Há algo de podre no jeito italiano de se fazer futebol: o caso Salernitana

Balanços falsos, os problemas na Salernitana: o que fazer pra mudar?

Os problemas de clubes italianos dessa temporada fora de campo já são conhecidos de todos. Primeiro, o caso da Salernitana. Todos sabiam que deixar a gestão Lotito iniciar o campeonato poderia gerar problemas futuros, uma vez que uma compra de clube não se resolve da noite pro dia.

Por muitos anos, a FIGC fingiu que não viu as irregularidades de um dono ter mais de uma equipe enquanto Lazio e Salernitana estavam em divisões diferentes, e tinham conflito de interesses, com negociações de jogadores entre si, e com outras situações. 

Mas quando a Salernitana ascendeu a Serie A, todos viram os problemas da dupla propriedade. Algo já poderia ter sido feito por ali que obrigasse a venda por parte de Lotito. Mas nada foi feito e se empurrou a situação com a barriga, permitindo que os campanos jogassem a elite do campeonato italiano.

É bem verdade que a lei da FIGC que aboliu a “dupla propriedade” no futebol italiano já foi promulgada, embora nomes como Lotito e Aurelio De Laurentiis (com Napoli e Bari), tem “permissão condicional” por conta de já terem comprado seus clubes no passado. Mas mesmo assim, algo precisava ser feito.

Agora chegamos a situação insólita que se a Salernitana não encontrar um novo dono até dia 31 de dezembro, ela será rebaixada automaticamente e seus resultados desconsiderados, o que embora não altere o preço do dólar pra quem está em cima, altera muito pra quem está embaixo. 

Neste caso, uma prorrogação até junho, que foi negada, poderia ser a ideal pelo contexto de mercado, uma vez que não há dinheiro na praça no futebol, muito por conta da crise econômica causada pela pandemia. Mas vale ressaltar que mesmo assim é uma situação que foi criada e permitida pela liga. 

Em seguida, o caso dos balanços falsos. Este não é novidade pra ninguém. Desde que criamos o Calciopizza, em 2018, isso é meio claro que existe. Só havia falta de interesse de investigação. Mas neste momento, a Itália resolveu investigar.

Primeiro, a Covisoc, a comissão que supervisiona os clubes de futebol italianos, identificou 62 transações suspeitas, destes, 18 clubes foram envolvidos, entre eles, Napoli, Parma, Genoa, Sampdoria, Empoli, Pisa, Pro Vercelli, Pescara, Novara e o recém-falido Chievo, além de clubes estrangeiros como Barcelona, Manchester City, Lille, Amiens, Marseille, Lugano e Basel. 

O Napoli só esteve envolvido uma vez, mas quando esteve, na negociação por Osimhen, repassou quatro jogadores ao Lille em troca para “abatimento” dos valores que terminaram por fazer os napolitanos pagarem “apenas” €50 milhões: o goleiro Karnezis, e os jovens Manzi, Liguori e Palmieri. Dois destes jovens já foram até dispensados pelo clube francês.

Mas um clube em especial esteve envolvido nessa história: a Juventus, com incríveis 42 transações suspeitas. De acordo com a acusação, €282 milhões estão associados a transações “caracterizadas por valores aumentados de forma fraudulenta”. 

Entre elas está a troca Arthur-Pjanic com o Barcelona, ​​a troca Danilo-Cancelo com o Manchester City, depois outras operações menores, como a troca com o Basel pelo jovem albiano Hadjari e Kaly Sene. O Ministério Público de Turim está examinando diferentes tipos de transações: primeiro, as trocas “espelho” entre dois jogadores com o mesmo valor, como no caso da transação de oito milhões (entrada e saída) com Marseille para Aké e Tongya. 

Depois há as operações “fora de alcance”, menos credíveis que as anteriores devido aos valores inflacionados dos jogadores; outras negociações suspeitas, como a que trouxe Rovella de volta ao Genoa por empréstimo, com o contrato anterior com o Gênova expirando em junho, o jogador apenas assinou uma renovação de contrato com os rossoblù antes que o negócio com a Juventus fosse concluído, e aí foi comprado em troca de Manolo Portanova (avaliada em dez milhões) e Elia Petrelli (oito milhões).

