O Fortaleza de Rogério Ceni: um oásis no Nordeste

Diante do conservadorismo que rege o futebol regional, Rogério Ceni surge com ideias que rompem o status-quo

Ao observar friamente o aproveitamento ao longo dos 133 jogos do Fortaleza de Rogério Ceni, vê-se uma performance dentro da normalidade do futebol regional e brasileiro. No entanto, é preciso olhar fora da caixa para analisar o trabalho que rendeu os títulos da Série B 2018, Copa do Nordeste 2019 e a classificação para a Sul-Americana 2020 – a primeira competição internacional da história do clube.

O trabalho de Rogério Ceni, no Fortaleza, representa um oásis no Nordeste por ser o mais longevo (desconsiderando a rápida saída para o Cruzeiro), desenvolver atletas individualmente e exprimir um nível coletivo alto de execução.

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Mesmo com a pressão pelos resultados e a reverberação exacerbada no futebol brasileiro, que é inerente a profissão, Ceni não se deixa afetar e mantém-se firme aos ideais que lhe fizeram escolher por essa profissão. E para entender e explicar as ideias ao atacar e defender, plataformas, planificações e estratégias adotadas pelo Fortaleza, o Footure vai analisar o trabalho do técnico do Rogério Ceni na atual temporada.


Planificação 4-2-3-1 / 4-4-2 no Fortaleza de Rogério Ceni

Nas mais de 130 partidas que comandou o Fortaleza, Rogério Ceni só repetiu a escalação em três oportunidades. O que demonstra que a planificação dos jogadores tem uma relação direta com as virtudes e fragilidades do elenco e a estratégia a ser adotada para vencer o oponente. Nesta temporada, Ceni tem adotado uma política de rodar o elenco para que não haja saturação muscular e consiga deixar todos em boa condição de jogo.

A escolha pelas plataformas 4-2-3-1 e 4-4-2 é pautada nas características individuais de cada atleta e como as combinações setoriais e intersetoriais impactarão no jogo coletivo; e os três jogadores que ficam por trás da referência possuem papel imprescindível na mudança de comportamento com e sem bola. Pois ao perder a bola no campo ofensivo é necessário que, caso a tentativa de recuperação imediata da bola não seja exitosa, recomponham o mais rápido possível para fechar os espaços e evitar que os volantes tenham uma faixa de campo muito grande para cobrir. E ao recuperar a posse de bola, tenham explosão para gerar profundidade e amplitude. Para que consigam aproveitar os espaço cedidos pelo oponente. Não à toa os jogadores que realizam esta função possuem como característica em comum explosão, velocidade, resistência, capacidade de 1×1 e boa finalização.

Rogério Ceni promove rodízio e concede minutos a 23 jogadores neste início de temporada (Imagem/Wyscout)

As laterais são outra zona do campo que Ceni têm atletas com características similares como pressão no portador da bola, combatividade, resistência, força física e boa taxa de vitórias nos duelos aéreos. No lado direito, Gabriel Dias apresenta maior assertividade nos passes, taxa de recuperação da posse de bola no campo ofensivo (pressão pós-perda), tem passadas largas e ataca apenas o corredor direito. No entanto, Tinga, arrisca mais passes em progressão, busca situações de 1×1, infiltrações e alterna entre atacar a profundidade e gerar jogo por dentro.

Já no lado esquerdo, Bruno Melo é um lateral construtor com ótima qualidade no passe curto/médio, bom senso de posicionamento e que defende bem. Por outro lado, Carlinhos participa mais das ações ofensivas no último terço para potencializar a explosão, velocidade, vitória pessoal e infiltração. Além disso, possui ótima agressividade sem a bola.

No meio-campo, Rogério tem dado mais minutos à Felipe e Juninho. Os dois volantes possuem como maior virtude: o passe. Ambos participam da organização ofensiva da equipe em diferente alturas do campo. Sempre fazendo a bola rodar e esperando o momento certo para verticalizar o passe. Os zagueiros Quintero e Paulão apresentam qualidade para tentar um passe vertical ou conduzir a bola em busca do terceiro-homem livre. E no gol, Felipe Alves além de defender bem à meta, dispõe de uma característica inegociável para Rogério Ceni: jogar bem com os pés.

