A explosão de treinadores estrangeiros no Brasil

Com a chegada de Gustavo Florentin, 7 dos 20 clubes da Série A possuem técnico estrangeiro; qual a linha tênue entre seu sucesso e os "fracassos" em solo brasileiro?

Nos últimos anos têm se visto um grande número de treinadores estrangeiros vindo para o Brasil. A chegada de comandantes de fora não é novidade, porém, a partir de 2019, houve uma explosão de gringos tomando o caminho do País do futebol. Alguns obtiveram grande sucesso (ou ainda estão obtendo), enquanto outros tiveram dificuldades e não conseguiram o resultado esperado. Com a recente chegada de Gustavo Florentin ao Sport, 7 dos 20 clubes da primeira divisão possuem um treinador de outra nacionalidade. 

Dos estrangeiros, dois ocupam o G3 da competição. E três estão na fase de quartas de final da Copa do Brasil. Além de Abel Ferreira, semifinalista e atual campeão da Libertadores da América (seu Palmeiras também é vice-líder do Brasileirão). O português atingiu uma constância imediata logo na sua chegada. Buscando sempre se adaptar a depender do adversário, Abel mostra ser um técnico bastante camaleônico. E já se tornou um dos maiores vencedores do alviverde no século XXI. 

Em terceiro lugar no Brasileirão, Vojvoda conseguiu ter um impacto rápido no Fortaleza. Dentro de todo o contexto que cerca o seu trabalho, algo a ser destacado é o histórico recente da equipe cearense. Nos últimos anos o Leão do Pici buscou treinadores capazes de obterem maior protagonismo com a bola. Passando por Marquinhos Santos, Antônio Carlos Zago e Rogério Ceni, a equipe manteve uma ideia base por várias temporadas. Mesmo com o ano de 2020 tendo fugido do padrão, com Ceni buscando uma equipe com mais poder defensivo e tendo menos a bola. AInda sim, existem algumas memórias visuais nos atletas da equipe. A utilização do goleiro com a bola, David mais avançado e focado em agredir próximo ao gol, o peso de Felipe com a bola. E claro, o argentino também colocou suas próprias ideias em conjunto com isso. A utilização de uma linha de 3 com a bola, a passagem de Romarinho para o meio, numa função mais entrelinhas, uma verticalização de todos os ataques. Tudo isso somado a um bom entendimento dos novos contratados fazem o Tricolor alcançar uma campanha até então histórica em 2021.

Porém, os exemplos positivos não ficam restritos apenas na primeira divisão. Chegando próximo da marca de 50 jogos no Coritiba, Gustavo Morinigo ostenta a primeira colocação da Série B com o Alviverde paranaense. Dono da segunda melhor defesa da competição, o Coxa tem como prioridade sua consistência defensiva, utilizando uma marcação zonal. Mas também possuindo bons mecanismos ofensivos, principalmente na ativação de Leo Gamalho no ataque. Os paranaenses podem ser considerados uma equipe bastante equilibrada. A campanha da segunda divisão não é o único ponto positivo no trabalho do paraguaio. Morinigo também encontrou em dois jovens (Igor Paixão e Natanael) duas peças vitais para o funcionamento coletivo se destacar. Além de estabelecer alguns lideranças técnicas no elenco (Henrique, Leo Gamalho, Robinho, etc). 

Sua trajetória no Brasil é bastante incomum, o treinador assumiu o comando  no final da Série A. Com o rebaixamento próximo, o Coritiba (que havia acabado de mudar sua gestão) resolveu trazer alguém para já preparar o trabalho visando a segunda divisão. Porém, um resultado inesperado abalou esse projeto. Com a eliminação precoce ainda na fase inicial do estadual, seu cargo esteve ameaçado. Porém, Gustavo foi mantido e conseguiu uma reviravolta durante a segunda divisão. Hoje líder, o treinador tem um dos trabalhos mais constantes do Brasil, que só foi possível devido a continuidade de seu trabalho em momentos adversos.  

