Os segredos do Benevento de Pippo Inzaghi
Como Pippo Inzaghi está reaproveitando sua carreira de treinador no bom projeto do Benevento no retorno à elite
Definitivamente, se a temporada 2019–20 puder ser escrita na história de uma família no futebol italiano, essa família é a Inzaghi. Se Simone com menos recursos que seus rivais colocou a Lazio para brigar por Scudetto, na Serie B o destaque é seu irmão “mais famoso” nos tempos de jogador: Pippo Inzaghi.
Pippo faz sucesso por conta de um Benevento que bateu recordes. Chegou a ser chamado de “o Liverpool da Serie B”, em alusão a campanhas semelhantes do time campano e dos Reds na Premier League, respectivamente.
Tudo para o retorno à elite dos giallorossi, que começou “trágico” na derrota dos playoffs da Serie B de 2018–19 contra o Cittadella, em que após ficar em 3º na competição, nas semifinais o time venceu no jogo de ida por 2–1 fora de casa e sofreu uma trágica derrota por 3–0 em pleno Ciro Vigorito.
Para mudar tudo e voltar a elite depois de dois anos, o Benevento precisava se reencontrar em relação a equipe que subiu pela primeira vez em 2016–17. Escolheu um treinador que precisava se reencontrar de um projeto que não deu certo no Milan, e de outro fracasso, especialmente no Bologna, em 2018–19, com os campanos acreditando em um bom trabalho como o feito no Venezia, que chegou a levar o time aos playoffs da B em 2017–18.
Filippo Inzaghi como treinador pode ser um caso curioso a se explicar: afinal de contas, ele, fazedor de gols por excelência na carreira de jogador em Atalanta, Juventus e Milan, virou um treinador defensivista. Tanto que quando assumiu o Bologna, chegou a declarar que o time dele “deveria se inspirar no Atlético de Madrid de Simeone, que pode não ser bonito de ver, mas todos lutam e combatem”.
Sua experiência pode não ter dado certo no Bologna na elite, mas a base de seu projeto por lá, estão sendo aplicadas no Benevento na Serie B. As ideias de jogo podem não ser propriamente iguais aos do “cholismo” de Simeone, mas o time conseguiu por várias vezes transformar tudo isso em grandes vitórias e em episódios favoráveis a Bruxa, como é conhecido o time campano.
A capacidade de defender posicionalmente mesmo em fases longas permite que Benevento seja de longe a melhor defesa de B com apenas 15 gols sofridos, quase metade da segunda melhor defesa (Frosinone, 27 gols sofridos). Um resultado excepcional, mesmo que não quebre o recorde histórico, que pertence ao Genoa de 1988–89, de apenas 13 gols sofridos em um campeonato de 20 equipes na Serie B.
Mas como se construiu isso? Desde o começo do trabalho, o Benevento mostrou o claro desejo de proteger sua metade do campo com ordem, iniciando os 13 primeiros jogos com um 4–4–2 que se caracteriza por não organizar uma pressão intensa no cenário por baixo da equipe adversária, mas também renunciando as fases de re-agressão em áreas altas do campo após a perda de posse, deixando no máximo iniciativas individuais dos adversários.
O exemplo fica nessa imagem do jogo contra o Chievo, um dos adversários diretos na luta pelo acesso: com uma bola perdida no ataque, o Benevento não faz uma pressão coletiva nos adversários, mas a pressão não coordenada dá resultado e o espaço de Di Noia, do Chievo, é reduzido.
Especialmente desde que começou a adotar o 4–4–2, o Benevento manteve o sistema de defesa em bloco baixo. A baixa propensão a pressionar também se deve às entregas da linha defensiva: Inzaghi pede a seus defensores mais do que encurtar os espaços de fuga dos atacantes, ele pede que se encurte as inserções em profundidade dos atacantes e quase nunca tentando fazer a famosa linha de impedimento.
Um dos exemplos e destaques deste sistema é Caldirola, de 29 anos, que teve experiência por muito tempo em outros setores da defesa, como na lateral-esquerda, por onde jogou por anos na Alemanha, especialmente no Werder Bremen, até o seu retorno a Itália, em janeiro de 2019, para jogar no Benevento.
Caldirola tem liberdade pra avanços até certo ponto, para aproveitar suas qualidades ofensivas, o que ajuda na saída de bola. Sua liberdade mostra como a defesa de Benevento tem uma forte orientação sobre uma marcação homem-a-homem, em vez de manter uma linha compacta.
Essa estratégia de marcação homem-a-homem aprimora a aplicação e a concentração individual dos companheiros de time, e que, pelo menos em nível conceitual, simplifica o trabalho dos defensores, o que mostra um pouco dos conceitos simples de jogo de Inzaghi.
Se na fase defensiva os conceitos de Pippo Inzaghi são simples, não poderia se esperar algo diferente no ataque. O treinador pediu um jogo mais vertical, mas por outro lado, sem a estratégia de reagressão, comum a equipes de jogo vertical e que jogam de maneira direta.