Saída em losango, ocupação de espaço e verticalidade

Saída em losango com Felipe Alves, troca rápida de corredor, intensidade no passe e aceleração, são algumas dos pontos fortes na organização ofensiva do Fortaleza

Ao iniciar a construção ofensiva, o Fortaleza opta por realizar uma construção curta com uma saída de 3-1 em losango. Com isso, o goleiro Felipe Alves tem no mínimo três opções de passes (zagueiros abertos e volante de frente). E essa construção do Fortaleza tem dois momentos: o primeiro quando a organização ofensiva começa na própria área, o objetivo é empurrar o adversário para o próprio campo e dar tempo dos demais jogadores ocuparem os espaços predefinidos. E isso ocorre através da criação de linhas de passe, giro da bola entre corredores ou quando uma marcação alta com encaixes bem ajustados, há por parte de Felipe Alves a busca de passes em diagonal curta ou longa para que os oponentes corram para trás da linha da bola, e assim, o Fortaleza ganhe campo para avançar.

No segundo momento, em uma faixa mais alta do campo e mais próximo a linha de meio-campo, a finalidade é causar desorganização, acelerar o jogo e finalizar. A participação de Felipe Alves ainda é frequente, mas outros dois jogadores também se fazem presente e dividem esta responsabilidade: Felipe e Juninho. O camisa 5 e 15, são organizadores natos, sempre orquestrando a equipe de frente e escolhendo o momento certo para acelerar o jogo com um passe por dentro ou em diagonal. Essa organização ocorre de forma alternada, uma vez que, enquanto um está base da jogada o outro ocupa a entrelinha.

O Fortaleza é um verdadeiro caos organizado. Rogério Ceni adota um ataque posicional e geralmente ataca com sete jogadores. Os dois laterais em amplitude no terço final, atacantes ocupando a faixa central e o meio-espaço e um volante – ou até mesmo o zagueiro – encostando por trás como opção de passe de retorno.

Fortaleza de Rogério Ceni
Rogério Ceni treina exaustivamente cada movimento dos atletas para causar desestruturação no adversário

Para causar a desorganização, a equipe utiliza-se da mobilidade e ocupação de espaços. Assim, quando Romarinho ou Osvaldo recuam para pegar a bola com o volante, há o avanço e preenchimento do espaço vazio por parte do volante que estava na entrelinha. O mesmo acontece quando ponta fica em amplitude e o lateral vem por dentro. Ou quando o “centroavante” sai da referência e o espaço é ocupado pelo ponta, que também desocupa uma zona a ser preenchida pelo meia-atacante.

Todas essas dinâmicas treinadas por Ceni têm o intuito de criar situações favoráveis para a realização de ultrapassagens, conduções, infiltrações e duelos de 1×1 no terço final que culminem com bastante gente dentro da grande área para finalizar. As finalizações de dentro da grande área são uma rotina. Mas este fato não elimina os arremates de média e longa distância.

Temporização, proteção à zona central e dificuldade na pressão pós-perda

Transição defensiva é principal ponto fraco do Fortaleza

Ao perder a posse de bola no campo ofensivo, por ter 7 jogadores participando das ações de ataque, o comportamento natural é de rapidamente virar a chave e realizar a pressão pós-perda. E é isso que se observa no vídeo. No entanto, a pressão realizada não tem tanta efetividade por ser realizada de forma “isolada”. Isto é, a pressão no portador da bola é feita de forma individual. E dessa forma facilita a retirada da bola da zona de pressão. E como sabe-se, correr para trás é muito difícil. Ainda mais na situação do Fortaleza que realiza um balanço defensivo com 3 jogadores. Um zagueiro e um volante encaixam nos adversários que vão puxar o contra-ataque e o outro zagueiro fica na sobra.

E diante de tal exposição, os jogadores apresentam dois comportamentos: temporizar e defender zonas centrais. A temporização tem como objetivo tirar a velocidade do ataque adversário e dar tempo para que haja a recomposição. Aliada a temporização, ocorre a ocupação da faixa central de campo. Com isso, a equipe procura induzir o oponente para o lado afim de afastá-lo da própria meta.

