Sobre abelhas e lobos – a curiosa união entre Brentford e Midtjylland

O que faz um clube inglês e um dinamarquês se unirem? A história do Brentford e do Midtjylland está ligada por duas pessoas que revolucionaram os clubes

Na coluna da semana passada onde abordei a nova geração holandesa de jogadores nascidos em 2002, eu expliquei que Ajax e AZ Alkmaar eram as duas melhores academias e, por tabela, as principais fontes de promessas no país. No texto mostrei a diferença de abordagem das duas equipes, sendo o Ajax mais voltado à qualidade técnica e o AZ Alkmaar ao uso tecnológico e estatístico no desenvolvimento dos atletas nas divisões inferiores.

Então, essa abordagem não é tão nova quanto pensamos. O filme “Moneyball – O Homem que Mudou o Jogo” foi lançado em 2011 sobre um caso que aconteceu em 2002. O AZ Alkmaar adotou essa medida em 2014, porém, especificamente com Billy Beane, general manager do Oakland Athletics, em 2015. Foram mais de três anos de trabalho até o clube holandês colher resultados.

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É nesse contexto que também aparece uma parceria que tem dado o que falar na Inglaterra e na Dinamarca. Baseado principalmente em estatísticas, o Brentford, que milita na Segunda Divisão inglesa, e o Midtjylland, da Primeira Divisão dinamarquesa, semeiam juntos o solo com jogadores jovens e resultados impressionantes com orçamento baixo.

Possivelmente vocês não devem conhecer nenhuma das duas agremiações, e não se sinta culpado por isso. Apesar de ter sido fundado em 1889, em Londres, a maior conquista do Brentford foi uma Championship (Segunda Divisão) em 1934/35. Já o Midtjylland foi fundado em 1999, 110 anos após o clube inglês, na cidade de Herning, bem no meio da península de Jutland. As Abelhas (Brentford) fazem rivalidade com o Fulham e Queens Park Rangers, que são igualmente antigos e da parte oeste de Londres. Enquanto isso, Os Lobos (Midtjylland) fazem rivalidade com o FC Copenhagen (nome em inglês, para ficar mais fácil), Brondby, Aalborg e Aarhurs. Todos esses clubes são mais velhos que o Midtjylland.

O que une essas duas equipes tão distintas? Trata-se de Matthew Benham, fundador da Smartodds (empresa que usa estatísticas para prever resultados esportivos). Benham é torcedor e dono do Brentford, clube que ele comprou em 2009, e acionista majoritário do Midtjylland desde 2014. Outro elo entre as duas equipes é Rasmus Ankersen, diretor esportivo do Brentford, e “meio dono” do Midtjylland, clube que ele defendeu nas categorias de base antes de largar o futebol por conta de uma lesão.

Ankersen é um famoso guru entre diretores e trabalhadores do futebol. O dinamarquês escreveu alguns livros, sendo o “The Gold Mine Effect” o mais famoso deles. Especialista em alto-desempenho, Ankersen rodou o mundo por seis meses antes de escrever “The Gold Mine Effect”, onde ele explica sua mentalidade. Resumidamente, o dinamarquês acredita que o CONTEXTO é o mais importante no futebol.

Brentford e Midtjylland
Você pensa que é só o Guardiola que remodelou seu pensamento com um período sabático? Rasmus Ankersen também tirou frutos disso. Foto: FC Midtjylland.

A união entre as ideias de Ankersen com a quantidade de dados de Benham moldou o que hoje é o Brentford e o Midtjylland. Atualmente, uma das medidas mais utilizadas para se avaliar um jogador de futebol é o Expected Goals (xG), que se baseia em algoritmos e modelos estatísticos para contabilizar o desempenho “invisível” do atleta. Algo muito utilizado pelo AZ Alkmaar, como citado no começo do texto. Mesmo com toda tecnologia a seu favor, Benham diz que odeia o termo “moneyball” quando se referem ao trabalho que eles produzem no Brentford. O dono das Abelhas é fã do “scouting com os olhos”, vertente que casa bem com as ideias de contexto de Ankersen.

Analisando o contexto que está inserido as equipes, Brentford e Midtjylland mostram trabalhos crescentes e interessantes. Apesar de contar com um dos menores orçamentos da Championship, as Abelhas terminaram entre os 10 primeiros da liga por quatro anos seguidos, sendo que antes da paralisação do futebol por conta do coronavírus, o Brentford ocupava a quarta colocação da segunda divisão e estava caminhando tranquilamente para disputar os playoffs de acesso à Premier League com um time cuja média de idade era de 23 anos. Thomas Frank, treinador da equipe, tem apenas 46 anos de idade, e passou a maior parte da carreira treinando as divisões de base da Dinamarca.

Enquanto isso, o Midtjylland foi bicampeão da Superliga e campeão da Taça da Dinamarca. Títulos esses conquistados de maneira inédita e com interferência direta de Matthew Benham e Rasmus Ankersen na gerência da equipe. Antes da parada, os Lobos lideravam a Superliga com 12 pontos de vantagem para o Copenhagen. Brian Priske, de 42 anos, é o treinador da equipe que tem 25 anos de média de idade.

