Entre a lenda e a antipatia: a história da Puskás Akadémia

Ferenc Puskás é um dos maiores nomes da história do futebol, sendo o líder dos "Mágicos Magiares" na década de 1950. Sob o nome da maior referência futebolística do país, a Puskás Akadémia procura seu espaço em meio a lenda e a antipatia de outros torcedores.

Fundada em 2005, a Puskás Akadémia vai participar pela segunda vez consecutiva de uma competição europeia em 16 anos de existência. Após terminar em terceiro lugar na NB 1 da temporada passada, em 2019/20, o clube da elite húngara havia conquistado, de forma inédita, uma vaga para disputar a fase preliminar da Liga Europa. Restando apenas seis rodadas para o término do campeonato atual, o Puskás FC, que ocupa o segundo lugar, tem 13 pontos de vantagem para o quarto colocado, o MTK Budapest, que briga pelo terceiro posto com o Fehérvár, o antigo Videoton.

Falar de qualquer coisa relacionada ao futebol húngaro sem instigar o saudosismo é praticamente impossível, sobretudo por conta do homenageado. Ferenc Puskás nasceu em 1º de abril de 1927, em Budapeste, capital da Hungria, e se tornou figura proeminente do lendário Budapest Honvéd, na época time do exército húngaro, onde jogou de 1943 até 1956, marcando 358 gols em 350 partidas. De 1958 a 1966, Puskás vestiu a camisa branca do Real Madrid, sua segunda e última equipe oficial. Apelidado de Pancho pelos torcedores blancos, ele marcou 156 gols em 180 jogos pelo gigante espanhol.

O “Major Galopante” liderou os “Mágicos Magiares” ao vice-campeonato mundial de 1954, quando perderam a final para a Alemanha, no famoso “Milagre de Berna”, na Suíça. Puskás também chegou a vestir as cores da seleção espanhola por meia dúzia de jogos no final da década de 1960 antes de se aposentar e virar treinador de futebol. O maior feito do ícone húngaro no banco de reservas foi levar o Panathinaikos ao vice-campeonato da antiga Copa Europeia de 1970/71 – que posteriormente seria chamada de Liga dos Campeões -, quando perdera a final por 2×0 para o Ajax de Rinus Michels.

Ferenc Puskás faleceu em 17 de novembro de 2006 por conta de uma pneumonia. Além disso, El Pancho também sofria de Mal de Alzheimer, tendo sido diagnosticado com a doença em 2000. A Puskás Akadémia fora fundada meses antes do falecimento de Ferenc com o intuito de servir de categoria de base para o então conhecido Videoton, que por motivos autorais hoje se chama Fehérvár. Um detalhe importante para as próximas linhas: o Videoton/Fehérvár é o time de Viktor Orbán.

Depois desse preâmbulo todo as coisas começam a se encaixar. O Fehérvár é da cidade de Székesfehérvár e o que hoje conhecemos como Puskás Akadémia é da cidade de Felcsút, uma vila com pouco mais de 1,800 habitantes. Ambas são próximas entre si, mas estão a uma distância mínima da capital Budapeste – você levaria 35 minutos para chegar em Budapeste saindo de Felcsút. E isso é um ponto extremamente importante, por mais irrelevante que possa parecer a olho nu.

Com uma arquitetura extremamente moderna, com direito a detalhes em madeira, o controverso Pancho Aréna não é apenas a casa da Puskás Akadémia. O estádio também abriga os jogos das seleções de base da Hungria, torneios internacionais e serviu de casa temporária para o Fehérvár FC antes da construção do Sóstoi Stadium. Foto: Puskás Akadémia.

Ferenc Puskás nunca jogou e muito menos pisou em Felcsút, tendo zero relação com a pequena vila. Apesar de legalmente ter o direito de utilizar o nome da lenda, o clube é deveras infame entre os apaixonados por futebol no país. Desde 2007, quando deixou o objetivo inicial, que era de ser a academia do Fehérvár para virar um centro de desenvolvimento para as jovens estrelas do futebol húngaro, o clube carrega o nome do maior jogador do Leste Europeu de todos os tempos.

E é nesse momento que a política começa a entrar na história. Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, passou boa parte de sua infância na vila de Felcsút, tendo jogado futebol amador ali. Inclusive, existia o Felcsút FC, uma simplória academia para jovens jogadores da região, mas que posteriormente fora absorvido pela Puskás Akadémia.

Outro motivo para a infâmia do PAFC (a sigla do clube) é justamente o envolvimento político não apenas de Orbán, mas de um círculo de gente rica e abastada, que utiliza as instalações do clube para o famigerado “alpinismo social”.

O suntuoso estádio Pancho Arena (apelido em espanhol para Puskás) tem capacidade para 3.816 pessoas, ou seja, o dobro da quantidade de habitantes da cidade. Obviamente, pouquíssimas pessoas o frequentam, dando ao PAFC a segunda pior média de público na liga. A arena fora supostamente erguida com dinheiro de “firmas húngaras”, porém, ela recebera o apelido de “Monumento a Corrupção e Megalomania Política” pela oposição.