No entanto, a equipe fica exposta às transições ofensivas adversárias não por ter um balanço defensivo com poucos jogadores. Mas sim, por não apresentar movimentos coletivos de pressão pós-perda no ataque: pressing. Como é possível observar na imagem acima, o Fortaleza recupera pouco a bola em linha alta e sobrecarrega o setor defensivo.

Outro atenuante que poderia ser utilizado para impedir a progressão adversária, é o recurso da falta. Como nota-se na imagem, a equipe treinada por Rogério Ceni não costuma cometer grandes números de faltas nas partidas. Porém, é preciso saber este recurso que a regra permite em prol do time.

Marcação mista, compensação coordenada e zona de pressão

Na parte defensiva, Rogério Ceni, assim como boa parte dos técnicos no mundo, adota uma marcação mista. Ou seja, os jogadores “encaixam” nos adversários no momento em que entram em zonas pré-definidas e o acompanham até o final da jogada ou até o limite do espaço coberto. Nesta dinâmica defensiva, o Fortaleza se estrutura no 4-4-2. Esta plataforma permite uma boa distribuição e equilíbrio. O que facilita a flutuação da equipe em função da bola e as ações de cobertura.

Em linhas baixas, o Leão do Pici se compacta em 25 metros e posiciona-se entre 5 e 10 metros à frente da área com o objetivo de estreitar o campo, tirar tempo e espaço de quem está com a bola, forçar o erro ou uma bola longa imprecisa. E caso essa bola longa aconteça, a última linha está preparada. Basta observar o posicionamento corporal. Olhando para a bola, em atenção e pronto para correr.

Marcação por encaixes setorizados, zonas pressionantes e linha sustentada são algumas características defensivas do Fortaleza

No vídeo acima, é possível identificar os padrões de comportamentos defensivos do time liderado por Rogério Ceni. Os atacantes pressionam os zagueiros e volantes para tirá-los da zona de conforto. E todos próximos a região da bola, buscam encaixar nos oponentes que estão em zonas de ação. Vale destacar que os volantes sempre estão em diagonal, tanto para realizar uma cobertura, fechar a zona central ou para uma possível inversão da bola.

Outro detalhe, é que o Fortaleza induz o adversário para lado com o objetivo de alongar o caminho até a própria meta e realizar uma pressão ao portador mais intensa. Estabelecendo zonas de pressão nas laterais e à frente da área. E para evitar quebra da última linha, devido a abordagem do lateral no ponta adversário, o volante que está por dentro fechando a diagonal, entra na linha e a mantém sustentada. Esse tipo de compensação acontece a todo momento. O que mostra que a regra geral é ocupar os espaços pré-definidos sem levar em conta a posição. Pois a função é mais importante.

Apoio, condução e lançamento

A transição ofensiva do Fortaleza possui um comportamento para cada cenário que possa acontecer durante uma partida. Caso roube a bola perto do gol adversário conduz, se mantém na região da pressão e finaliza rápido. Se a equipe está próxima e no campo defensivo, utiliza o jogo apoiado para tirar a bola da zona de pressão e avançar. Se os atletas estiverem mais espaçados, a mudança de comportamento associada ao lançamento se torna uma arma mortal para progredir em campo aberto.

Nas transições ofensivas, Fortaleza acelera e define rapidamente

Como toda e qualquer equipe, o Fortaleza não está imune ao erro de execução e a baixa produtividade. E as dificuldades ocorrem naturalmente ao se deparar com um oponente que exige um nível de concentração mais alto que o habitual ou que a marcação é mais forte e requer maior mobilidade e intensidade no passe. Ou até mesmo quando o gramado não favorece a aplicação do que fora treinado.

Entretanto, o trabalho de Rogério Ceni mostra que ao se buscar respostas além do senso comum, é possível superar a visão míope do resultadismo ao conferir a necessária importância ao processo de treinamento, metodologia, planejamento, execução e análise. E como consequência tem-se a realização de jogos no mais alto nível competitivo.

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