O MAIS BRASILEIRO DOS ESQUEMAS
Por @viniciusof* “Faz o simples! Dois volantes, dois meias e dois atacantes!”. Quantas vezes você já não ouviu esta frase no bar, no estádio, no rádio ou na televisão? Embora pouco se utilize o formato no Brasil atualmente (fato evidenciado neste levantamento apresentado aqui mesmo pelo Bolívar Silveira) o 4-4-2 ainda povoa o imaginário de boa […]
Por @viniciusof*
“Faz o simples! Dois volantes, dois meias e dois atacantes!”. Quantas vezes você já não ouviu esta frase no bar, no estádio, no rádio ou na televisão? Embora pouco se utilize o formato no Brasil atualmente (fato evidenciado neste levantamento apresentado aqui mesmo pelo Bolívar Silveira) o 4-4-2 ainda povoa o imaginário de boa parte do torcedor brasileiro como formação ideal. Mas não o 4-4-2 criado pelo inglês Alf Ramsey quando comandava o Ipswich Town no início dos anos 1960. O nosso 4-4-2 não prevê duas linhas de quatro, mas dois volantes e dois armadores centralizados para municiar uma dupla de ataque, geralmente composta por um jogador de força física e outro de mobilidade. Assim a grande maioria dos times brasileiros jogava nos anos 1990, o que fez do formato sinônimo de equilíbrio na boca do povo.
A ORIGEM
O 4-4-2 à brasileira, ou 4-2-2-2, ganha força no final dos anos 1970, com o chamado “falso ponta”. Assim se demoninou o extrema que deixava a beirada para armar o jogo com os meias e os volantes. Numa era marcada predominantemente pelo 4-3-3, equipes como o Internacional de 1979 chamavam atenção. À época o Colorado treinado por Ênio Andrade conquistara de forma invicta o Brasileirão com Mário Sérgio migrando da ponta esquerda para o centro. Poucos depois foi a vez de Telê Santana arquitetar aquele que talvez tenha sido o maior expoente do 4-4-2 brasileiro: a Seleção de 1982.
Telê armou um time extremamente móvel e com muita liberdade criativa pelo centro, com os volantes Falcão e Cerezo, o meia Sócrates, o “falso ponta” Zico e Éder; este um ponta clássico, acompanhando Serginho Chulapa no ataque. À época a crônica brasileira não concebia a possibilidade de jogar sem os tradicionais três atacantes. A pressão popular inclusive rendeu ao então humorista Jô Soares um bordão: “bota ponta, Telê”, pedia Jô, quando interpretava o Zé da Galera no programa Viva o Gordo.
O quadro humorístico atesta que o brasileiro sempre idealizou um formato. Antes o 4-2-4, depois o 4-3-3 e há alguns anos 4-4-2. O conceito de equilíbrio sempre veio representado por um esquema tático no Brasil. Em 1982 Telê abriu mão do clássico ponta direito para comportar Sócrates e Zico no mesmo time, dois jogadores reconhecidamente pouco combativos. Com isso nenhum dos dois tinha a incumbência de recompor como Éder no lado esquerdo. No frame abaixo é possível identificar bem esta dinâmica. O Brasil é atacado pela Argentina no lado direito de defesa; e não é Zico quem dá o combate, mas o volante Toninho Cerezo. Os encargos defensivos pelo flanco direito eram dos volantes e do lateral Leandro.
Mesmo com 4-3-3 ainda predominando, a partir de 1982 passaram a ser cada vez mais frequentes os pontas solitários no Brasil. Contudo, o formato solidificou-se de fato a partir dos anos 1990. Logo no início da década Telê Santana pôs fim à sina de quase vencedor ao conquistar duas Libertadores e dois Mundiais com o São Paulo. Na mais icônica das vitórias, sobre o Barcelona de Cruyff, Koeman, Guardiola e Laudrup, Telê escalara o então jovem e vigoroso Cafú na ponta direita. Por dentro o quarteto composto por Toninho Cerezo, Pintado, Raí e Palhinha municiava o talentoso Muller.
PRECISA DE PONTA?
Com o passar dos anos o ponta solitário foi sendo substituído por atacantes com maior liberdade ofensiva para atuar nos dois flancos, ou mesmo por dentro. Foi o início da era das “duplas de ataque”. A mais famosa dos anos 1990, composta por Bebeto e Romário, notabilizou-se pela mobilidade pelo centro e a liberdade ofensiva para combinar jogadas. À época a seleção treinada por Carlos Alberto Parreira atacava com os meias Mazinho e Zinho ocupando o faixa central, mas defendia praticamente em duas linhas. O vigoroso Dunga fazia o primeiro combate com muita agressividade por dentro, o que acabou por simbolizar uma seleção de força física, transição defensiva rápida e contra-ataques letais. Já à época o time de Parreira fazia movimentos hoje recorrentes, como a saída de três organizada pelo volante Mauro Silva.
