CRUEL, MUITO CRUEL
Por Valter Júnior Jornalista, é editor de esportes do jornal Metro de Porto Alegre Nos anos 1990, as transmissões de futebol da TV Bandeirantes tinham muitos atrativos, além das partidas em si. A começar pelo slogan do canal. Em lances de perigo em que o chute ia longe do alvo, o narrador fazia uma breve […]
Por Valter Júnior
Jornalista, é editor de esportes do jornal Metro de Porto Alegre
Nos anos 1990, as transmissões de futebol da TV Bandeirantes tinham muitos atrativos, além das partidas em si. A começar pelo slogan do canal. Em lances de perigo em que o chute ia longe do alvo, o narrador fazia uma breve pausa e disparava o “Bandeirantes, o canal do esporte”. Mesmo que Luciano do Vale fosse o chefe da tropa e o locutor número 1, as narrações mais divertidas saiam das vozes de Silvio Luiz, com o seu humor ranzinza e uma lista interminável de frases engraçadas, e Januário de Oliveira.
As partidas do Campeonato Carioca não eram as mesmas sem o trio formado por Januário, Gérson, o canhotinha de ouro, e o repórter Adison Coutinho. Januário não tinha um repertório de bordões extenso como o de Silvio Luiz, mas, ajudado por um período em que o futebol era mais folclórico, criou apelidos que pegaram, como o Super-Ézio, e bordões marcantes. Entre eles o “Tá lá um corpo estendido no chão”, quando um jogador precisava da ajuda da maca para deixar o campo. Mais saliente ainda era na hora do gol em que o responsável por colocar a bola na rede era “cruel, muito cruel”.
Aposentado há alguns anos devido a um problema de saúde, Januário, se estivesse narrando o Mundial da Rússia, diria “cruel, muito cruel essa Copa do Mundo”. De um dia para o outro, saíram de cena Messi, Cristiano Ronaldo e Iniesta. Gigantes de sua geração, símbolos de dedicação, os três saíram sem brilhar nas suas partidas finais, sem serem decisivos.
Não importa se você é Messi. Pouco conta se você é Cristiano Ronaldo. Nem mesmo é levado em consideração se você é Iniesta. A Copa do Mundo não espera por ninguém. Ela está programada para ser disputada a cada quatro anos e assim será, não importa se você está preparado para ela ou não. Ou você está no ritmo certo ou será eliminado. Simples assim. Cruel assim.
A Copa não quer saber se a Espanha trocou de técnico dois dias antes de sua estreia. Nem se a Rússia seria o último grande palco do futebol em que os pés de Andrés Iniesta pisariam. Esse desalmado torneio não faz afagos, não relativiza, não perdoa. Para o público, fica a sensação de quero mais para Iniesta. De que o meia de toque refinado poderia ter mais alguns anos vestindo a camisa do Barcelona. Ele sente que não. O futebol ainda não parece estar pronto para viver sem ele nos grandes duelos. O meia parece pronto para ir para o Japão para ser um professor como Zico foi há quase 30 anos. Insensível Iniesta. Inesquecível Iniesta.
As cortinas dos grandes estádios se fecham para o pequenino espanhol de Fuentealbilla mas seus passes ficarão na memória dos apreciadores do futebol técnico. Seu gol na final da Copa de 2010 ficará na história. Saí discreto como muitas vezes foram suas atuações geniais. Um protagonista com jeito de coadjuvante. No tempo da força, mostrou que a técnica ainda é o epicentro do futebol. Sai de cena sem drama, apenas com tristeza.
Iniesta se despede, mas teve a oportunidade de colocar as suas mãos naquela taça dourada. O mesmo não pode ser dito de Cristiano Ronaldo e Messi. Os homens que dominaram o futebol na última década têm esse objeto como intocável. Um título de Copa do Mundo para o português sempre pareceu improvável mesmo para alguém que ensinou que para ele nada deve ser considerado impossível.
Na teoria, Messi ainda pode disputar mais uma Copa. Na prática, dificilmente jogará em 2022. Mesmo que esteja em campo no Qatar, não estará em seu ápice. Poderá ganhar uma chance para tentar o título inédito, uma última oportunidade que soará mais como uma homenagem a este ET vindo do planeta bola. No auge de sua forma, Messi nunca foi o Messi que se desejava em Copas. Sempre faltou algo. Faltou ser um pouco mais Maradona e um pouco menos Messi, nem que fossem por 90 minutos. Era para ter sido mais protagonista. Faltou uma atuação memorável, um gol de Messi. Não se tem uma atuação inesquecível em Copas na coletânea do camisa 10. Ou talvez, faltou aquela bola do Higuáin entrar na final de 2014.
Três dos principais nomes do futebol nos últimos dez anos voltam para casa no mesmo momento. Deixam o caminho aberto para serem desbancados do trono. A Copa do Mundo da Rússia está sendo a troca da guarda das gerações da bola.
Cruel, muito cruel essa Copa do Mundo, diria Januário Oliveira.
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