Na fase ofensiva, o Benevento sobe, principalmente ao servir o matador Massimo Coda com bolas verticais, para aproveitar as habilidades do seu centroavante de costas pro gol, pensando no pivô. Suas recepções e pivôs muitas vezes desencadearam combinações centrais que envolveram o segundo atacante, seja Marco Sau ou Roberto Insigne (irmão do napolitano Lorenzo), e os dois jogadores do meio-campo.
Especialmente meias e atacantes como Insigne e Kragl se aproveitam deste jogo e, começando pela direita, podem receber no meio-campo e aproveitar a qualidade da faixa esquerda procurando espaços adversários para criar ou para conclusões ao gol.
A arrancada do Benevento começou principalmente por esses fatos de Coda. Especialmente na primeira parte da temporada, graças à sua visão de jogo e suas habilidades técnicas, Coda foi eficaz: sejam em cabeçadas, apoios curtos ou aberturas laterais, mas também bolas protegidas que exploram força e habilidade físicas.
Para usar o corpo, o atacante central criou muitas jogadas para Benevento. Muitas vezes, ele também era bom em sentir o corte de um companheiro atrás dele e servi-lo quase às cegas, especialmente com toques de cabeça, a popular e conhecida “casquinha”, mostrando uma grande inteligência tática individual e uma boa organização coletiva.
O mais curioso, é que essa não foi a melhor temporada numericamente para Coda, sendo “apenas” 7 gols até aqui pelo Benevento na Serie B, contra incríveis 22 gols marcados em 2018–19, o que mostra também um efeito de um jogo direto, e que no início, era mais pragmático. Até uma mudança de esquema tático.
Na partida contra o Crotone, na 14ª rodada da Serie B, também em duelo direto na luta pelo acesso, Pippo Inzaghi se mostrou mais “flexível” quanto a certos padrões ofensivos que não permeiam seu jogo, embora não tenha aberto mão em nenhum momento dos aspectos de sua fase defensiva, com uma mudança tática para a formação de 4–3–3.
Sem abrir mão da solidez, por simples precauções, o Benevento tornou-se uma equipe capaz de pressionar melhor em algumas situações específicas. Contra defesas com três zagueiros, Inzaghi pede que seus atacantes se orientem pelos lados adversários, esperando como oportunidade para uma passe lateral para trás e tentando pressionar e tomar esse passe, como nessa foto do jogo contra o Perugia.
Contra defesas mais “comuns”, em linha de quatro, como são frequentes no futebol atual, é pedido aos meias e pontas que pressionem as laterais quando recebem um passe lateral, enquanto na defesa central os dois meias saem, deixando a partir daí, do meio para a frente, espaços livre de marcação para ocupar os espaços e criar.
A mudança para o 4–3–3 mudou mais algumas dinâmicas de posse. Com o passar dos jogos, o time de Inzaghi limitou cada vez mais a busca pelo jogo vertical em direção ao centroavante, ou seja, em Coda. A subida do campo foi confiada principalmente às recepções nos espaços médios dos dois pontas: Improta e Sau na esquerda, e Kragl e Insigne à direita.
Os dois pontas-direita provaram ser uma arma incrivelmente eficaz para Inzaghi: Kragl é um jogador mais poderoso, mais capaz de ganhar jogadas de corpo em espaços apertados e com qualidade nas finalizações, sendo mais incisivo no ataque, enquanto para Insigne o controle da bola é preferencial e melhor para fazê-lo entrar no jogo, mesmo em espaços apertados, graças à capacidade de manter a bola colada no pé esquerdo. Ambos são canhotos e que sabem jogar com o pé direito: uma sonho para Inzaghi desde seus primeiros jogos como técnico do Milan.
Essas jogadas, especialmente de seus pontas, fizeram o Benevento não apenas melhorar seus resultados, como marcar mais gols, e isso já foi sentido no mês de dezembro, com poucos jogos de 4–3–3, com as goleadas sobre Trapani (5–0), em 6 de dezembro, e Ascoli (4–0), em 29 de dezembro.
O Benevento de Inzaghi aprimorou gradualmente os movimentos ofensivos, criando rotações de jogadores cada vez mais sofisticadas que também envolvem os três homens de meio-campo para evitar as marcações dos adversários. O resultado foi um futebol mais elaborado, que deu mais segurança ao time na fase de posse e melhorou sua fase ofensiva.
Estes três homens de meio-campo, o veterano Schiattarella, de 33 anos, que “chegou mais tarde” na temporada se recuperando de um problema físico que o deixou de fora até outubro, que comanda o meio ao lado de Viola e Hetemaj, foram os destaques do time.
Schiattarella é tido como o meia que comanda o ritmo, pois, embora tenha um passe menos refinado que o de Viola, a sua movimentação dá mais espaço e liberdade ao talento de Nicolas Viola, de 30 anos, que finaliza e cria melhor, e pode jogar sem grandes preocupações no ataque, e Schiattarella auxilia bem os companheiros na troca de passes e na saída de jogo, como na imagem abaixo, diante do Cosenza:
Por outro lado, o time tem alguns problemas com o jogo pelas pontas fora de seus atacantes, e muito se deve ao apoio (ou a falta dele) por parte dos laterais, muito porque também o time procura centralizar seu jogo, com atacantes tendem a ocupar mais corredores centrais, e também pelas características de seus laterais.