As grandes equipes da década atacavam com dois volantes e dois meias internos. O quadrado marcou os melhores trabalhos de grandes treinadores do período, como Luiz Felipe Scolari, Vanderlei Luxemburgo e Paulo Autori. O brasileiro acostumou-se a ter na ponta da língua um time que começava por um goleiro, passava por uma linha defensiva de quatro jogadores, um quarteto de meio-campo e uma dupla de ataque. Jardel e Paulo Nunes, Edílson e Mirandinha (e depois Luizão), Donizette e Túlio, Donizette e Luizão, Marques e Guilherme, foram alguns dos mais infernais pares de ataque.
Em 2011 a Trivela fez uma reportagem muito interessante sobre o 4-4-2 brasileiro e ouviu diversos treinadores. “Acho que, no Brasil, esse esquema (o 4-4-2 britânico em linhas) não é usado porque é difícil encontrar jogadores com características para isso. Na Europa, os dois volantes saem bastante para o jogo”, explicou Paulo Autori à reportagem. A consolidação de dois meias internos interferiu diretamente na dinâmica dos volantes, cuja necessidade defensiva exigia vigor para se deslocar e cobrir as costas dos meias. Enquanto nas duas linhas britânicas os volantes vigiam a zona central sem a bola, uma vez que os flancos são protegidos pelos meias. Na fase ofensiva conduzem a bola ou “atacam o espaço”. Fator que deu ao volante inglês um grande protagonismo no time. O chamado box-to-box (de área à área, na tradução) é o “camisa 10” inglês. Podemos citar os exemplos de Paul Scholes no Manchester, Steven Gerrard no Liverpool e Frank Lampard no Chelsea, icônicos volantes.
“No Brasil, usamos os meias de ligação e os laterais ofensivos pela qualidade dos jogadores que temos. Temos muitos laterais capazes de serem apoiadores e marcadores e meias com características ofensivas”, diagnosticou o técnico Marcos Paquetá.
LUXEMBURGO MAGICAL BOX
A passagem de Luxemburgo pela casa-mata do Bernabéu é considerada uma mais pitorescas da história do Real Madrid pela imprensa espanhola. Consagrado no Brasil, Luxa teve uma boa arrancada no clube, consolidando um 4-4-2 em losango com Gravenssen, Beckham, Zidane e Raúl no meio-campo. Na temporada seguinte o treinador pediu as contratações de Julio Baptista, Robinho e Cicinho e passou a jogar no 4-4-2 em quadrado. O formato é até hoje lembrado pelos europeus como Luxemburgo Magical Box.
Coincidência ou não, o náufrago de Luxemburg inicia justamente com o desuso do 4-2-2-2. Um ano depois de sua passagem frustrada por Madrid, Carlos Alberto Parreira amargou uma eliminação na Copa de 2006 com seu quadrado mágico composto por Ronaldinho, Kaká, Adriano e Ronaldo. Porém, pouco tempo depois, na Espanha, o técnico chileno Manuel Pellegrini chamou atenção por armar equipes que atacavam no 4-2-2-2 e defendiam em duas linhas. Assim Pellegrini desenvolveu bons trabalhos em Villarreal e Málaga antes de chegar ao Manchester City.
Pellegrini trocava o 1×1 nas pontas pela concentração de jogadores na faixa central para combinar o famoso “2-1” nas proximidades da área. Assim levou duas equipes médias da Espanha às fases finais da UEFA Champions League. No Málaga contrariou a lógica ao retirar o sempre extrema Joaquin da beirada e colocá-lo no ataque. A armação ficava à cargo de Isco e Eliseu. Receituário repetido no Manchester City, quando, na terra dos wingers, consolidou bom futebol com David Silva e Nasri ocupando a faixa central. As combinações entre Silva, Aguero e Nasri assombraram a crônica esportiva inglesa.
O 4-2-2-2 CONTEMPORÂNEO
Duas das maiores sensações da última temporada europeia desenvolveram um futebol ofensivo e pautado pela agressividade pelo centro: Red Bull Leipzig e Mônaco. O campeão frânces e vice-campeão alemão jogaram com extremas armadores, de boa capacidade de gerar o jogo. Quando tinham a bola, Emil Forsberg (líder de assistências da liga) e Marcel Sabitzer, do Leipzig, se aproximavam e deixavam as beiradas para os laterais ou atacantes, como no frame abaixo. O movimento de lateralização de um dos atacantes, para arrastar consigo marcadores e assim descongestiorar a faixa central do campo, foi muito utilizado pelos time alemão.
Já o Mônaco contou com os hábeis assistentes Bernardo Silva e Thomas Lemar para municiar Falcão Garcia e Killyan Mbappé. A proximidade deste quarteto para associar jogadas foi um dos segredos do time campeão francês e semifinalista da Champions League.
O 4-4-2 nunca vai morrer, porém vai se adaptar às exigências de um novo tempo, onde mesmo os “camisas 10”, como Bernardo Silva e Forsberg, precisam recompor com intensidade e pressionar o portador da bola. Ser “auxiliar de lateral” as vezes é uma exigência imposta pelo adversário e não é demérito algum que o craque do seu time a cumpra.
*Colaboraram os jornalistas André Rocha e Leonardo Miranda
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