O dérbi de Lisboa em seis pontos (de distância)

Seis pontos separam Sporting e Benfica, seis pontos ajudam a explicar as suas diferenças e semelhanças. Uma antevisão de um jogo que é uma análise à forma como as duas equipas chegam ao jogo que se disputa hoje.

Segunda-feira à noite, Sporting e Benfica entram em campo num dérbi de Lisboa marcado pela realidade pontual na tabela, onde os Leões lideram com uma vantagem de quatro pontos para o FC Porto e seis pontos para o Benfica, bem como pelas limitações impostas pela situação do coronavirus na equipa encarnada. Mas além dessa realidade circunstancial, estas duas equipas apresentam-se em campo como resultado da forma como foram construídas. Bases de sustentação filosóficas, enquadramento histórico e processamento de trabalho marcam largas diferenças e desembocam num dos mais interessantes dérbis dos últimos anos.

1º Como concretizar uma ideia

Com pouco mais de um ano de treinador ao mais alto nível, e com uma pandemia pelo meio, Rúben Amorim apresenta uma ideia sustentada para o jogo da sua equipa, que tem demonstrado como inegociável. Entre Braga e Sporting, o técnico dos Leões reforçou um jogar que já era visível nos tempos do Casa Pia, onde iniciou a carreira. Sistematizado num 3-4-3 onde os laterais têm um enorme peso na agressividade ofensiva da equipa e os dois “extremos” jogam dentro do bloco defensivo adversário, a concretização do seu jogo depende, neste Sporting, do acerto em contratações e regressos a casa que transformaram a sustentabilidade dos verde e brancos. Pedro Gonçalves, pelas diferentes facetas do seu jogo, Pedro Porro, pelo enquadramento ideal na missão ofensiva, João Mário e João Palhinha, como dupla que oferece um misto de desenvolvimento e segurança no corredor central. Concretizar esta ideia é também uma consequência da curta carreira de Rúben Amorim no futebol. Neste ano, já se perceberam algumas equipas a encontrar formas de reter a superioridade do Sporting, no povoamento defensivo e no ataque, em velocidade, às faixas livres do momento defensivo. Mas de forma insuficiente, até agora, para lhes retirar a liderança.

2º Ganhar enquanto projeto

A base de sustentação do Benfica é muito diferente daquela onde assenta o Sporting. A história recente dos encarnados, sobretudo no consulado de Luís Filipe Vieira, baseia-se na ideia de uma superioridade que se mede pelas vitórias. Ganhar enquanto projeto de um clube pode ser uma ideia que assenta bem na grandeza tradicional do emblema da Luz, mas é uma política que, em vários momentos, toca a insustentabilidade, como tem vindo a ser notório nos tempos mais recentes. De alguma forma, o “ganhar” evoluiu para um “ganhar como” e é aí que o regresso de Jorge Jesus encontra sustento. Quebrou-se, no entanto, uma linhagem que vinha sendo essencial para a constante renovação do projeto de jogo dos encarnados. Enquanto o primeiro Jorge Jesus chegou à Luz enquanto novidade, tal como Rui Vitória o fez na sua primeira temporada, ainda que noutros termos, tal como Bruno Lage o representou na sua tomada da equipa principal, o segundo Jorge Jesus chegou enquanto promessa de passado. O ganhar encontrou, assim, um plano de oposição interna nessa busca de um regresso ao lugar onde se foi feliz que, no futebol como na vida, tem sido base de enormes desilusões.

Jorge Jesus no dia da apresentação, com o presidente Luís Filipe Vieira e Rui Costa

3º Uma lição sobre como reforçar a equipa

O Benfica procurou os melhores e alcançou-o com a contratação de Darwín Núñez, não sendo por isso de espantar que nessa contratação tenha quebrado o recorde de jogador mais caro a chegar à Liga Portuguesa. Jorge Jesus tinha como condição neste seu regresso ter um plantel com os melhores jogadores disponíveis no país. Se o uruguaio cumpriu esse ponto, outros jogadores estão longe de o fazer. Everton e Waldschmidt já deram luzes dessa possibilidade, mas sem a capacidade para manter o mesmo ritmo. Vertonghen e Otamendi, apesar da qualidade, estão ambos num momento de quebra em relação ao seu historial. Mesmo dentro do conjunto de jogadores que já estavam na Luz, Grimaldo, Weigl ou Taarabt têm também sentido algumas dificuldades para encontrar o seu caminho de forma constante no ideário de Jorge Jesus. Por outro lado, até olhando para o outro lado da Segunda Circular, pressente-se que a estrutura de observação e avaliação de jogadores, onde o novo técnico deverá ter um peso enorme, não foi capaz de encontrar peças (como o fez o Sporting num mercado mais restrito) para alimentar o projeto do clube: o valor abstrato do “ganhar” e dos “melhores” pesa, e muito, nessa avaliação.

