ARDILES NA TRINCHEIRA
Por @viniciusof Entrincheirado, era assim que Osvaldo Ardiles se sentiu em abril de 1982, quando o ditador Leopoldo Galtieri ordenou uma invasão às Ilhas Malvinas, que desde 1933 estavam sob domínio britânico. Estar num país em conflito armado com o seu é um problema para qualquer um, mas para “Ossie”, como foi carinhosamente batizado em Londres, era […]
Por @viniciusof
Entrincheirado, era assim que Osvaldo Ardiles se sentiu em abril de 1982, quando o ditador Leopoldo Galtieri ordenou uma invasão às Ilhas Malvinas, que desde 1933 estavam sob domínio britânico. Estar num país em conflito armado com o seu é um problema para qualquer um, mas para “Ossie”, como foi carinhosamente batizado em Londres, era ainda mais embaraçoso. Venerado no Tottenham e ídolo da seleção nacional, por onde havia conquistado a Copa do Mundo de 1978, Ardiles se viu atado quando o conflito eclodiu. “O país que eu havia nascido estava em guerra com o país que havia me adotado. Me sentia mal na Inglaterra e me sentia mal na Argentina”, resumiu o ex-camisa 7 do Spurs em White, Blue and White, documentário de Camilo Antolini para a série ESPN 30 for 30: Soccer Stories.
ÍDOLO IMPROVÁVEL
Bem diferente dos dias de hoje, no final dos anos 70 se contava nos dedos de uma mão o número de estrangeiros atuando na liga inglesa. Num cenário composto por galeses, escoceses, ingleses e norte-irlandeses, o Tottenham anunciou as contratações dos argentinos Osvaldo Ardiles e Ricardo Villa por hoje irrisórios £750 mil. A dupla chegava à ilha depois da Copa do Mundo de 1978, brilhantemente conquistada pela Argentina de Menotti. Impressionados sobretudo com a qualidade do dinâmico Ardiles, os ingleses viajaram à Buenos Aires para dar um toque sul-americano ao tradicional kick and rush britânico.
Ardiles e Villa alugaram duas casas germinadas próximas ao White Hart Lane e não se desgrudaram mais. Colegas de quarto na seleção, os argentinos sofreram nos primeiros meses com o idioma e a cultura de futebol local, que preteria os toques curtos e aproximações em detrimento das bolas alçadas para área. Com o tempo as barreiras foram sendo derrubadas e a parceria anglo-argentina se azeitoiu. O auge aconteceu em 1981, quando o Tottenham chegou à final da centésima edição da FA Cup, o mais antigo torneio de futebol do mundo. O empate em 1 a 1 com o Manchester City forçou um novo jogo. Ricardo Villa estava inspirado nos 90 minutos que desempatariam o duelo e, com dois gols, deu a conquista ao Tottenham. Até hoje o título é lembrado como um dos mais relevantes da história do clube do norte de Londres.
Sempre que uma equipe se classificava à decisão da FA Cup as torcidas dos finalistas compunham um canto especial para a decisão em Wembley. Em 1981 nasceu o Ossie Dream.
A GUERRA
Ardiles era considerado o melhor meio-campista da Inglaterra e o Tottenham, de jogo fluído e técnico, praticava o futebol mais vistoso do país quando as tropas argentinas invadiram as Malvinas. Retomar a soberania sobre as ilhas era há anos um apelo popular no país, e o movimento soou como uma clara manobra política para angariar apoio das ruas à impopular ditadura militar vigente desde 1976. Neste contexto beligerante Ardiles, que vivia seu auge, foi convocado pelo técnico Menotti. Ricardo Villa ficou na Inglaterra, onde, em comum acordo com os diretores do clube, decidiu não disputar a final da FA Cup daquele ano. Villa e Ardiles eram constantemente hostilizados nas partidas fora de casa. No White Hart Lane os torcedores respondiam com afago e apreço pelos ídolos.
O retorno de Ossie à Buenos Aires foi mal visto na Inglaterra. Já na Argentina muitos o consideravam um traidor por permanecer em território inimigo enquanto os soldados de seu país morriam nas mãos do exército britânico.
DO LUTO À DECISÃO
Durante a péssima participação argentina na Copa do Mundo, Ossie recebera a notícia que seu primo, Leonidas Ardiles, piloto de caça da força aérea nacional, havia desaparecido. Os pais de Leonidas foram à Inglaterra pedir auxílio às autoridades inglesas num encontro intermediado por Osvaldo. Anos depois e meio-campista recebeu uma carta de um piloto da tripulação britânica, admitindo que havia derrubado a aeronave de seu primo num combate aéreo.
Ao término da copa disputada na Espanha, Ardiles decidira não retornar a Londres. “Quero me afastar até a guerra estar terminada”, declarou numa coletiva concedida em 1982. Naquele ano foi emprestado ao PSG, onde não conseguiu nem de perto repetir os momentos da Inglaterra.
UMA LENDA EM TOTTENHAM
Ossie retornou em 1983 ao Tottenham. Lá permaneceu até 1988, tendo conquistado durante o período a Copa UEFA, um dos mais celebrados feitos da história do clube. Na Inglaterra, o argentino também defendeu as cores de Blackburn Rovers, Queens Park Rangers e Swindon Town, onde se aposentou, em 1991. Voltou aos Spurs como técnico, em 1993. Osvaldo Ardiles é até hoje reverenciado quando passeia pelas ruas de Tottenham, bairro reconhecido pela identidade judaica e combate ao antissemitismo e xenofobia na capital inglesa.
Num acordo diplomático, assinado em dia 14 de junho de 1982, estabeleceu-se o cessar-fogo e retirada das tropas das Malvinas. Foram 649 mortos do lado argentino e 255 do britânico. O Reino Unido detém até hoje a soberania sobre os arquipélagos. “A guerra não serviu para nada. Só para causar inimizade entre os povos e manter este sentimento de rivalidade. Que no futuro não haja guerra nunca mais”, comentou Ossie, em depoimento para o documentário White, Blue and White.
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