O valor de Alcochete: o peso dos jovens no título do Sporting

Após 19 anos na fila, o Sporting voltou a rugir em Portugal. Sob o comando de Rúben Amorim, os Leões conquistaram o tão desejado troféu de campeão português, que teve um gostinho especial, porque fora à sua maneira, contando com participação decisiva de jovens formados na cultuada Academia de Alcochete.

Ricardo Quaresma, Luis Nani, Simão Sabrosa, Rui Patrício, Luis Figo, William Carvalho, João Moutinho, Paulo Futre e Cristiano Ronaldo são nomes portugueses e importantes do futebol mundial, que compartilham algo ainda mais em comum. Todos eles foram formados pelo Sporting Clube de Portugal, na famosa Academia de Alcochete.

Curiosamente, apenas Quaresma, dentre esses ícones, conquistara o Campeonato Português com a camisa verde e branca. No entanto, Luis Figo e Cristiano Ronaldo, que atualmente batiza com seu nome as camadas inferiores do clube, conquistaram a Bola de Ouro, um feito completamente inédito no país.

Da seleção convocada para a Euro 2021 por Fernando Santos, 7 dos 26 nomes foram formados pelo Sporting. No entanto, 8 dos 11 jogadores titulares que enfrentaram a França na final da Euro 2016, o maior título da história de Portugal, foram formados pelos Leões.

Enquanto o clube conta 23 títulos, oficialmente, a Federação Portuguesa de Futebol diz que o conquistado na atual temporada é o de número 19, que cabalisticamente combina com o número de anos de espera pela nova taça.

Embora pouquíssimos graduados em Alcochete tenham levantado o troféu do Campeonato Português, o prestígio das categorias de base do Sporting permanecera intacto aos olhos dos principais clubes compradores na Europa. Pautado em fortes trabalhos de captação e prospecção de talentos nas mais diversas camadas da academia, o clube sempre revela uma quantidade absurda de jogadores que acabam sendo campeões em outras ligas – muitas vezes mais fortes que a portuguesa – e jogadores de seleção principal.

Além dos citados logo no primeiro parágrafo, também foram revelados por Alcochete nomes do calibre de Adrien Silva, João Mário, Gelson Martins, Rúben Semedo, Daniel Podence, Miguel Veloso, Cedric Soares, José Fonte, Matheus Pereira, Eric Dier, Rafael Leão e Thierry Corrêa.

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Historicamente, o Sporting sempre recrutou jogadores visando a equipe principal de forma bastante rigorosa. Tanto que a partir dos 13 anos, o clube já separa um montante de atletas das escolas de formação (EAS) para a Academia de Alcochete, onde estão integradas todas as equipes de futebol, da base ao profissional. Antes de completarem 13 anos, as atividades direcionadas aos alunos são totalmente lúdicas.

A olho nu, pode parecer cruel que o clube já faça tão cedo a separação dos jogadores com potencial e que se enquadram no plano diretor da instituição. Porém, especialmente na última década, o Sporting utilizou-se de um método chamado follow-up, que visa observar esses garotos que treinaram no clube e que atingiram a idade máxima, mas que foram dispensados ou alocados em clubes parceiros/satélites.

Em tese, esse acompanhamento é importante, porque a maturação de cada criança varia ferozmente. Portanto, se o garoto era considerado bom, mas não tão bom para trocar de patamar, o departamento de scouting mantem o jovem no radar e acompanha seu desenvolvimento em outra esfera para um dia trazê-lo de volta ao clube leonino.

Além desses casos, o departamento de captação do Sporting possui o registro de jogadores que treinaram no clube apenas nos fins de semana, geralmente de outros cantos de Portugal, como Algarve, por exemplo. Essas clínicas (ou festivais, se preferir) são realizadas com frequência, ampliando ainda mais a área de recrutamento em solo lusitano.

Devido ao tamanho territorial diminuto de Portugal, os clubes precisam marcar presença em outras regiões lusófonas, principalmente em países como Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique. Inclusive, o Sporting recentemente firmou parceria com o Retrô Futebol Clube, de Camaragibe-PE, para uma cooperação técnica.

Ademais dos falantes da língua portuguesa, os clubes lisboetas se notabilizaram por abrigar e revelar jogadores estrangeiros e falantes de línguas completamente diferentes, como o inglês, norueguês, costa-riquenho, holandês, macedônio e até esloveno. Hoje, nas categorias de base do Sporting você encontra os casos de August Frobenius e Nico Skoglund, que são noruegueses, e de Tristan Hammond, que é australiano, como exemplos.