Entretanto, e quando o treinador alcança resultados teoricamente positivos, mas com gastos extremamente elevados e alta expectativa? O argentino Jorge Sampaoli alcançou por dois anos seguidos o top3 no Brasileirão por duas equipes diferentes. Usando princípios de jogo de posição em seus times, o treinador do Olympique de Marselha extraia um futebol bastante agradável e fluído de seus comandados. Gerando algumas partidas bem animadas em território nacional. Contudo, Santos e Atlético Mineiro realizaram contratações agressivas a pedido do comandante. Em ambas equipes, Sampaoli teve apenas um ano de trabalho. Levando em conta todo o pacote de gastos e o rendimento, como se analisa o trabalho do argentino? Nesse caso específico, provavelmente se partirá para a subjetividade. 

Aproveitando o gancho do jogo de posição, dois treinadores com tendências posicionais tiveram problemas no Brasil recentemente. Curiosamente, ambos espanhóis, Miguel Angel Ramirez e Domenec Torrent assumiram Internacional e Flamengo, respectivamente. Enquanto Ramirez utiliza um jogo de posição, Domenec é mais adepto de ataques posicionais. O primeiro chegou ao Inter no início de 2020 com altas expectativas devido seu trabalho no Independiente Del Valle. Bastante ortodoxo com relação ao seu modelo de jogo, o treinador teve grande dificuldade em adaptar seu elenco para sua ideia principal. Com jogadores mais propícios a atuar em modelos que priorizem a reação, Ramirez não conseguia se enquadrar no contexto do Colorado. 

Alguns pontos negativos ficaram bem evidentes: o uso de laterais por dentro, quando seus comandados tinham mais características de fundo; Pontas mais focados em dar amplitude; e um Taison mais “preso”, sem liberdade posicional. Some-se isso a uma instabilidade ofensiva e uma defesa frágil. O espanhol viu seu trabalho ruir com o passar do tempo e foi desligado nas primeiras rodadas do Brasileirão.

Enquanto Domenec chegou no Flamengo com a gigante responsabilidade de substituir Jorge Jesus, após um trabalho estrondoso em Rubro-negro. O elenco permaneceu o mesmo do ano mágico de 2019, mas a grande questão com relação ao hispânico foi a enorme ruptura causada por ele. Enquanto Jesus se mostrou mais adepto de um jogo de aproximação entre os atletas no setor na bola, Torrent manteve suas ideias mais posicionais. Alterando algumas estruturas da equipe, o comandante conseguiu em algumas oportunidades atingir um rendimento satisfatório. Porém, a inconstância, principalmente na defesa, interromperam seu trabalho na equipe carioca.

A ideia de trazer mais treinadores de outros países é ótima. O intercâmbio sempre é válido e importante. O futebol na sua essência sempre esteve relacionado a essa miscelânea de culturas envolvidas. Porém é preciso ter cuidado. A criação do perfil “técnico estrangeiro” transfere antes de qualquer coisa uma responsabilidade maior ao profissional contratado, que muitas vezes termina criando uma expectativa danosa para a continuidade do trabalho. Além de em muitas oportunidades eles chegarem para causar rupturas grandes em comparação ao histórico recente dos clubes. Contextos e realidades de cada instituição somados as características de cada técnico são fatores que precisam entrar nas variáveis. Tal qual com treinadores nacionais. 

A grande questão é que a nacionalidade não pode ser um fator determinante. Pegando os principais exemplos positivos, pode-se notar algumas situações: continuidade de trabalhos anteriores e crença no projeto a longo prazo, por exemplo. O ideal é expandir o debate. O foco não deve ficar apenas nos treinadores (brasileiros ou não) mas sim em toda a situação que envolve o clube contratante e seus processos seletivos para a escolha de um treinador. O que faz a pergunta vir a tona: alguns clubes procuram técnicos estrangeiros ou os projetos que eles comandavam? A resposta da pergunta é o que molda toda a análise. 

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