Azzurra: crônicas de uma tempestade perfeita

O que é de se jogar fora e o que é de se aproveitar na eliminação italiana

A ideia da coluna da semana era uma. Mas esse assunto pode esperar, porque a urgência é de ser debatida. Embora o novo assunto em nada seja exatamente novo, ele precisa ser debatido. Sim, porque uma eliminação da Itália antes da fase final da Copa do Mundo, como o mundo chama assim, já virou uma pequena rotina.

Tudo o que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo. Alguns fatores sobre essa precoce não-classificação eram visíveis. Primeiro, a ressaca da campeã. Na atual temporada, por n razões, físicas, técnicas, ou talvez porque tenham chegado ao ápice no momento certo e na hora certa, poucos estão tendo seus melhores momentos.

Mesmo casos como Immobile e Berardi, que já atingiram os dois dígitos de gols na Serie A, não parecem no melhor que eles podem produzir, mesmo Jorginho parece mais abaixo em relação ao que já produziu, e outros nomes como Donnarumma, Verratti, a dupla de zaga de Bonucci e Chiellini, e outros como Insigne, seguem em baixa.

A ressaca se viu muito forte em muitos jogos, como o empate com a Bulgária em Florença. Esse empate, somado a outros momentos, que se refletiram uma bola de neve, foram causados muito pelos gols perdidos, e especialmente o mau momento dos atacantes. 

Em seguida, vale lembrar que na fase de classificação, a Itália teve em dois pênaltis cobrados por Jorginho, um dos melhores batedores do planeta, as chances de superar a Suíça. Não aproveitou em nenhuma das duas oportunidades até ali. E se não consegue, a vaga helvética foi confirmada. 

E muito pela irregularidade ofensiva que já se abatia na Euro. Primeiro, claro, pela ineficiência em substituir Spinazzola. Seja pelo fato de que Emerson Palmieri não apresenta boas atuações nem no Lyon, e nem na seleção, seja pelo fato de que não há opções. 

Em seguida, pela irregularidade dos atacantes. Alguns, como Kean, Raspadori e Scamacca, mesmo jovens, ainda estão no campo da promessa. O time sofreu demais com a lesão de Chiesa, tem as irregularidades dos centroavantes, enquanto Insigne parece ter partido pra Toronto antes da hora, afinal, desde a Euro não consegue emplacar boas atuações nem mesmo no Napoli.

A má fase, especialmente de Insigne, Immobile e Berardi, acabou pesando contra a Suíça, pesando contra a Irlanda do Norte, e pesou muito em mais de trinta finalizações e nenhum gol contra a Macedônia do Norte. E a bola puniu no fim das contas. 

Vale ressaltar que a Itália enfrentou muitas dificuldades em fatores até semelhantes ao que seus clubes têm defrontado em algumas copas europeias (nenhum está vivo na Champions, apenas Atalanta viva na Europa League e Roma na Conference League). Há uma certa sensação de que alguns sistemas de marcação inibem mais certos jogadores de estarem em campo.

É como se o modelo praticado atualmente, com marcação em todo o campo, e outras condições, eliminasse completamente as possibilidades, sem falar nas dificuldades contra certos sistemas, o que se viu no empate sem gols contra a Irlanda do Norte, em que os norte-irlandeses jogaram com sistema de três zagueiros.

De certa forma, a Itália no pós-Euro acabou sendo vítima de uma empáfia, uma ressaca de quem ganha títulos e sente como “missão cumprida”. Como se o argumento de “camisa ganha jogo” fizesse diferença para ganhar sem fazer esforços, e menosprezando adversários como quem os menospreza cotidianamente na Champions, na Europa League e na Conference League.

Vale destacar também o calendário, especialmente em setembro, quando em sequência vieram os empates decisivos contra Bulgária e Suíça. E dessa vez, a baixa de ritmo foi punida com maus resultados em jogos úteis, diferente de outros tempos em que não havia punição, por serem jogos amistosos.

