O QUASE CAMPEÃO MUNDIAL
Por Eduardo Madeira Quando arrancou pela esquerda com a bola dominada, estava claro que se tratava de um garoto com personalidade. Com o cabelo platinado, Ibrahim Ba arrancou em velocidade para o mundo todo ver. Deixou um zagueiro para trás com a maior facilidade e só teve o trabalho de deslocar o goleiro Vítor Baía […]
Por Eduardo Madeira
Quando arrancou pela esquerda com a bola dominada, estava claro que se tratava de um garoto com personalidade. Com o cabelo platinado, Ibrahim Ba arrancou em velocidade para o mundo todo ver. Deixou um zagueiro para trás com a maior facilidade e só teve o trabalho de deslocar o goleiro Vítor Baía na hora da finalização. Foi o ato final da estreia brilhante de um atleta que começava a dar o salto na carreira na hora certa.
O amistoso contra Portugal, disputado em Braga, em janeiro de 1997, foi um marco para o atacante de origens senegalesas. O pai, de mesmo nome, foi capitão da seleção de Senegal na década anterior e deixou o filho como uma das grandes promessas do modesto Le Havre, clube que sempre defendeu.
A estreia pelos Bleus, há pouco mais de um ano da Copa do Mundo que seria disputada exatamente na França, aconteceu quando já defendia o Bordeaux e era destaque de uma equipe que já tinha nomes tarimbados, como Johan Micoud e Jean-Pierre Papin.
Durante um ano e meio, tudo aconteceria de forma meteórica e explosiva para Ba. Nos amistosos seguintes contra Holanda e Suécia, foi novamente titular. Esse status se manteve até o famigerado Torneio da França, ainda em 1997.
O atacante jogou os 90 minutos contra Brasil e Itália e não foi utilizado contra a Inglaterra, quando o técnico Aimé Jacquet escalou uma equipe alternativa. Não marcou gols no torneio amistoso, mas deixou boa impressão, especialmente contra o escrete canarinho, onde incomodou Roberto Carlos com seus arranques e jogadas em profundidade.
Ba seguiu sendo aproveitado. Saiu do banco contra a África do Sul para fazer o gol da vitória por 2 a 1 e foi titular contra Escócia e Espanha, os amistosos seguintes. Naquele período, já estava na Itália. Ele era uma das apostas do Milan para a temporada 1997/98 (contratado por 7,3 milhões de euros) e vinha sendo aproveitado no clube.
Porém, do amistoso contra a Espanha, em janeiro de 1998, no Stade de France, em diante, começou o declínio que afetaria a carreira de Ba. Não saiu do banco contra Noruega, não apareceu nas demais convocações, mas estava na pré-lista da Copa do Mundo.
Ba tinha confiança de que seria chamado para o Mundial. Vivia a melhor fase da carreira, estava em uma das ligas mais disputadas da Europa em um dos times mais fortes do continente. Entrou no ciclo na reta final de preparação e foi titular na maioria dos jogos. A concorrência não era das mais fortes. Dugarry e Guivarc’h não convenciam. Henry, Anelka e Trézeguet eram jovens apostas, poderiam ser trabalhados para o futuro.
Ora bolas, Ba estava no álbum da Copa do Mundo. Não tinha como não estar na lista de convocados.
Ele foi cortado.
O dia 22 de maio de 1998 é lembrado até hoje com dor por Ba. Foi o dia em que foi chamado pela comissão técnica e recebeu o anúncio de que não disputaria a Copa do Mundo.
Foi um duro golpe. Mais doloroso ainda porque a França conquistaria aquele mundial. Como assimilar isso? Se o “quase” na vida já é duro de aguentar, imagina no esporte, onde esse mesmo “quase” separa a linha tênue entre sucesso e fracasso? Ba “quase” foi campeão mundial. É esquecido naquele time. Não havia nem razão para lembrar dele na conquista, convenhamos.
Uns crescem nessas adversidades. Ba foi o contrário. Ele foi derrotado, derrubado, destruído. A carreira poderia ter sido encerrada aos 24 anos, quando recebeu o anúncio do corte.
Ele não voltou a vestir a camisa da seleção francesa. No Milan, nunca mais rendeu. O clube rossonero o repassou para Perugia e Marseille, mas não conseguiu produzir aquilo que produziu em 1997. Trilhou ainda por Bolton, Çaykur Rizespor, da Turquia, e Djurgården, da Suécia.
Se aposentou aos 35 anos, em 2008, pelo Milan – clube que sempre nutriu carinho pela forma como foi tratado lá, especialmente por figuras como Carlo Ancelotti – com a frustração de nunca mais ter repetido o que jogou em 1997.
No peito, a mágoa de não ter disputado a Copa. “Eu olho para as imagens da vitória e digo ‘eu poderia ter estado lá’. Vou ser sincero: ainda estou com raiva de Aimé Jacquet. Eu realmente acredito que merecia o meu lugar entre os 22. Eu ainda vejo isso como uma injustiça. É uma história que mudou o curso da minha vida. Mas hoje eu aceito o fato de que nunca poderei voltar. Eu nunca serei campeão mundial. Eu sempre terei o rótulo de ‘quase campeão mundial’”, relata ao livro La Nuit des Maudits, de Karim Nedjari.
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