4º O calendário que não se faz, aproveita-se

Duas derrotas marcam negativamente o percurso do Sporting na presente temporada, LASK Linz e Marítimo, tendo no entanto aberto terreno para uma afirmação dos verde e brancos. O calendário não se faz, é certo, nem nenhuma equipa desta dimensão entra em campo para não ganhar, mas o Sporting teve a capacidade de transformar essas duas derrotas em tempo para recriar a sua aposta na principal competição do calendário nacional. A saída precoce da Liga Europa permitiu uma muito melhor gestão do período entre outubro e novembro, criando aí uma pequena vantagem física e mental – com a equipa a excluir-se de problemas pós-competições europeias que, de uma maneira ou de outra, afetaram os seus principais concorrentes – e, sobretudo, uma vantagem em termos de processo de evolução da equipa, com a possibilidade de formar um onze base mais claro e sem tanta necessidade de rotação na Liga. A derrota na Taça de Portugal volta a fazer o mesmo caminho. Por um lado, conquistando uma semana inteira de trabalho para preparar o dérbi e, mais à frente, podendo ainda beneficiar de duas semanas extra (somadas às semanas europeias enquanto Porto, Benfica e Braga se mantiverem em prova) que, no final da temporada, poderão ser o reflexo, em dias, da superioridade pontual na classificação.

Rúben Amorim nos festejos da conquista da Taça da Liga

5º Soluções em jogo

A “estrelinha” de Rúben Amorim tem entrado no vocabulário do futebol nacional com o próprio treinador a assumir a importância da sorte e, acima de tudo, o impacto de confiança que a sorte tem trazido à equipa. Os jogos da Final Four da Taça da Liga acentuaram a ideia, quer com os golos marcados na ponta final da partida frente ao FC Porto e na conquista da competição numa final marcada pela superioridade exibicional barcarense. A sorte esconde, no entanto, as soluções em jogo que o treinador leonino vem potenciando, nas rotações elaboradas em dois setores do terreno. Publicamente, Rúben Amorim falou da complementaridade da dupla Tiago Tomás / Sporar, mas essa ideia de duplas de jogadores para fazerem uma posição durante o tempo de jogo tem-se desenvolvido na forma de chamar Bruno Tabata ou Jovane na rotação dos interiores avançados, bem como na utilização de Matheus Nunes como complemento à dupla do meio-campo. Essa solução em jogo, clarificada e potenciada pelo calendário tratado no ponto anterior, acaba por reforçar todo o sucesso que a equipa vem alcançando até ao momento.

6º Na luta pela sobrevivência não se escreve teoria

Num podcast gravado para a Eleven Sports, na semana passada, com o treinador Hugo Freitas, da estrutura do SC Braga, este dizia-me: “o jogo é problemas e tu vais tentar ajudá-los [aos jogadores] a resolver esses problemas”. Num Benfica em modo de sobrevivência, o treinador parece menos interessado em assumir essa ajuda aos seus jogadores do que em procurar nos jogadores quem esteja mais capacitado para o ajudar a ganhar. Jorge Jesus tem experimentado novos desenhos de sistema, com a busca de um terceiro central em jogos onde a equipa procure outro tipo de equilíbrio a partir de trás, voltando a deixar a equipa num processo de construção sem plano. Da mesma forma que, num primeiro momento, tentou assimilar jogadores à sua ideia para a equipa, agora tenta encontrar esse mesmo caminho na eminente chegada de Lucas Veríssimo. Ainda que estando com o primeiro lugar no horizonte (o jogo de hoje é mesmo decisivo), com a continuidade na Liga Europa e na Taça de Portugal garantidas, este Benfica está muito longe da expetativa criada à sua volta e, por isso mesmo, sente-se atirado para uma luta de sobrevivência que não ajuda nada quem quer vencer. A importância dos três pontos de hoje não devem mascarar essa necessidade que se mantém viva na estrutura do Benfica.

O jogo entre Sporting e Benfica disputa-se, esta segunda-feira, a partir das 21h30 (hora de Lisboa).

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