A fábrica chamada Red Bull Salzburg

A atuação do clube transcende o futebol austríaco, reforçando equipes de toda a Europa não só com jogadores, mas com ideias.

Dietrich Mateschit, aos 38 anos, era diretor de uma empresa fabricante de pastas de dente. Aos 60 e poucos, virou dono da Red Bull, empresa de bebidas. A ideia era expandir os negócios para o esporte e tomá-lo uma ferramenta de propaganda; então, apostaram em tudo: esportes radicais, futebol freestyle, F1… E, em 2005, chegaram ao futebol.

Compraram o Austria Salzburg, clube que chegou a alcançar um vice da Copa da UEFA em 1994 e tinha um tricampeonato local. Mudaram não só o nome, como também as cores e o símbolo do clube, bastante tradicional no país. O antigo time não existiria mais, tinha chegado a hora do Red Bull Salzburg. 

O clube austríaco virou, de cara, uma potência no país. São dez títulos e quatro vices desde que mudou de nome, com jogadores que saem da equipe para as cinco grandes ligas do mundo (Bundesliga, La Liga, Premier League, Série A e Ligue 1). Todos com algo em comum: revendas altíssimas. O clube pensa na visão mercantilista do futebol, e utiliza Salzburg como um trampolim: se o jogador se adapta a cidade, pode jogar em qualquer outro lugar, já que está adaptado ao futebol do Red Bull. O clube se baseia em dois pilares: identidade de jogo e scout. Nada é por acaso.

Clube brincou, em suas redes sociais, com a quantidade de jogadores que passaram pela Áustria atuando no Liverpool

Identidade de jogo: gegenpressing como verdade

A empresa dona do clube tem o slogan “Red Bull: te dá asas”, e isso pode ser transportado para o campo. O clube precisa de jogadores que saibam marcar por pressão, adaptados ao jogo vertical e intenso, controlar profundidades em corridas defensivas e se guiar pela bola quando estão atacando. É o oposto do jogo posicional que perdurou durante quase uma década no futebol europeu.

O jogador observado pela equipe precisa ter isso na mentalidade — quem não cumpre a cartilha é diretamente descartado. O gegenpressing é a pedra filosofal no futebol do Salzburg. Tanto que o diretor de todas as franquias é Ralf Ragnick, um dos pais da filosofia de jogo que tem seu ápice com Jürgen Klopp. Mas ele não fez nada sozinho: teve as ajudas de Roger Schmidt no time principal por duas temporadas; enquanto a implementação na base ocorria pelas mãos de Ernst Tanner, que saiu em 2018 para ser diretor desportivo do Philadelphia, na MLS.

Hoje, com saídas de bola cada vez mais curtas e elaboradas, o jogo de pressão intensa é ainda mais utilizado. René Maric, treinador campeão da UEFA Youth League pelo Salzburg, hoje assistente do Borussia Monchengladbach, é adepto disso. Se pegarmos os jogadores formados pela equipe, a maioria deles tem essa característica: Sadio Mané, Naby Keita, Takumi Minamino e Mwepu. Três dos citados jogam no Liverpool atual. Coincidência? 

Mercado: olheiros por todo lado e comprar para vender

O Salzburg usa bastante seus olheiros, que não ligam para a nacionalidade. Aliás, nacionalidade costuma ser algo determinante em transferências. Um brasileiro custa mais caro que um chileno, um argentino mais que um colombiano e por aí vai. Logo que foi comprado, o clube não apostou em jovens de cara. As contratações deveriam ser com o pé mais no chão, segundo o presidente do clube — ajustar uma base para depois investir. O clube tem olheiros em todo mundo; usa estatísticas fortes e tem um índice de acerto, tanto em compras como vendas, grande. Abaixo uma tabela de negócios lucrativos que o clube fez da temporada 14-15 até a 19-20.

NomeClube originárioPreço (€) Clube compradorVenda (€)
Naby KeitaIstres (FRA)1,50 milhõesRed Bull Leipzig29,7 milhões
Sadio ManéMetz (FRA)500 milSouthampton23 milhões
Amadou HaidaraJMG Bamako800 milRed Bull Leipzig19 milhões
Munas DabburGrasshopers5 milhõesSevilla17 milhões
Xaver SchlagerFC Liefering400 milWolfsburg15 milhões
Jonathan SorianoBarcelona B500 milBeijing Gouan15 milhões
Diadie SamassekouFC Liefering300 milHoffenhein12 milhões
Hannes WolfBase0Red Bull Leipzig12 milhões
Takumi MinaminoCerezo Ozaka800 milLiverpool8 milhões

O clube é quase sempre certeiro em suas observações, e acaba obtendo lucro. O Salzburg é o encubador da franquia, e a “matriz” é a célula alemã. O objetivo é fazer do Leipzig um clube mundial; mas sem as outras equipes ao redor do mundo que são da franquia jogando o mesmo estilo, é um pouco mais difícil. A franquia mais próxima precisa de jogadores vindo da Áustria com adaptação e memórias de jogo que não os deixem sofrer na Bundesliga, caso acertem com o Salzburg. Os negócios de um para outro são para equilibrar as finanças e também manter o fio condutor no estilo de jogo. A média de idade do plantel do Leipzig é de 24 anos, e já tem gente com poder de revenda: Enock Mwepu e Patson Daka, prospectados na Zâmbia, Sekou Koita em Mali e Dominik Szoboszlai na Hungria. 

A coragem no mercado do Salzburg deve ser saudada, ainda mais por se tratar de um clube de liga periférica e em um país difícil de se adaptar. O clube não se importa em vender seus jovens, haja vista que o centro de treinamento das categorias de base sempre tem um ou outro jovem surgindo. O Salzburg não vai parar de revelar, prospectar e revender. Antes de ganhar, o projeto se preocupa com a montagem de jogadores. E a fábrica não para, que nem a bola.

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