A captação de jogadores é o grande segredo das duas equipes. No Brentford você encontra uma grande diáspora dinamarquesa, obviamente. No entanto, pouquíssimos deles tem algo a ver com o Midtjylland, que possui autonomia apesar da ligação gerencial entre eles. Na realidade, a ligação com os Lobos serve mais para espionar os adversários do que, de fato, servir como um clube alimentador.

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Henrik Dalsgaard, Christian Norgaard, Emiliano Marcondes e Mathias Jensen são grandes exemplos da equipe principal. O primeiro era jogador do Aalborg, o segundo do Brondby, o terceiro e o quarto do Nordsjaelland. Eles têm 30, 26, 25 e 24 anos respectivamente. Se você cavar, você acha Luka Racic, Mads Roerslev, Christian Tue, Japhet Larsen e Gustav Mogensen, que vieram do Copenhagen e Aalborg respectivamente. Somente Tue e Larsen vieram do Midtjylland.

O grande craque do Brentford é Said Benrahma, de 24 anos, que foi encontrado na segunda divisão francesa com base nos xG que citado lá em cima. Essa mesma estratégia foi aplicada para encontrar outros três jogadores titulares e mais jovens do que Benrahma: Rico Henry, lateral-esquerdo de 22 anos, que saiu do Walsall; Bryan Mbeumo, extremo-direito de 20 anos, que saiu do Troyes; Joshua da Silva, meia-central de 21 anos, que saiu dos reservas do Arsenal.

Todos eles são jogadores com valor subestimados e que podem sair por uma fortuna. Estatisticamente falando, são jogadores que cumprem a função que o clube deseja num contexto específico. Na equipe B, o Brentford conta com Fredrik Hammar, jovem com excelente controle de bola que liderou a Suécia, que chegou as quartas-de-final da Euro Sub-17, em 2018, quando foi eliminada pela Itália por 1×0.

Brentford e Midtjylland
Brentford pagou 6,5 milhões de euros ao Troyes pelo extremo francês. Em sua primeira temporada na Inglaterra, Mbeumo anotou 14 gols e deu seis assistências em 34 partidas pelas Abelhas. Foto: Brentford FC.

A façanha do Brentford na segunda divisão inglesa é um chamariz, no entanto, o trabalho realizado pelo Midtjylland é algo que vai mais além, especialmente porque ele acontece nas camadas mais baixas do futebol: a equipe juvenil. Enquanto as Abelhas se preocupam mais com o mercado de transferências, os Lobos utilizam a tecnologia e o contexto para desenvolver jogadores na academia, conhecida como FCM Youth.

O principal nome oriundo do Midtjylland recentemente é o de Pione Sisto, que atualmente defende o Celta de Vigo. O dinamarquês atraiu os olhos das pessoas ao liderar os Lobos no título inédito da liga em 2014/15, quando ele tinha apenas 20 anos. Ele também se destacou na equipe da Galícia, sobretudo com Eduardo Berizzo no comando, que entendia suas qualidades. Antes dele, teve Simon Kjaer, hoje no Milan, como principal nome revelado na base.

Mesmo não revelando com muita profusão, os resultados do Midtjylland em competições de alto nível nas categorias de base da Europa são pra lá de satisfatórios. Na Youth League, por exemplo, os dinamarqueses já chegaram aos playoffs três vezes, sendo uma eliminação para o Barcelona na edição de 2015/16 nas oitavas, uma eliminação para o campeão Porto na edição de 2018/19 nas quartas e, na atual temporada, o clube chegou até as quartas novamente, onde enfrentaria o Ajax, mas o jogo não aconteceu por conta da paralisação devido à pandemia. Já são duas quartas-de-final seguidas para o modesto clube escandinavo. Das cinco edições até hoje da YL, eles só não chegaram ao mata-mata em duas.

A Dinamarca passa por um processo de rejuvenescimento de sua seleção. Famosa nos anos 1980 e meados de 1990, a Dinamáquina tem sofrido para manter uma linha de trabalho, apesar de ter participado da última Copa do Mundo. Hoje, a principal referência é Christian Eriksen, porém, o camisa 10 da seleção teve seu processo de maturação feito no Ajax e não em clube doméstico. Claro, manter um atleta de destaque no país é difícil, sobretudo na base, mas é nisso que o Midtjylland se propõe e a fusão de ideias ajuda nisso.

Apesar de ter uma equipe jovem, os jovens vindos da base não são os principais nomes no momento. Cada vez mais forte no campeonato nacional, o Midtjylland pode-se dar ao luxo de usar essas promessas aos poucos. Coisa que o Nordsjaelland, outro clube que revela bastante, já não pode. Ou usa para fazer caixa ou perde. Andreas Skov Olsen, hoje no Bologna, é um exemplo.