Não dá pra não dizer que a eliminação não foi merecida. Afinal de contas, se em cinco oportunidades, você não consegue classificar, é porque você foi muito incompetente. Se em três jogos decisivos (Suíça, Irlanda do Norte, Macedônia do Norte), você finaliza 55 vezes, e marca apenas um único gol, é porque não merece se classificar

Por sorte ou destino, talvez, algumas peças importantes da Itália saíram ilesas do vexame por não estarem ali. Os lesionados Bonucci, Chiesa, Di Lorenzo, ou alguns outros como Zaniolo, com problemas físicos, além de outras condições, diferente de outros, que irão sofrer as consequências pelo mundo, como Donnarumma, ou alguns na própria liga, como Immobile, Insigne e Berardi.

Ao contrário do que se pode tentar dizer, a influência da Serie A a primeira vista é mínima, como seria mínima a interferência da liga em uma seleção hoje em dia, em um contexto de futebol mais globalizado, em que as oportunidades nos grandes elencos são teoricamente iguais para todas as nacionalidades. 

Ainda que no fim das contas, é sintomático para muitos que na hora H da seleção, tenham corrido atrás de um João Pedro que tem seu valor no Cagliari, mas uma convocação para a seleção italiana parece muito para ele. Uma oportunidade que veio para ele, mas não vem para outros jovens já nos clubes. 

O que serve como sinal de alerta para manter as construções de uma eficiente categoria de base, e principalmente, em dar as oportunidades que outros jogadores locais precisam, embora isso necessite de paciência, o que sabemos, não é algo que existe na Itália, nem na torcida, nem nos dirigentes, nem na imprensa, e nem em parte alguma da cadeia produtiva do “calcio”.

Vale dizer, não é o fim do mundo. Não se souber juntar os cacos. Não se seguir dando oportunidades a base. Não se melhorar os erros que fazem a Itália ter dificuldades pra competir em certos jogos, e que seus clubes melhorem o que fazem os locais serem estranhos no ninho nas copas europeias. 

Mas vale alertar que nessa discussão, todos pedirão pela base, mas na hora H, assim que a poeira da tristeza baixar, todos pedirão pelo melhor jogador ou a promessa de qualquer outra parte do mundo, menos de suas categorias de base. 

Em alguns casos, se pode dizer que a não-classificação da Itália foi uma tempestade perfeita. Afinal de contas, foi um cenário em que tudo o que era possível dar errado, deu. Lesões em excesso, cansaço, oba-oba, empáfia, e pra piorar, um calendário que não ajudou. Mas não se pode fechar os olhos para os erros e tratar tudo como uma questão de azar. 

É bem verdade, que vale ressaltar, desde os anos 70, histórias como a campeã Alemanha em 1972 (Euro) e 1974 (Copa), e a Espanha em 2008 (Euro) e 2010 (Copa), são mais raras que o normal, que parece ser o de casos como o da Holanda pós-título da Euro de 1988, da Espanha pós-2012, da França pós-2000, ou até de casos sem vaga, como Tchecoslováquia, Dinamarca e Grécia.

A Itália se junta agora a casos como a Inglaterra dos anos 70, que esteve fora em 1974 e 1978, a Holanda dos anos 80, fora em 1982 e 1986, e a França dos anos 90, fora em 1990 e 1994, grandes seleções europeias, que tiveram períodos de seca de Mundiais. 

Nunca esperávamos, até pela empáfia e pela tradição, mas na próxima classificação de Copa do Mundo, seja com quantas seleções for, os italianos devem comemorar a vaga do mesmo jeito que comemoraram a vitória sobre Gales no Six Nations de Rugby, uma espécie de “Eurocopa” do esporte, que foi simplesmente o primeiro triunfo em sete anos em uma partida. 

Em breve, italianos farão isso com uma partida de Copa do Mundo. Afinal, desde aquele pênalti convertido por Fabio Grosso que deu o tetra a Itália em Berlim, apenas uma vez a Azzurra saiu vencedora de uma partida de Mundial, contra a Inglaterra, em Manaus, em 2014. Lá se vão mais de 10 anos sem festejar fora do continente…

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