São várias EAS (Escolas Academias Sporting) espalhadas pelo globo. Segundo o clube, são mais de 6 mil jovens que militam em escolinhas nacionais e internacionais. Os principais objetivos do projeto são formação desportiva, expansão/fidelização da marca e descoberta de talentos. Por mais lúdicas que as atividades sejam, se você tem uma escola de futebol, você tem competição. Se você tem competição, você tem um adversário. Se você tem infraestrutura e especialistas na área de observação, você encontra outros talentos nos oponentes.

Esse processo é extremamente metódico e efetivo, especialmente para os jovens portugueses. A grande maioria dos jogadores sportinguistas nascidos no país estão no clube desde as escolinhas, conhecendo a filosofia desde pequeninos. Os que chegam de outras EAS já são direcionados diretamente para Alcochete, assim como os contratados de outros clubes ou recrutados de outros projetos. O sarrafo para o recrutamento no Sporting é alto, sempre visando jogadores com teto de desenvolvimento maior do que o dos jogadores residentes na academia, caso contrário não vale a pena investir e, obviamente, minar o tempo daqueles que estão sendo formados no clube há mais tempo. É um controle de qualidade quase fabril.

Chegando em Alcochete, a realidade dos atletas muda completamente. Há muita competividade, rigor e planejamento estratégico. São equipes juvenis, juniores e as equipes profissionais (Sporting e Sporting B, que disputa a segunda divisão) no mesmo local. A Academia Sporting foi o primeiro grande complexo em Portugal, antes mesmo da elogiada Seixal, do arquirrival Benfica. É uma tradição que corre desde 2002 na região de Alcochete.

Com uma infraestrutura de primeira linha, contando com três campos de futebol de grama natural, três campos sintéticos e uma quadra coberta de grama sintética, além de áreas de lazer, hotéis e refeitórios, o complexo do Alcochete é praticamente uma cidade particular para os profissionais do clube português.

É nesse ambiente que três pérolas da academia brilharam sob o comando de Rúben Amorim na temporada dos sonhos sportinguista. Nuno Mendes (29 jogos e 29 vezes como titular), Gonçalo Inácio (20 jogos e 15 vezes como titular) e Tiago Tomás (30 jogos e 16 vezes como titular) nem eram nascidos quando o Sporting empatou em 2×2 com o Vitória de Setúbal, em abril de 2002, no jogo que culminou no último título leonino. Mendes está no clube desde o sub-11, Inácio está desde o sub-12 e Tomás desde o sub-13.

Aliás, Nuno Mendes só não brilhou mais do que Pedro Gonçalves, 22 anos, que chegara para a atual temporada vindo do Famalicão. Inclusive, o ala-esquerda de 18 anos já fora convocado para defender a seleção portuguesa nas eliminatórias para a Copa do Mundo. Gonçalo Inácio, que passou a frente de Eduardo Quaresma, que encantou com a camisa do Sporting na temporada passada, fez gol decisivo e dera assistência na competição. Tiago Tomás balançou as redes apenas três vezes, mas mostrou ser um centroavante que arma jogadas e associa-se muito bem aos meias, criando espaços para infiltrações.

Amorim também utilizara, em menor escala, outras joias promissoras durante a campanha, como o zagueiro Eduardo Quaresma (2002), o volante brasileiro Matheus Nunes (1998), o exuberante meia-ofensivo Daniel Bragança (1999) e o ágil Jovane Cabral (1998). Nunes profissionalizou-se no Estoril Praia, mas fora contratado pelos Leões para a equipe B mesmo com poucos jogos. Bragança era considerado “baixo demais” para pular etapas, porém, as grandes performances também pela equipe sub-23 conquistaram o coração do atual treinador.

Quaresma e Cabral já viveram dias com mais protagonismo do que atualmente. O zagueiro já fora tema de uma coluna por aqui enquanto o extrema-direita vivera altos e baixos na confusão que parecia interminável no clube antes da chegada de Varandas e Amorim. Entretanto, ainda são jogadores jovens que podem recuperar a carreira em José Alvalade.

Falando em extremas, que é uma das maiores especialidades em Alcochete por conta da presença do futsal desde a EAS, Joelson Fernandes, 18 anos, é tratado como a maior joia do clube atualmente, mas que não fora utilizado na temporada 20/21 após debutar em 19/20 com o atual treinador. Envolto em um imbróglio contratual, o garoto nascido em 2003 fora “rebaixado” para a equipe B e sub-23, tendo disputado a Liga Revelação. Imagina-se que ele voltará para o time principal após renovar o contrato, pois trata-se de um talento raro. Fernandes é um extrema ágil, veloz, driblador e finalizador.

Caso Joelson demore a decidir a vida, o Sporting já tem engatilhado outra joia formada em Alcochete para ocupar as beiradas do ataque. Trata-se de André Gonçalves, 18 anos, pertencente a impressionante geração de 2003. Fisicamente privilegiado, o extrema de 1,78m é ágil, veloz e conta com uma enorme dose de criatividade, seja com o controle orientado ou em dribles rápidos e progressivos.