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Recentemente, nomes como Rasmus Kristensen e Andreas Poulsen saíram do Midtjylland como grandes promessas, porém, não vingaram no Ajax e no Borussia Monchengladbach, respectivamente. O primeiro, inclusive, foi negociado com o RB Salzburg para se reencontrar na carreira enquanto o segundo está emprestado ao Austria Wien.

No entanto, isso não quer dizer que os jogadores são ruins ou que o clube dinamarquês está enganando. Na realidade, o estilo de jogo do Midtjylland nas divisões inferiores tem um papel fundamental nessa questão. Baseando-se em estatísticas e proporções, o desempenho geral da equipe é levado mais em conta do que o individual. Por isso é número de gols de bola parada e gols sofridos chamam a atenção. O time é efetivo no jogo coletivo em detrimento do brilho individual. Nem sempre o artilheiro é de fato o melhor jogador, ele é mais potencializado pelo sistema.

A safra de jogadores nascidos entre 2000 e 2002 é a melhor já produzida pelo Midtjylland, pois são especialmente os jogadores que se destacaram nas duas últimas campanhas da equipe na Youth League e que já frequentam ao menos o banco de reservas da equipe principal.

Nicolas Madsen, 20 anos, é grande nome dessa geração. Meia central, Madsen é destro e tem 1,83m. Ele é o regista da equipe juvenil, sendo responsável por todas as bolas paradas e por organizar o meio-campo, podendo ser volante ou meia-atacante. A grande inteligência no jogo associativo de Madsen é o maior atrativo, mais até do que a pose que ele faz para bater pênalti, já que a equipe é bastante pragmática.

Brentford e Midtjylland
Madsen serviu a seleção dinamarquesa ininterruptamente desde o sub-17. Foto: Getty Images.

Nikolas Dyhr, 18 anos, tem o mesmo potencial que o xará, especialmente pela posição em que atua. Dyhr começou a carreira como extremo-esquerdo, porém, devido às boas aptidões físicas e velocidade, ele foi recuado para a função de ala no 3-4-3 e posteriormente um lateral-esquerdo mais fixo.  Dyhr aprendeu a defender e com isso virou um jogador melhor e com mais chances do que teria se fosse ainda um extremo.

Outro que mudou de posição e virou um jogador mais efetivo foi Oliver Sorensen, 18 anos, que era centroavante e virou volante. Capitão da equipe Sub-19, Sorensen é forte, tem boa técnica e boa leitura de espaços. Costumeiramente ele marca gols bem ao estilo Paulinho nos tempos de Tite no Corinthians e Seleção Brasileira. O jovem meia também é bom marcador e costuma jogar muito bem ao lado de Madsen, que é mais técnico e tem melhor visão de jogo.

Tobias Anker, 19, é o defensor mais completo revelado pela equipe dinamarquesa. Canhoto, Anker pode atuar como lateral ou central. Aral Samsir e Mads Hansen são os mais jovens dos prospectos da academia e, de certa forma, os mais dribladores do jovem elenco dos Lobos. Samsir é o mais imprevisível de todos os nomes citados, sendo dotado de uma qualidade incrível no x1.

O Midtjylland também virou um destino interessante para jogadores brasileiros. Até pouco tempo atrás, Patrick, zagueiro revelado pelo Flamengo, estava emprestado ao clube dinamarquês, porém, ele operou o joelho duas vezes nesse período e sua permanência é incerta. O defensor se destacou na base do clube carioca, quando conquistou a Copinha de 2018, e também pela seleção, onde o Sul-americano Sub-17, em 2017, e Sub-15, em 2015. Ele atuou como titular na equipe que chegou até as quartas da Youth League na temporada passada.

Contudo, talvez seja um brasileiro que melhor exemplifique a mentalidade que une Brentford e Midtjylland. Evander, 21 anos, sempre foi avaliado como um jogador de muito potencial e com grande qualidade técnica. No entanto, apesar de alguns bons momentos, o jogador acabou se queimando com a torcida em meio ao caos que o clube carioca vive constantemente. Na Dinamarca, Evander tem uma função menos ofensiva, sendo escalado muitas vezes como um segundo volante. Com isso, o desempenho do brasileiro cresceu rapidamente, sendo um dos melhores jogadores da Superliga. Em 2019/20, ele atuou em 22 partidas, anotando sete gols e dando sete assistências, além de 3.4 passes-chave para finalização e uma média de 2.2 desarmes por partida. Evander virou um jogador mais regular e contundente, se associando com muito mais fluidez, chamando a atenção de equipes de centros maiores na Europa. Detalhe: o Midtjylland pagou R$ 8 milhões pelo atleta.

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1 comentário

  1. Bacana o artigo, Caio. O Midtjylland eu ja conhecia, mas nao sabia sobre a relação deles com o Brendford. E pelo visto a visão do R Ankersen influencia muito a maneira como vocês do Footure enxergam o futebol (importancia do contexto) e o scouting (olhando números sem desprezar o olhar para o jogo).

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