo ao ataque para marcar contra a Áustria na Copa de 58 enquanto o treinador Vicente Feola gritava para que ele voltar.

Nilton Santos, dizem os mais antigos, foi o responsável por iniciar os laterais brasileiros na arte de atacar. Djalma Santos e ele são considerados lendas do time que trouxe a primeira Copa para o Brasil.

Mas as histórias não param por aí. De fato, o gol brasileiro mais marcante na história das Copas veio dos pés de um lateral direito. Carlos Alberto Torres, o Capita, finalizou com estilo a maravilhosa jogada do time todo para sacramentar a vitória contra a Itália na final de 70. Sua vitalidade e leitura de jogo pelo lado direito do ataque não podem ser ignoradas, mesmo em um time que contava com Gérson, Rivellino, Jairzinho, Tostão e Pelé.

Marcelo, Dani Alves, Maicon, Alex Sandro, Cafu e Roberto Carlos estão entre os melhores do mundo na posição nos últimos vinte anos. Existe algo especial neles. Algo que remonta aos tempos de Nilton e Djalma. Algo que os outros países nunca foram capazes de copiar propriamente. O que será?

Tática brasileira

Antes de mais nada, é importante dizer que o Brasil sempre esteve na vanguarda do mundo quando se fala da parte tática. Poucas escolas souberam aliar o jogo coletivo ao talento individual como a nossa.

Durante os anos 90, todos os treinadores brasileiros viviam obcecados pelo 4-4-2. Mais ou menos como acontecia na Inglaterra, mas com uma diferença fundamental. Enquanto os ingleses formavam duas linhas de quatro, os brasileiros afunilavam seus meias por dentro, encostando nos dois atacantes. O 4-2-2-2 era uma jabuticaba brasileira e significava que os laterais eram os únicos jogadores ocupando o corredor.

Esse jeito de jogar só era possível porque os laterais já eram há décadas considerados elementos fundamentais das equipe com a posse de bola. No jogo brasileiro, os laterais sempre foram responsáveis por oferecer amplitude. Para isso, combinavam capacidade física e muita técnica. O “overlapping” de Coutinho no Flamengo de 80 se tornou a ultrapassagem dos laterais, mecanismo mais comum para os times explorarem o espaço pelos lados.

4-2-2-2

O nosso jeito próprio de ver futebol fica claro em um debate que acontece por aqui. Ainda hoje as pessoas perguntam se os laterais são primariamente defensores. Na Europa essa discussão pareceria loucura! Não importa o quanto Carvajal, Walker ou Lahm sejam bons ofensivamente, é óbvio que o seu papel primordial é fechar a defesa. A cultura brasileira permite esse tipo de devaneio porque os laterais são vistos como armas mortais, não planos de contingência.

Habilidade brasileira

Zé Roberto fez grandes temporadas tanto pelo Leverkusen quanto pelo Bayern de Munique, mas depois de uma excelente Copa do Mundo em 2006 resolveu voltar ao Brasil para jogar uma única e espetacular temporada pelo Santos como meia. Um dos melhores do país no ano, encantou a todos com seus gols e assistências em estilos variados, convencendo o Bayern a recebebê-lo de volta.

Quase dez anos depois, aos 40 anos de idade, Zé Roberto desembarcou em São Paulo para se tornar o capitão do Palmeiras, novo rico da turma. Preferiu voltar a ser lateral, sua posição de origem no início da careira, apesar dos pitacos de muitos que lembravam da sua capacidade pelo meio e temiam sua idade avançada. Terminou o ano levantando a Copa do Brasil como capitão, renovou o contrato e venceu o Campeonato Brasileiro no ano seguinte.

A cultura de ter jogadores habilidosos por ali não signfica que eles não precisam defender. Os laterais brasileiros não são simples pontas convertidos. É uma posição completa, complexa e fundamental.

O mito de um futebol brasileiro envolvente na frente e fraco atrás é pura invenção. Até o 7×1, nenhuma outra seleção havia levado menos gols por partida em Copas do Mundo. Nem a consistente Itália, nem a estratégica Alemanha, nem o bravo Uruguai.

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Defensivamente, se exige dos laterais muito mais inteligência de posicionamento do que intensidade nos desarmes. Desde pequenos os laterais aprendem a ocupar o espaço tanto no ataque quanto na defesa e é por isso que os melhores laterais brasileiros são também jogadores tão inteligentes.

Junior era vinha trilhando o caminho para se tornar titular absoluto na lteral direita do Flamengo no fim dos anos 70, mas com a chegada de um garoto vindo das categorias de base, teve que mudar de lado para se manter no time. O nome do jovem talento era Leandro, um mágico com a bola nos pés.

Os dois formaram uma dupla lendária pelo Flamengo e pela seleção. Muito além da imposição física ou da qualidade técnica, o futebol dos dois se baseava na inteligência. Foi por causa dela que Junior pôde ir jogar no meio-campo, se tornando o “maestro” nos últimos anos de carreira, enquanto Leandro virou zagueiro depois de uma grave lesão no joelho aos 26 anos de idade.

Uma história de grandes duplas

Depois de Leandro e Junior, vieram Jorginho e Branco, que jogaram a Copa de 90 e venceram o tetra em 94. Quando partiram, o Brasil rapidamente encontrou uma solução permanente em Cafu e Roberto Carlos, que jogaram três Copas juntos como titulares, chegando a duas finais.

Daniel Alves e Marcelo dominaram dali para frente, com alguma concorrência de Maicon. Danilo e Alex Sandro, criados juntos nas academias do Santos, geraram esperança enquanto jovens como Zeca, Jorge, Militão e Arana sonham em ocupar esse posto permanente no futuro.

É interessante notar que sempre falamos em Djalma Santos e Nilton Santos, Leandro e Junior, Jorginho e Branco, Cafu e Roberto Carlos, Daniel Alves e Marcelo. A história dos laterais brasileiros é a história de grandes duplas. São dois jogadores absolutamente distantes no campo, que raramente se encontram nas mesmas jogadas, mas um é tão importante para o outro que só podem ser analisados em conjunto.

Mudança de rumos

A tradição ainda vive. O bastão de Nilton Santos vem sendo passado de geração em geração. Mas agora é uma grande diferença: o mundo todo entendeu que os laterais podem fazer mais que um simples quebra-galho no campo. Podem ser a chave para o sucesso.

Por isso, laterais brasileiros são requisitados no mundo todo. Quem se destaca, sai imediatamente para o exterior. O mercado mundial deixou pouquíssimos bons laterais por aqui e os treinadores têm muita dificuldade de se adaptar.

Além de um fortíssimo processo de importação, que já começou há vinte anos e agora atingiu seu ápice, outros países buscam produzir laterais com características mais brasileiras. A última Copa viu Carvajal e Alba pela Espanha, Trippier pela Inglaterra e Kimmich pela Alemanha. São apenas alguns exemplos.

Em breve, o Brasil pode perder essa vantagem competitiva. Qual será a saída?

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