Os desafios da compra da Roma por Dan Friedkin em meio ao coronavírus
Quais os desafios que Dan Friedkin terá caso consiga comprar a Roma comandada de James Palotta?
Quem quer comprar a Roma? Bem, os problemas nas aquisições romanistas não são por falta de competidores. Afinal, nesse caso, a Roma é uma aquisição rentável apesar de seus problemas recentes com o Fair Play Financeiro. Tem jogadores para fazer caixa, tem uma torcida fanática que contribui bem com o clube, ações em bolsa de valores.
Mas o que dá errado na hora de assumir a Roma? Primeiro, há de se ter claro para quem é estranho ao mundo de como funcionam as associações italianas. Os clubes italianos em geral são clubes-empresa, com donos e suas atribuições, há muitas décadas, sem resistência por parte das torcidas.
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A Roma, por sua vez, é uma sociedade anônima desde 1965, quando estava em crise financeira, e o então presidente Franco Evangelisti optou por abrir o capital do clube giallorosso, o que acabou por salvar o clube naquela oportunidade.
Anos se passaram, e em 1979, um grande presidente chegou a liderança giallorossa e mudaria a história do clube. Depois de anos de meio de tabela, Dino Viola, que já estava no conselho de diretores do clube há anos, assumiu a presidência para voltar a colocar a Roma no patamar de topo de tabela que não frequentava desde os anos 40.
Através de contratações bombásticas como as de Falcão, Cerezo e Prohaska e novas estrelas nacionais, sejam contratados ou surgidos da base, com nomes como Pruzzo, Nela, Ancelotti e o eterno Bruno Conti, Viola foi um dos maiores vencedores da Roma, conquistando o épico título italiano de 1982–83 e chegando a final da Champions na temporada seguinte.
Depois dos períodos vitoriosos de Dino Viola até sua morte em 1991, Flora Viola assumiu até o final da temporada, e posteriormente vendeu as ações para Giuseppe Ciarrapico, que teve uma gestão esquecível do ponto de vista esportivo, e inesquecível do ponto de vista de caos que gerou a Roma, sendo preso e tendo que vender o clube por comprovada bancarrota fraudulenta, enquanto também era indiciado pela Operação Mãos-Limpas.
E foi nessa situação, com o clube sob ruínas, que Franco Sensi adquiriu a Roma definitivamente em 9 de novembro de 1993 em um processo que começou em maio do mesmo ano. Sensi colocou de novo a Roma em um patamar de briga por títulos.
A Roma teve suas brigas por títulos nos anos 90, especialmente nas copas, mas evidentemente que a rivalidade com a Lazio de Cragnotti, que também comprava seus craques como os giallorossi no período, fez com que os romanistas gastassem tanto quanto a rival nos anos 90 e começo dos anos 2000 para chegar as glórias.
O maior exemplo disso foi o mercado do verão de 2000, em que após o título da Lazio, Sensi se sentiu na necessidade de gastar, e gastou ao todo 120 bilhões de liras em jogadores, além de manter as estrelas jovens da casa, como Totti, Montella e Delvecchio, uma legião de brasileiros como Cafu e Marcos Assunção, e que teve os reforços de Emerson, Zebina, Samuel e simplesmente, Batistuta. Um time como aquele só poderia dar título. E acabou dando no título italiano de 2000–01, uma das maiores alegrias romanistas.
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Porém, após o estouro da bolha de mercado nos anos 2000, inicialmente para manter algumas estrelas, Sensi teve de vender algumas outras, como foi o caso de Cafu para o Milan, de Batistuta para a Inter, mais tarde da polêmica ida de Emerson para a Juventus, e mais alguns outros.
E a Roma acumulou dívidas, mesmo sendo desde 2000, também impulsionada pela rival Lazio, que lá estava desde 1998, um clube com ações societárias na Bolsa de Valores italiana. E desde 2004 foram feitas tentativas de compras dos giallorossi, que o L’Ultimo Uomo narra bem por este texto.