No lado direito, o veterano Maggio, de 38 anos, não possui mais as qualidades atléticas e aeróbicas dos seus melhores tempos que o fizeram ídolo no Napoli e convocado frequentemente para a seleção italiana, o que faz o Benevento ser o time que menos cruza do lado direito, enquanto na esquerda Letizia, embora dotado de progressão e resistência, atua com o pé invertido, sendo destro.
O texto de Federico Principi ao L’Ultimo Uomo, que trata sobre os números deste Benevento, e que é a referência para esta coluna, explica algumas dessas estatísticas e que demonstram o crescimento de qualidade do time da Campânia:
O jogo que representou o ponto de virada no jogo [do Benevento] foi o segundo enfrentado com o 4–3–3, o jogo fora em Veneza, no dia 30 de novembro. A partir desse momento, muitas estatísticas do Benevento mudaram, para testemunhar também com os números a evolução da equipe de Inzaghi. Aqui estão alguns fatos interessantes:
A média da temporada de passes do Benevento é de 374,84 passes por jogo. Essa média foi excedida apenas 5 vezes em 13 jogos (38%) antes de Venezia-Benevento e, em vez disso, foi excedida 12 vezes nos últimos 19 jogos (67%).
Os passes por jogo do Benevento aumentaram e também foram encurtados: o “comprimento médio” da temporada é de 21,1 metros e foi excedido 9 vezes nos primeiros 13 jogos (69%) e apenas 7 vezes nos últimos 18 (39%).
Após o feriado de Natal, Benevento em 12 jogos excedeu em 9 vezes a média da temporada de posse (48,36%). Nas três vezes em que não obteve sucesso, permaneceu duas vezes com dez homens prematuramente (contra Cosenza e Juve Stabia).
A produção ofensiva aumentou: a média de cruzamentos por jogo (15,9) foi excedida 4 vezes nos primeiros 14 jogos (29%) e 11 vezes nos últimos 17 (65%).Consequentemente, os chutes feitos também aumentaram: a média (14,1) foi excedida 4 vezes nos 13 primeiros jogos (31%) e 10 vezes nos últimos 18 (56%).
Obviamente, os gols também aumentaram: a média da temporada é de 1,81 por jogo, excedendo-a em uma partida apenas 4 vezes nos primeiros 12 jogos (33%) e depois disso, a média de gols foi excedida 12 vezes nos últimos 19 (63%), ou seja, desde o primeiro dia de 4–3 -3 em diante.
Depois do acesso e do título da Serie B confirmado, a Bruxa espera o início da temporada 2020–21 para tentar fazer melhor que na sua temporada na elite, em que teve problemas no início, chegando a ficar 14 jogos sem ganhar em 2017–18, mas melhorou e até sonhou com a permanência com o bom futebol após a contratação de Roberto De Zerbi.
Com essa volta a elite, o presidente Oreste Vigorito e sua diretoria esperam ter o caminho para a permanência, que será um grande objetivo. O mercado dá a entender que a aposta do Benevento será em veteranos, com a manutenção de alguns nomes da equipe que sobe com o time, e com outras contratações, como o polonês Glik (ex-Torino e Monaco) para a zaga, e Loic Remy (ex-Chelsea) para o ataque.
O Benevento pode se apoiar nas apostas para os veteranos tendo em vista que a melhora da Bruxa no segundo turno de 2017–18, onde chegou a pontuar para sonhar com uma escapada e com direito a uma vitória sobre o Milan em San Siro, foi conquistada através de veteranos como o brasileiro Sandro (ex-Tottenham e Internacional, atualmente no Goiás), o malinês Diabaté (ex-Bordeaux) e o francês Sagna (ex-Arsenal e City).
A aposta no planejamento já iniciado para a próxima Serie A deve ser centrada em um futebol mais simples, com todas as características de Inzaghi, e dessa vez, reaproveitando a juventude de alguns jogadores, porém, dessa vez com um mercado apostando novamente na experiência de alguns veteranos contratados, como o time da Campânia dá a entender.
E quanto a Filippo Inzaghi, vale o destaque do trabalho do Benevento ser uma das grandes marcas de sua ainda curta carreira como treinador. Ele não apenas se mostrou capaz, como poucos outros, de entender os percalços da Serie B, mas a medida em que as vitórias e a segurança dos pontos conquistados foram acontecendo, ele conseguiu construir um futebol cada vez mais eficaz, mesmo na fase ofensiva, onde seus trabalhos pecaram nos últimos anos.
Será que o Benevento conseguirá manter seu projeto na elite do futebol italiano? E Filippo Inzaghi, conseguirá ter sucesso como treinador na elite como conquistou na Serie B, e como seu irmão Simone tem tido na Lazio na disputa da Serie A?
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