O dono da Puskás Akadémia é o ex-prefeito da cidade de Felcsút, Lörinc Mészáros, que fora apontado pela Forbes como o homem mais rico da Hungria. Em 2017, o empresário teria declarado que sua riqueza existia por conta de três fatores: “Deus, sorte e Viktor Orbán”. Mészáros é um dos nomes mais influentes do Fidesz, partido político criado por Orbán, que tinha começado no liberalismo, mas que há muito tempo é de extrema-direita, ditando o ritmo das coisas no país desde o final dos anos 1990. Em 2019, uma matéria do The Guardian concorreu ao European Press Prize por uma reportagem especial que detalha o envolvimento do primeiro-ministro no futebol para controlar as massas. Você pode lê-la aqui.

O projeto esportivo levou tempo para engrenar, com a equipe principal atingindo a elite na temporada de 2013/14, porém, que sofrera com um rebaixamento duas épocas adiante em 2015/16. O desempenho se tornara mais consistente no retorno, em 2017/18. Todavia, mesmo com todo o investimento pesado na estrutura das divisões inferiores, a premissa de ser um lar para os novos craques húngaros não é vista na prática.

São pouquíssimos os jogadores criados no clube que participam regularmente da equipe principal, o que corrobora para o ódio dos torcedores de outros times, principalmente dos mais tradicionais – que tiveram seus estádios reformados com dinheiro público. Na atual temporada percebe-se uma melhora nesse quesito, mesmo que a média de idade seja de 27 anos. O plantel é praticamente formado por jogadores locais experientes e estrangeiros de países vizinhos.

Dois titulares da Puskás Akadémia, Laszlo Deutsch (22 anos) e Tomás Kiss (20 anos), foram convocados por Zoltan Gera para a seleção sub-21 que disputou a fase de grupos da Euro. Martin Auerbach, goleiro reserva de 18 anos, também foi convocado, porém, ao contrário dos citados anteriormente, ele é o único que fora criado na canteira do clube.

Embora esteja caminhando a passos de formiga, uma das maiores promessas do país é justamente jogador da Puskás Akadémia. Trata-se de György Komáromi, 19 anos, que atua pelas extremas. Canhoto, veloz e resistente, a prata da casa fizera seu primeiro jogo como profissional no momento mais glorioso – e crítico – da recente história da agremiação.

Aos 61 minutos de jogo, quando o PAFC perdia por 2×0 para o Hammarby, da Suécia, pela fase eliminatória da Europa League da temporada passada, György Komáromi adentrou ao gramado da Tele2 Arena, em Estocolmo. Com um elenco assolado pela covid-19, a joia fez seu primeiro jogo oficial com as cores azul-amarelo de maneira acelerada. O resultado não foi bom, tendo terminado em 3×0 e com eliminação, mas a impressão foi tão positiva que Komáromi começara uma partida como titular três dias depois, contra o Újpest.

Com apenas 11 minutos, Komáromi recebeu passe profundo na extrema-direita, carregou a bola da ponta para dentro e mirou um petardo no ângulo de Filip Pajovic. Uma pintura, que poderia ter concorrido ao prêmio da Fifa que, curiosamente, carrega o nome da equipe. Teria sido uma coincidência monumental para as pretensões da Puskás Akadémia.

György Komáromi, embora não tenha sido convocado por Gera, é presença constante nas seleções de base, tendo sido importantíssimo na conquista do quinto lugar da Euro Sub-17, em 2019. Ele, inclusive, esteve no Brasil no Mundial da categoria no mesmo ano, anotando um gol na derrota por 4×2 para a Nigéria. Ao lado de Mihaly Kata, esse sim convocado por Gera para a Euro Sub-21, foram os nomes que mais chamaram a atenção no torneio pelos magiares.

Entretanto, a grande joia da base parece ainda não ter convencido o treinador Zsolt Hornyak. Komáromi é reserva, tendo participado de apenas sete partidas das 10 em que fora relacionado na temporada.

Há uma fé muito grande dentro do clube de que Komáromi, pelo menos, repita o sucesso de Roland Sallai, 23 anos, extrema do Freiburg, que até o momento é o grande nome revelado nas categorias de base da PAFC. Além de estar bem no clube alemão, o húngaro é um dos principais condutores da seleção principal comandada por Marco Rossi.

Tão impressionante quanto o campo de jogo é, de fato, a academia dos “Rifles”. Com equipamentos de última geração, as jovens promessas do PAFC possuem a melhor estrutura do país. Foto: Puskás Akadémia.

Ainda que o legado deixado pelos “Mágicos Magiares” seja um objetivo difícil de igualar, a missão da Puskás Akadémia precisa ir além das ambições de um estadista. Outros clubes húngaros se aproveitaram (e ainda se aproveitam) das conexões partidárias ao longo da história para crescer esportivamente, porém, poucos clubes do Leste Europeu possuem os mesmos recursos para desenvolver atletas de alto nível, portanto, os resultados precisam ser condizentes com a proposta. Com categorias que vão do sub-14 até a equipe B, os “Rifles” tem a disposição uma estrutura magnífica para, ao menos, tentar renovar o cenário.

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