Primeiro, a tentativa de compra pelos russos em 2004, que se comprovaria uma farsa, que com os problemas enfrentados fora de campo pelos possíveis compradores, acabaram afugentando de adquirir o clube da capital italiana, em uma Roma que já apresentava 100 milhões de euros de dívidas.
Mais tarde, entre 2007 e 2008, foi a tentativa de compra por parte de George Soros, um dos homens mais ricos do mundo até os dias atuais, que chegou a enviar emissários para fechar negócio e pensando em transformar a Roma “no novo Manchester United”, mas por conta de uma notícia falsa sobre um possível envolvimento de árabes no negócio, Soros e sua EasyInvest desistiram de comprar o clube da capital.
Mas as coisas passaram a piorar de vez após a morte de Franco Sensi, em 2008. Quando a filha Rosella Sensi assumiu o clube, a Unicredit, a quem a Italpetro, empresa da família Sensi no ramo petrolífero, e grupo dono da Roma, começou a cobrar 300 milhões de débito dos Sensi.
No final de 2008, um empresário suíço chamado Vinicio Fioranelli tentou conversar com Rosella Sensi para tentar comprar o clube, e mais tarde, em 2011, um empresário árabe de procedência bem duvidosa, que obviamente acabou por não fechar a compra.
Mas quem chegou de fato com o dinheiro para comprar a Roma, acabou sendo a dupla Thomas DiBenedetto e James Palotta, em 2011, herdando a priori uma dívida que chegou a 325 milhões de euros da Italpetro, e sujeito a ações judiciais de ex-jogadores como Batistuta, Bartelt, Helguera, Mauro Esposito, entre outros, e com mais dívidas bancárias.
E no que isso influi na situação atual? Bem, as dívidas acabaram se prolongando em alguns casos até a compra dos norte-americanos. James Palotta, que acabou assumindo em 2012 o lugar de Thomas DiBenedetto, que era do mesmo grupo que Palotta dentre os que assumiram a Roma em 2011.
A princípio, DiBenedetto e Palotta erraram em questões esportivas e nos primeiros campeonatos, e sofreram com a derrota em sua maior chance de título: a dolorida Coppa Italia de 2012–13, com a mais dolorida das derrotas para a rival Lazio, o que para muitos já foi o início de uma relação de má vontade entre torcida e dirigentes.
A medida em que DiBenedetto foi se afastando, Palotta ganhou mais protagonismo, e começou a impor o seu modo de gerir o clube, e entre 2013–14 e 2017–18, esteve sempre presente entre os 4 primeiros da Serie A, tendo disputado o título em 3 temporadas.
Porém, o desgaste foi inevitável no período por conta de algumas situações que vamos descrever a seguir. Muitos romanistas já estão cansados da figura de James Palotta, e um clima de “marasmo” com certos erros, seja da figura do presidente, ou de dirigentes do período, como Monchi e Walter Sabatini, despertaram a ira dos tifosi giallorossi.
A situação entre o final de 2019 e o começo de 2020 começou a mudar com certa esperança além do trabalho em campo de Paulo Fonseca para os romanistas, com o interesse do empresário norte-americano Dan Friedkin pela compra, um homem que não é dono de nenhuma equipe esportiva, mas em 2017 tentou comprar o Houston Rockets, da NBA.
Cabe uma breve apresentação: Friedkin conquistou sua riqueza, sendo o 187º homem mais rico dos EUA e 504º do mundo, com patrimônio de 4,2 bilhões de dólares, conquistados através de uma cadeia de concessionárias exclusivas de automóveis da Toyota que contém 150 concessionárias entre os estados de Arkansas, Texas, Louisiana, Mississipi e Oklahoma.
