A dimensão europeia do futebol português
Rio Ave e Sporting atuam quinta-feira no playoff da Liga Europa. A forma como as equipas portuguesas enfrentam os duelos europeus é colocada à prova num início de temporada marcado pela reconstrução dos projetos dos conjuntos lusos.
Tendemos a medir a capacidade das competições pela valia das equipas mais fortes, mas raramente a capacidade de um gigante de um determinado país dá uma ideia clara do que vale o futebol desse território. Os exemplos são vários. Na França, o PSG vive à margem das equipas que lutam pelo acesso à Europa. Em Itália, a Juventus tem sido brutalmente dominante. Na Alemanha, o Bayern é um caso à parte da realidade média dos clubes germânicos. Portugal não deixa de viver nessa mesma composição. A capacidade de FC Porto e SL Benfica, presenças regulares na Liga dos Campeões, não servem para medir a realidade dos outros clubes.
Aliás, as ausências do vice-campeão na fase de grupos da prova milionária nas últimas duas edições denotam uma incapacidade para garantir a presença através das fases eliminatórias. Isso pressente-se sobretudo pelo facto da equipa portuguesa que participa nestas fases iniciais o fazer como “derrotado”. Na época passada, o FC Porto tinha perdido o título quando teve que enfrentar o Krasnodar ainda em processo de integração de novos reforços. Esta temporada, apesar do avultado investimento, o Benfica passou pelo mesmo, situação agravada pela condicionante de tudo se decidir no terreno do adversário, os gregos do PAOK. Numa semana em que Rio Ave e Sporting decidem a sua presença na fase de grupos da Liga Europa, medimos as suas capacidades para enfrentar o jogo decisivo.
Confronto com a história
A equipa orientada por Mário Silva realizou já duas rondas pré-eliminatórias antes de receber o AC Milan na próxima quinta-feira. Ultrapassado sem dificuldades o Borac Banja Luka, da Bósnia-Herzegovina, o Rio Ave já fez história ao bater o Besiktas no desempate por pênaltis. O plantel perdeu três referências importantes em relação à época passada. O avançado Taremi assinou pelo FC Porto, o extremo Nuno Santos transferiu-se para o Sporting e o médio de contenção Al Musrati joga agora no Braga com o treinador Carlos Carvalhal, que garantiu este apuramento. Ainda assim, a equipa apresentou-se nas duas partidas europeias apenas com dois reforços no onze titular.
É ainda cedo para entender grandes mudanças no comportamento do conjunto vilacondense, parecendo evidente que, nesta primeira fase da temporada, a segurança de posicionamento em campo seja primordial para o novo treinador. Integrar um novo jogar perante os jogadores disponíveis é o essencial. O quarteto defensivo apresenta uma das novidades, o lateral-direito Ivo Pinto, com a equipa a recorrer muitas vezes à presença do outro lateral, Matheus Reis, na primeira fase de construção. Os centrais Borevkovic e Aderllan Santos dão segurança com bola. Na dupla de médios composta por Filipe Augusto e Tarantini estará uma das fragilidades da equipa, sobretudo em momentos de maior pressão. A equipa tende a quebrar nessa fase de ligação.
O trio de médios ofensivos tem grande importância na forma como a equipa atua. Francisco Geraldes, vindo do Sporting, é o cérebro do conjunto, dando muita qualidade no controlo com bola. Sendo relativamente frágil no duelo físico, precisa de procurar espaços mais recuados, o que pode fazer com a equipa não se consiga instalar tanto nas proximidades da área. Lucas Piázon, a partir da direita, com liberdade para também surgir no meio, e Carlos Mané, um talento que demora a confirmar rotação para o mais alto nível, são elementos preponderantes no desequilíbrio. Com as saídas sentidas no plantel, Bruno Moreira subiu a titular e é a opção para ponta-de-lança.
A primeira parte frente ao Besiktas revelou uma equipa a oferecer demasiado espaço ao rival e a sofrer as consequências disso mesmo, apesar de só ter sofrido um golo. A segunda parte, no entanto, com as sucessivas chamadas de Diego Lopes, Jambor e Meshino ao campo, mostraram uma equipa mais capaz de competir. Será esse o objetivo de Mário Silva na receção ao AC Milan no Estádio dos Arcos, uma visita mítica que, infelizmente, contará com as bancadas vazias para tentar escrever mais uma página de história.
