As intermináveis mudanças no Campeonato Argentino

Após três anos de Superliga, uma nova organização reaproxima a divisão de elite argentina e a federação nacional, mexendo novamente nos arcabouços do Campeonato Argentino

Sai a Superliga Argentina, entra a Liga Profissional de Futebol da Associação do Futebol Argentino (AFA). Sim, mais uma vez o Campeonato Argentino passa por uma remodelação em seu estrutura organizacional.

Numa situação de eterna instabilidade institucional, o futebol do país vizinho concretizou a sua segunda alteração em menos de três anos. Se formos levar em conta tudo o que aconteceu desde 2010, isso exigiria um texto muito mais longo e uma contextualização mais extensa que desembocaria, claro, em um número maior de mudanças. Todavia, só a título de contabilidade, nos últimos 10 anos, foram SETE modificações em fórmula de disputa, número de equipes ou calendário. Sete.

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A mais recente foi confirmada nesta última semana. Ok, a Superliga fica para os livros de história e a Liga Profissional de Futebol – ou LPF, como vem sendo chamada – vira a bola da vez. Mas o que isso significa na prática para o futebol argentino? Bem, isso coloca novamente a divisão de elite do país sob a tutela da AFA.

Em meados de 2017, a Superliga havia tomado a frente da organização da primeira divisão do campeonato nacional. Fundada como uma associação civil, a liga surgiu em um cenário onde os clubes ansiavam por um melhor modelo administrativo para eles próprios e para as competições, viabilizando novos horizontes para os negócios. Obviamente, o jogo político por trás disso foi muito forte.

O Futbol Para Todos, programa criado em 2009 por Cristina Kirchner para injetar dinheiro aos clubes através de direitos de transmissão, já demonstrava sinais de desgaste com a crise econômica do país. A verba repassada em 2016 sofrera uma considerável queda em comparação a outros anos, o que gerou insatisfação geral por parte dos presidentes das equipes.

Maurício Macri, então presidente da república e figura conhecida por seus laços estreitos com o Boca Juniors – afinal, é ex-presidente xeneize  –, dissolveu o programa, fazendo com que novos acordos de TV fossem buscados para o ano seguinte. Neste vácuo, a Superliga nasceu com forte articulação de Macri nos bastidores. Mais do que uma preocupação sua com os times, este era o primeiro passo para a tentativa de constituir uma antiga aspiração: transformar os clubes em sociedades anônimas, abrindo-os para investidores.

Ligada à AFA apenas por contrato, a Superliga possuía total independência e um estatuto próprio para garantir o seu funcionamento e a organização do campeonato. A maior participação das agremiações nas decisões referentes aos rumos econômicos e desportivos da principal divisão também foi fator preponderante para que essa nova dinâmica se estabelecesse. Regras mais rígidas para incentivar responsabilidade fiscal foram criadas. O futuro parecia dourado. Mas no primeiro momento em que as novas diretrizes foram exigidas, a ruptura dos clubes com a associação começou a tomar forma.

Nesta última temporada, San Lorenzo e Huracán não cumpriram com os critérios de Fair Play Financeiro, e conforme o regulamento, começariam a edição 2019/2020 da Superliga com 6 pontos negativos. Entretanto, as punições não foram consumadas e isso significou uma quebra de confiança no novo sistema. Ao mesmo tempo em que as placas tectônicas da nova entidade se chocavam e traziam incertezas, a AFA conseguia encontrar um mínimo equilíbrio sob o comando de Claudio “Chiqui” Tapia.

Então, o canto da sereia foi sedutor. O golpe de misericórdia veio quando Mariano Elizondo, presidente da Superliga, e Jorge Brito, primeiro vice-presidente, renunciaram a seus cargos no começo de março. Marcelo Tinelli, presidente do San Lorenzo e segundo vice-presidente da Superliga, assumiu o comando. À época, já ocorriam conversas para que a LPF ganhasse espaço – inclusive, com direito a um jantar na casa de Tapia contando com a presença de dirigentes de 12 equipes, o que foi o estopim para as renúncias. Ali, tudo entrava em harmonia para a volta do Campeonato Argentino à AFA.

Campeonato Argentino
Cláudio Tapia foi reeleito presidente da AFA por mais cinco anos (Divulgação/AFA)

Apesar da ligação com a federação nacional, a nova Liga Profissional de Futebol funcionará de maneira autônoma. A LPF – que será presidida por Tinelli – terá liberdade para tomar decisões relativas à área comercial, principalmente na venda de direitos de imagem, e para definir o formato de disputa dos campeonatos. Porém, a AFA seguirá tendo poder sobre a arbitragem e controlará os tribunais disciplinares. A gestão do Fair Play Financeiro, por sua vez, será compartilhada entre LPF e AFA. As normas ficarão por conta da liga, enquanto a federação será responsável por penalizar os clubes.

No que diz respeito ao campeonato em si, uma mudança considerável já foi determinada: a do calendário. Desde 2016, a Argentina vinha adotando o modelo europeu para seus torneios, com a temporada iniciando entre julho e agosto de um ano, e terminando entre abril, maio e junho do ano seguinte de acordo com o número de equipes participantes. Agora, a LPF seguirá com o calendário vigente na América do Sul, com a largada em janeiro e o encerramento em dezembro.

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Falando no número de equipes participantes, o inchaço visto na tabela do Campeonato Argentino a partir de 2015 não diminuirá, ao menos por enquanto. A edição de 2021 terá 26 times e não haverá rebaixamento, o que contribuirá para este acúmulo apesar das tentativas de redução gradual nos últimos anos. Apesar da suspensão do descenso, a pontuação seguirá sendo computada para a fórmula dos promédios. Essa quantidade elevada de clubes já gera preocupações em alguns mandatários, afinal, há um alto potencial para afetar negativamente o nível técnico do torneio. Isso porque o reflexo óbvio de uma competição pouco interessante é a baixa atratividade para negócios e faturamento.

Os desafios para que este novo planejamento consiga solidificar seus alicerces não são poucos. Este é um teste praticamente definitivo para conferir se a AFA superou seus problemas e terá responsabilidade para gerir outra vez o principal produto futebolístico da Argentina. Já vimos em mais de uma ocasião que na mínima discordância, mudanças não tardam a acontecer. E acima de pura e simples organização, a pacificação política entre diferentes figuras de poder será chave para um pouco de paz na terra do tango.

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