COMO O xG (EXPECTED GOALS) EXPLICA UMA PARTIDA DE FUTEBOL
Por Lucas Filus Das possibilidades ao indivíduo até a evolução de setores por completo, a transformação que a tecnologia proporcionou ao mundo tem efeitos em todos os campos existentes. E o do futebol se tornou aos poucos um dos maiores exploradores desse fenômeno que só tende a aumentar. Equipamentos que até pouco tempo inexistiam são […]
Por Lucas Filus
Das possibilidades ao indivíduo até a evolução de setores por completo, a transformação que a tecnologia proporcionou ao mundo tem efeitos em todos os campos existentes. E o do futebol se tornou aos poucos um dos maiores exploradores desse fenômeno que só tende a aumentar. Equipamentos que até pouco tempo inexistiam são utilizados no condicionamento físico dos atletas, plataformas de streaming vão organicamente tomando o espaço de meios tradicionais de consumo e transmissão e por aí vai.
Uma das possibilidades geradas por esse boom, porém, está diretamente ligada à compreensão aprofundada do jogo. São várias as ferramentas e estatísticas avançadas no esporte, mas nenhuma vem chamando tanto atenção quanto os Expected Goals (xG). O uso interno nos clubes já é constante e carrega efeitos para a montagem de elencos e preparação de treinamentos, mas um dos grandes ganhadores é o espectador.
Sites como o understat e contas no Twitter como o 11stegen11 e Caley Graphics trazem dados atualizados quase que diariamente sobre partidas ao redor do mundo e amplificam a análise. Também temos um exemplo do Brasil, mais especificamente o portal Quase Gol, criado pelo comentarista da Rádio Gaúcha e analista de desempenho Gustavo Fogaça. Ele criou um modelo que nos permite mensurar qualquer tipo de lance após inserir alguns dados.
A diferença em relação às plataformas do exterior é que sua database é a única voltada para o futebol brasileiro – são dados coletados do Brasileirão de 2016 e das séries A e B de 2017. Dessa forma, “a cada ano, o modelo Quase Gol vai se tornar mais preciso, à medida que eu for somando as finalizações de cada temporada”, disse o jornalista. Para ele, “todos os processos matemáticos e estatísticos ainda são pouco usados no Brasil não pela falta de profissionais capacitados. Eles são muitos e altamente capazes. Mas falta, por parte de dirigentes e treinadores, acreditarem nos processos e saberem ler qualitativamente seus significados.”
Afinal de contas, o que significa Expected Goals? Pode parecer algo complexo e de difícil compreensão, mas vem de um dos pontos de interrogação mais conhecidos e antigos do futebol. Quantas vezes você lamentou uma chance perdida com um “ele deveria ter feito, estava fácil” ou defendeu um jogador apontando a dificuldade circunstancial em que ele se encontrava? Michael Caley, um estudioso dos Estados Unidos, também passava por isso e resolveu desenvolver uma métrica para ter respostas mais claras.
Surgiu então o xG, com o propósito de mapear os pontos de cada finalização e, os internalizando em bases de dados extensas, medir a probabilidade dos gols saírem. Todos os parâmetros saem de um chute, portanto, as nuances desse fundamento se tornam nos pontos centrais para a resolução; de onde a finalização provém (distância/ângulo)? Qual é o tipo de passe (cruzamento, bola no chão, lançamento, bola parada, lateral, rebote e etc.) que precedeu tal ação? Com qual parte do corpo foi realizada? O jogador driblou alguém antes de chutar – se sim, quantos? Qual foi a velocidade do ataque que resultou nessa conclusão?
Enquanto nas tabelas e estatísticas básicas observamos indicadores de resultado (pontos, vitórias, gols, finalizações, chances criadas), essa advanced stat é um verdadeiro indicador de performance. Considere que cada chute/cabeceio tem chance de 0 a 1 de entrar no alvo. Dentro desse parâmetro, somando as finalizações de cada time em uma partida podemos ter uma noção de quantos gols “deveriam” ter sido marcados. O número em si já representa um espectro interessante e mais próximo da exatidão por qual analisar um confronto extremamente influenciado por variáveis incontroláveis, uma delas sendo a sorte (ou falta da mesma).
A existência de uma diagramação “profunda” das finalizações, portanto, se torna um plus de grande valia para avaliar as performances. Nessas ilustrações geradas durante e após as partidas, o tamanho do círculo reflete a probabilidade daquela tentativa se transformar em gol. Isso gera uma plataforma capaz de demonstrar aos membros de uma equipe as áreas que criam maior perigo ao adversário e, se olhando para a parte de trás, as áreas que o oponente tentou explorar.
É de métricas como essas que, quando expostas à prova do tempo (uma competição inteira, por ex.) e das circunstâncias (cada tipo de rival, mando de campo e etc, por ex.) surgem estudos consideráveis sobre as zonas “quentes” e as zonas “mortas” das quatro linhas. É de conhecimento amplo no mundo da análise de desempenho que a entrada da área consiste em um local de extrema importância para o ataque e a defesa. É a chamada “zona 14”, ofensivamente dominada pelo Barcelona de Guardiola e defensivamente pelo Atlético de Madrid de Simeone, para dar exemplos de filosofias diferentes.