Um trecho do texto de Alessandro Cappelli para a Rivista Undici explica o real contexto do problema:

Essas operações teriam criado receitas fictícias capazes de disfarçar grandes perdas: 39 milhões em vez de 171 milhões em 2019, 89 milhões em vez de 209 milhões em 2020, 209 milhões em vez de 240 milhões em 2021. [cita a Juventus] Operações que, portanto, estariam totalmente dentro do definição de “economizar orçamentos.» Utilizado pelo Ministério Público. Mas é preciso fazer um aparte: os ganhos de capital, em si, não são ilícitos. Ganhos de capital são a receita que um clube obtém com a venda de um jogador a outro clube. Esses valores na Serie A representam uma das principais fontes de receita dos clubes, uma vez que, na maioria dos casos, os jogadores de futebol representam o principal ativo de uma empresa. O problema, por outro lado, surge quando você vai inflar o valor dos jogadores para “consertar” os orçamentos. Mas esta também é uma prática conhecida: em uma discussão de bar, ela era encoberta com “todo mundo está fazendo isso agora”. As vantagens da sobrevalorização dos jogadores são puramente contábeis, ou seja, não geram riqueza, mas servem apenas para ocultar as perdas no balanço patrimonial. E isso se tornou um sistema real na Itália: em 2015 a Série A teve um faturamento de 2,2 bilhões e os 381 milhões em mais-valias representaram 17% da produção; agora eles dobraram para 739 milhões, enquanto as receitas aumentaram 30% mal contados.

Era uma tendência já vista no futebol e que parecia clara “a olho nu”. O exemplo é a troca entre Pjanic e Arthur, entre Juventus e Barcelona, que parecia um acordo deliberadamente oneroso para fixar os orçamentos de dois clubes em grande dificuldade. 

Outro exemplo foi a troca entre Caprari e Skriniar de 2017 entre Inter e Sampdoria, que parecia uma situação de mercado inventada para permitir que os nerazzurri registrem os ganhos de capital necessários para não ultrapassar os limites do Fair Play Financeiro. 

Na época, Caprari estava avaliado em €12 milhões, o que parecia muito e hoje talvez pareça pouco. Este é precisamente o ponto: ganhos de capital inflacionados não são surpreendentes porque não há lista de preços para jogadores e porque as avaliações são sempre, inevitavelmente, subjetivas. Portanto, manipulável.

Situações em que até a Salernitana, envolvida na primeira parte desse texto, esteve envolvida em negociações com…. a Lazio. Quando repassou jogadores como Akpa-Akpro, por incríveis €12 milhões pela equipe da capital junto aos campanos, de acordo com informações do Calcio & Finanza. 

Em seguida, foram investigações a lucros de clubes. Um deles, justamente a Inter, em ação ocorrida na última semana, em que se investigam 12 negociações, orçadas pela Inter entre 2017 e 2019 por cerca de €90 milhões em ganhos de capital, e que entre seus casos considerados estão os casos do goleiro Radu e do atacante Pinamonti nas negociações com o Genoa.

O Milan também chegou a ser investigado pela Guardia di Finanza, mas no caso do clube rossonero, não foram encontradas irregularidades em negociações, o que pode ser um bom sinal em um momento em que uma parte da liga enfrenta encrencas por isso. 

Dentre as chances de punição, há chance incerta de punição criminal. Há chance de punição esportiva no caso dos lucros falsos? Chance até há, considerando o precedente dos 3 pontos perdidos pelo Chievo no campeonato de 2018–19. Mas com tanta gente envolvida, parece bem improvável que o caso não saia das tradicionais multas.

Como solução, os meios da Federcalcio voltar a verificar para fins desportivos a regularidade dos pagamentos fiscais e previdenciários das Séries A, B e C italianas pode ser um caminho para evitar. Desde que não se faça vista grossa como se fez para todos nesses últimos anos.

De uma coisa podemos tirar uma conclusão: durante anos, o futebol italiano viveu além de seus meios, gastando muito mais do que se ganha. E para ter um padrão de vida que eles não poderiam pagar, alguns clubes teriam se envolvido em comportamento ilícito, o que não se pode permitir no esporte.

Mas com as situações dos lucros falsos, mais a confusão do caso da Salernitana, ainda que algo já tenha sido feito para impedir casos futuros, acabam por demonstrar que há algo de podre na gestão do futebol italiano, e que precisa ser reformado. 

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