Toda a formação de Gonçalves, que nascera em Lisboa, foi feita no clube. Com passagens pelas categorias de base da seleção portuguesa, o promissor ponta-esquerda começou na escolinha do clube e hoje já se alinha com a equipe sub-23.

É o mesmo caso de Tiago Ferreira, filho do ex-jogador João Mamede, que nascera na Itália, mas que ingressara nas categorias de base do Leão em 2010. Ferreira pode jogar tanto como extrema-esquerda ou lateral-esquerdo, destacando-se pela velocidade e pelos gestos técnicos para bater na bola, sendo uma boa arma em bolas paradas.

Entretanto, as novas promessas de Alcochete vão muito além dos famigerados pontas. Dois meses atrás, Rubén Amorim lançou mão de Dário Essugo, de apenas 16 anos, na partida contra o Vitória de Guimarães. O garoto, que nasceu em 2005, substituiu o ídolo João Mário, que assim como ele é oriundo da academia. Essugo é um meio-campista completo, sendo capaz de combinar técnica com resistência física. Em outubro de 2019, Rodrigo Fernandes, 20 anos, também estreou jovem com a camisa leonina no meio-campo. Assim como Essugo, Fernandes é outro médio que traz dinamismo a equipe por sua técnica e resistência nos duelos. A dupla chegou ao Sporting com menos de 10 anos de idade e coleciona passagens pelas seleções de base de Portugal.

Opções mais ofensivas para o meio-campo? Samuel Lobato (2001) e Gonçalo Batalha (2002) são nomes para se ter em conta. O segundo está no clube desde sempre e é constantemente convocado para seleções de base. Ambos são armadores criativos.

E de centroavante? Youssef Chermiti (2004) é a principal promessa do clube nesse setor. Com apenas 16 anos e medindo 1,90m de altura, o gajo é filho de mãe cabo-verdiana e pai tunisiano. Entretanto, apesar da altura, Chermiti se destaca pela agilidade e tranquilidade na finalização. A imposição física deve ajudá-lo, mas taxá-lo apenas por isso será um verdadeiro erro.

Recentemente, os adeptos leoninos viram o crescimento de excelentes defensores da estirpe de Gonçalo Inácio, Eduardo Quaresma e Nuno Mendes. No entanto, Alcochete ainda tem algumas cartas na manga para o futuro próximo. Rodrigo Rêgo (2002) e Flávio Nazinho (2003) já fazem parte da equipe sub-23 do Sporting.

Rodrigo chegou ao clube em 2012 para frequentar a famigerada EAS e fora crescendo até se tornar numa referência defensiva igualmente para a seleção lusitana. Resiliente, trabalhador e muito qualificado na saída de bola, Rêgo atua como zagueiro central originalmente, porém, devido a baixa estatura (1,79m) ele tem se tornando uma bela opção como lateral-direito.

Já Flávio Nazinho é uma verdadeira força da natureza que atua como lateral-esquerdo. Se você ainda não se acostumou com a vitalidade e segurança de Nuno Mendes na equipe principal do Sporting, então prepare-se para Nazinho. Recrutado do Braga, o defensor português de 17 anos é um fenômeno na questão atlética e extremamente maduro na leitura do jogo. Equilibrado nas tarefas ofensivas e defensivas, Flávio enche os olhos de qualquer entusiasta do futebol devido a regularidade e responsabilidade na estratégia de jogo. Ele é outro atleta leonino que defende as divisões de base da seleção portuguesa.

A predestinação em revelar grandes nomes sempre será a marca do Sporting, sobretudo pela metodologia e alto-nível dos profissionais envolvidos – do recrutamento ao treinamento. Não existe “água milagrosa” ou “ar diferente”. Existe trabalho e constante aperfeiçoamento, que muitas vezes passavam batido pelas péssimas administrações da equipe principal.

Frederico Varandas, atual presidente do clube, possui grande mérito na remontada da equipe alviverde. Ele pegou um clube vindo de um episódio vergonhoso de ataque ao centro de treinamentos em Alcochete por integrantes encapuzados da principal torcida organizada, um clube com as finanças avariadas e jogadores insatisfeitos.

Varandas apostou na juventude da academia, pagou a multa contratual de Rúben Amorim no Braga e realizou contratações pontuais, especialmente de jogadores jovens (Pedro Gonçalves, Matheus Nunes e Pedro Porro, que veio por empréstimo do Man City). Há quem diga que a ausência de público nos estádios tenha sido benéfica para o Sporting, que sempre vive em ebulição, nesse momento de reagrupamento.

A bem da verdade, o talento estava ali, mas faltava alguém para acreditar. Que o Sporting siga valorizando sua capacidade inventiva e nos brindando com grandes referências técnicas no futebol.

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