É importante ressaltar que o Expected Goals não leva em consideração a qualidade dos jogadores envolvidos em cada lance contabilizado. A probabilidade de 0.50 de certa finalização não significa a mesma coisa para Lionel Messi e Henrique Dourado. De qualquer forma, esse KPI (Key Performance Indicator) é utilizado também para identificar atletas que estão overperforming ou underperforming. Ou seja, se a quantidade de gols marcados está acima ou abaixo dos valores consistentemente apontados pelo xG.
E disso você pode tirar suas próprias interpretações e colocá-las dentro do contexto que lhe convém. Um assistente e sua comissão técnica podem pegar os pontos do campo que estão resultando em maior probabilidade de bola na rede e desenvolver treinos voltados para trabalhos específicos nessas áreas. Seja moldando suas peças para criarem superioridades em um local frágil para o adversário ou instruindo os defensores a se posicionarem em uma direção que bate de frente com as finalizações mais perigosas do oponente.
Olheiros, diretores e demais envolvidos em transferências têm a possibilidade de filtrarem bases de dados a fim de encontrar jogadores capazes de performar acima do esperado. Matthew Benham construiu seu patrimônio com a Smartodds, uma empresa de apostas que usava modelos matemáticos para prever resultados de futebol. Ele acreditava que isso poderia se transferir para o ‘mundo real’ do esporte e adquiriu majoritariamente o Brentford e o FC Midtjylland, confiando nos números para gerar uma disrupção em suas respectivas competições.
O clube inglês ficou na 9ª colocação da League One (terceira divisão) na temporada anterior à compra, conquistando o acesso imediato em 13/14 e em 14/15 reestreando na segundona alcançando a 5ª posição. Nas campanhas seguintes, 9º, 10º e novamente 9º; de uma equipe que não ficava mais de um ano na Championship desde 1952 para uma estabilidade capaz de alavancar a reputação e o projeto.
Com a agremiação da Dinamarca, o sucesso chamou ainda mais atenção: o primeiro título da liga nacional na história foi levantado em 2015 (outro em 2018) e, de lá pra cá, alguns momentos marcantes a nível continental – como o triunfo sobre o Manchester United no jogo de ida da fase de dezesseis-avos de final da Europa League 15/16. Treinadores podem desenhar previsões de possíveis (prováveis, eu diria) acontecimentos que alterem o rendimento – resultado concreto – de seu time.
Duas amostras vindo da Premier League: Richarlison e De Gea. O brasileiro começou sua trajetória no Watford na temporada passada brigando por artilharia, mas depois passou meses sem marcar. Quem via ‘por cima’ não enxergava nada de interessante em seu record final, mas a tabela de xG sempre indicou um atacante capaz de produzir e se envolver em chances de probabilidade alta com constância. Para muitos analistas, era questão de tempo vê-lo desabrochar novamente.
Ele se transferiu para o Everton na última janela de transferências e marcou três vezes em duas partidas completas e uma em que foi expulso na etapa inicial – um gol a cada 71 minutos. Já a situação do espanhol nos lembra do outro lado da moeda do xG, a defesa. A equipe de Mourinho vinha registrando números defensivos que, a princípio, eram dignos de elogios. O United foi o segundo clube menos vazado em 16/17 (14 clean sheets – jogo sem levar gol) e 17/18 (18), mas no fundo o desempenho trazia uma realidade distinta.
De Gea foi vazado 23 vezes na última edição do campeonato (excluindo gols contra), só que de acordo com diversos modelos de xG um goleiro médio faria esse número pular para 37. Ele evitou, portanto, 14 gols com sua pura habilidade de fazer o extraordinário – algo que quem assistiu aos jogos não questiona. Então o sistema defensivo não era lá essa maravilha, né? Longe disso. Em 18/19 o United já levou 7 gols, quantia superada apenas por Burnley, Arsenal, Fulham, Huddersfield e West Ham.
Ah, o Burnley também tinha um dos melhores records defensivos anteriormente e Nick Pope era o segundo nessa tabela de ‘gols evitados’. O inglês se lesionou e, por enquanto, esse rendimento debaixo das traves foi por água abaixo. Enquanto isso, em Manchester, o que pra muitos é considerado o melhor goleiro do mundo não está em uma fase de constante operação de milagres – como vinha fazendo desde 2013/14. Analisando as estatísticas básicas, ninguém pensava que mudanças como essas poderiam acontecer. Indo além dos indicativos de resultado e procurando mensurar desempenho, porém, era previsível.
O jogo basicamente se concentra nesse núcleo de produção de chances e precisão na execução do ato proativo e reativo (a criação/finalização e a forma que se combate/defende). E o xG é uma ferramenta que nos ajuda a quantificar, qualificar e entender esse processo.
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