Florescer em modo sobrevivência
O Sporting é outro processo em reformulação, depois de ter tido quatro treinadores na época passada, o último dos quais, Rúben Amorim, já com vista à preparação da temporada 2020/21. Ter ficado em quarto lugar pesou na definição do calendário deste início competitivo, mas o principal fator de desestabilização acabou por ser o coronavírus, que obrigou ao adiamento de um jogo de preparação e da jornada inaugural da Liga Portuguesa frente ao Gil Vicente. Ainda com limitação na escolha de jogadores, Rúben Amorim, que também está de quarentena, orientou à distância os jogos com o Aberdeen (3ª pré-eliminatória da Liga Europa) e Paços de Ferreira.
Apesar de ter utilizado o mesmo onze, as dinâmicas observadas num e noutro jogo acabaram por ser diferentes. A equipa atuou com muito mais recato frente ao Aberdeen, até pelo teor eliminatória do encontro, jogando a uma velocidade baixa e tentando gerir a vantagem alcançada bem cedo. Perante o Paços de Ferreira, e após algumas dificuldades devido à pressão alta do rival, já se percebeu melhor como quer Rúben Amorim explorar as qualidades dos jogadores que tem disponíveis. O que merece maior destaque é a ausência de um ponta-de-lança de raíz nas escolhas do técnico, que forma um trio com muita mobilidade tendo Jovane mais vezes no corredor central, com Vietto e Tiago Tomás no apoio.
No meio-campo, Wendel tende a ser o dínamo de toda a equipa, forçado a trabalhos extras pela falta de intensidade posicional que Matheus Nunes vem revelando neste seu ano de estreia a titular. As ausências de Pedro Gonçalves e João Palhinha poderão explicar parte dessas carências. Os dois laterais utilizados dão, sobretudo, projeção ofensiva, com Pedro Porro a demonstrar que vive melhor em sistemas de três centrais e Nuno Mendes a demonstrar que poderá ser um lateral de nível europeu no futuro próximo. A sua qualidade ofensiva é notória. Defensivamente, aproveita a capacidade física que revela para ganhar tempo para evoluir. Os centrais têm em Coates a sua principal referência, com Neto a ser acertado no momento defensivo, mas revelando carências com bola, e Feddal ainda a revelar falta de andamento para conter adversários mais rápidos. Na baliza, o experiente Adán chegou para somar.
Frente ao LASK Linz o Sporting enfrenta um fantasma da época passada. Em dois jogos na fase de grupos da Liga Europa, os Leões de Lisboa foram triturados pela qualidade de jogo da equipa austríaca. Em casa, ainda assim, conseguiram uma vitória. Fora acabaram derrotados por 0-3. Tendo perdido o extremo Frieser e o ponta-de-lança Klauss, o LASK será um adversário muito exigente para uma equipa que ainda está a dar os primeiros passos. Mas a dimensão europeia das equipas portuguesas tem cada vez mais no início de temporada uma das suas provas de fogo. O Sporting espera não se queimar.
Aprendizagens, expetativa e tempo
A derrota do Benfica no campo do PAOK custou o acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões e transformou, já, a maneira como Jorge Jesus esperava formar o seu plantel. A saída de Rúben Dias para o Manchester City tenta compensar financeiramente esse falhanço, numa equipa que terá todas as condições para fazer uma Liga Europa de qualidade. Por seu lado, o SC Braga de Carlos Carvalhal começou a época com duas derrotas e aposta no tempo que vai ter até entrar em campo na Europa para conseguir assumir a responsabilidade do terceiro lugar da época passada. O panorama que enfrenta no sorteio da próxima sexta-feira até o poderá deixar no Pote 1, o que lhe permitirá evitar algumas das equipas mais fortes.
O FC Porto será a única portuguesa na fase de grupos da Liga dos Campeões e Sérgio Conceição conta com a aprendizagem de anos anteriores para enfrentar esse desafio. Em 2018/19 foi eliminado pelo Liverpool nos quartos-de-final. Na época passada, caiu nos dezasseis-avos-de-final da Liga Europa frente ao Bayer Leverkusen. Curiosamente, no início da temporada, revelou as suas impressões desses dois confrontos numa longa entrevista ao Jornal O Jogo. “Encontrei no Leverkusen um adversário extremamente bem organizado, com jogadores fantásticos no que é interpretar o que o treinador queria. Uma equipa muito difícil de defrontar, porque aquilo que nós tempos por rotina, o não deixar o adversário jogar, eles faziam na perfeição. Até a forma de um médio, sem morder, só com o seu corpo, condicionava o nosso jogador era fantástica. Até mais do que o Liverpool, senti que o adversário era superior a nós”.
É esta a realidade com que as equipas portuguesas se confrontam nas provas europeias. Depois dos jogos de quinta-feira, ficaremos a saber quantas terão lugar entre os melhores na Liga dos Campeões e na Liga Europa.
Comente!