Friedkin promete, assim que realizada a compra da Roma, investir cerca de 150 milhões de euros somente em seu aporte inicial, o que poderia ser útil para contratações imediatas na próxima janela, ou mesmo para segurar as questões do Fair Play Financeiro que tanto trazem problemas aos romanistas e dar respaldo ao time atual e ao trabalho do diretor-esportivo Gianluca Petrachi.
Os desafios são inúmeros. Primeiramente, na questão mercado. Os romanistas se acostumaram nos últimos anos a ver seus heróis partirem a preços “baixos” para outros clubes da Europa, como Salah, ou mesmo para rivais, como foi o caso de Nainggolan com a Inter, e de Manolas com o Napoli para sanar os problemas financeiros, e por vezes ídolos como Dzeko ficam próximos da saída a cada janela.
Os erros esportivos também pesaram muito no processo, sejam os de contratações no breve período de Monchi como diretor-esportivo em Trigoria, com erros não apenas de saídas, como de chegadas, além dos erros de tratamento com os ídolos nas despedidas dos eternos Totti e De Rossi, para muitos, quase “enxotados” do clube, pesaram contra a atual gestão.
Muito por conta disso, e com relações não muito amistosas com parte da torcida, e especialmente com os ultras da famosa Curva Sud giallorossa, somada com uma fila de títulos que dura desde 2009, por vezes são vistas faixas contestatórias ao trabalho de Palotta como presidente da Roma nas ruas da capital.
A questão das dívidas é um dos principais problemas para o amanhã romanista. No último balanço publicado até o dia 31 de março de 2020, a Roma declarou um débito de 278,5 milhões de euros. O que significa que as dívidas continuam em um patamar semelhante aos deixados pela família Sensi, embora em contextos diferentes.
A dificuldade de lucro pode ter sido um dos problemas da gestão. Seja pelo fato de que em toda a gestão Palotta, entre 2012 e 2018, a Roma só se tornou presença fixa na Champions a partir de 2014, quando só ficou de fora da edição de 2016–17, quando perdeu nos playoffs para o Porto, embora a grande participação tenha sido na histórica semifinal em 2017–18.
As ausências do dinheiro da Champions League pesaram para um clube que entre 2013 e 2018 não teve patrocínio master, embora o sucesso com a semifinal europeia tenha feito a Qatar Airways assinar um acordo com o clube até 2023. Por outro lado, nem a semifinal europeia diminuiu o tamanho do buraco para investir.
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Para reduzir as dívidas, qual o caminho? Se não o lucro com jogadores, a alternativa é o estádio. Pois isso pode ser uma questão a se resolver com a chegada de Dan Friedkin, já que o novo estádio da Roma, prometido pela gestão de seu compatriota, e que representaria importantes ganhos para o clube, até o momento não saiu do papel.
A situação foi tão desesperadora em um certo momento de 2019, que se chegou a falar até na venda do centro esportivo de Trigoria, o centro de treinamento patrimônio da Roma, para saldar uma parte das dívidas giallorossas.
O tão falado Nuovo Stadio della Roma, que será localizado na área de Tor di Valle, na capital, próximo ao hipódromo, está congelado por conta das mudanças no clube. Se andam a passos de formiga com Palotta, podem acelerar com Friedkin.
Embora Dan Friedkin não tenha experiência no mundo do esporte, a torcida romanista espera que, a medida em que a negociação seja concluída, se lide melhor com o clube e com suas questões do que aconteceu no período Palotta até aqui. O simples vento de mudança apresentado com a possibilidade de compra da Roma chegou a fazer os papéis das ações do clube na Bolsa subirem até 5,6%.
Por outro lado, as negociações de Dan Friedkin e de James Palotta pelo controle acionário da Roma estão paralisadas devido a crise gerada pela pandemia do coronavírus e suas incertezas. Palotta avalia o clube em 710 milhões de euros, e está confiante na venda, mas Friedkin quer a reavaliação dos preços. E agora, será que dessa vez a negociação sai com final feliz para os giallorossi?
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