Em busca de um extraclasse: o caminho da Suíça na formação de jogadores jovens

Em entrevista ao Footure, o português Bruno Fernandes, instrutor da Federação Suíça de Futebol, conta os planos do país no desenvolvimento de atletas, a preocupação com a falta de identificação e, claro, a procura por um jogador extraclasse.

Presente em todas as Copas do Mundo desde 2006 e com bom desempenho nos primórdios do torneio — quando atingiu as quartas-de-final em 1934, 1938 e 1958 —, além das cinco participações na Eurocopa (contabilizando 2021) e a presença na primeira divisão da Liga das Nações, a Suíça tem conseguido um desempenho sólido no cenário internacional do futebol.

Apesar de ser um país com economia estável, a população suíça não ultrapassa os sete milhões de habitantes — o que torna difícil a renovação do selecionado nacional. Além disso, o futebol não é o esporte mais popular por lá, ficando atrás do hóquei, que é a grande paixão dos suíços e que recebe maior atenção.

No entanto, mesmo com as particularidades, o futebol tem encontrado caminhos para se desenvolver e conquistar resultados compatíveis com a realidade. Por exemplo, além das façanhas citadas anteriormente pela seleção principal, a equipe sub-21 classificou-se recentemente para a Euro da categoria. É importante ressaltar que a equipe comandada por Mauro Lustrinelli fez 27 pontos, empatando com a França, que terminou com o primeiro lugar do grupo devido ao saldo de gols.

Classificado como um dos cinco melhores segundos colocados, a Suíça teve campanha superior à de cinco líderes de outros grupos. Este feito traz o país de volta ao torneio que não disputava desde 2011, quando chegou a final contra a Espanha e perdera por 2×0.

Curiosidade: os únicos dois gols sofridos pela defesa suíça foram justamente contra a Fúria, na decisão. Quase tão cruel quanto a eliminação sem sofrer gols na Copa do Mundo de 2006, contra a Ucrânia, nos pênaltis.

Aliás, essa partida especifica contra a Ucrânia foi eleita “a pior da história” em Copas do Mundo e, por muito tempo, a Suíça ficou taxada por ter apenas um futebol defensivo e sem criatividade, sendo que era nada mais do que uma abordagem extremamente circunstancial de um país que buscava fixar uma geração.

Bruno Fernandes, instrutor da Federação Suíça de Futebol, responsável pela formação dos novos treinadores do país e treinador do sub-14 do Etoile Carouge FC, clube de Genebra, explica que a metodologia aplicada atualmente na Suíça é bastante propositiva, sobretudo por se tratar de um país particular.

“A Federação Suíça impôs um programa de formação a nível nacional. Quer dizer que em cada região da Suíça existe um clube de topo, da Super League, como por exemplo o St. Gallen, Young Boys, Servette e o Basileia (Basel), e cada clube é responsável pela sua região. Todos os clubes a volta destes clubes colaboram para formar os jogadores nos campeonatos nacionais e poder fazer com que a gente tenha as mesmas ideias de formação, que é a formação dos jogadores que passam da federação aos clubes, pois cada clube tem as suas particularidades, e para que toda a gente possa trabalhar em comum e oferecer os melhores jogadores as equipes nacionais”, disse.

O desempenho em 2006 foi importante para criar um norte num país tão pequenino como a Suíça. Vários modelos já foram utilizados pela federação até chegar no atual guia que é repassado as equipes de topo. A influência do futebol espanhol, sobretudo do Barcelona de Pep Guardiola, apesar de ser esteticamente diferente daquela equipe do mundial, influenciou na elaboração do manual.

“O que hoje falta um pouco na Suíça, e que tentamos desenvolver na federação, é arranjar um jogador que seja acima da média. Temos bons jogadores, temos equipes que jogam um bom futebol, tentam jogar futebol a sair de trás e defensivamente são sólidos. Era um estilo que a Suíça quis buscar fora vendo a Espanha com o Barcelona, com equipes querendo jogar com a bola desde trás. Foi a impulsão do Barcelona de Guardiola que deu um bocado desse impacto. E depois disso a federação tentou se mexer o máximo possível para que encontrássemos uma maneira de jogar que seja comum a todos. E agora na formação tentamos transmitir esses valores, esses posicionamentos dentro de campo e todo o processo é feito dentro dos clubes aqui na Suíça para formar jogadores para as equipes nacionais”, completa.

Com base nesses ensinamentos, a equipe sub-21 passou com facilidade no grupo 2, que contava com França, Geórgia, Eslováquia, Azerbaijão e Leichtenstein. Das 10 partidas, os suíços venceram nove jogos, sendo uma vitória impressionante por 3×1 contra o forte selecionado francês, que levou a campo na época jogadores como Odsonne Edouard, Moussa Diaby, Eduardo Camavinga, Rayan Ait Nouri e Dayot Upamecano.

Historicamente com uma defesa forte, a Suíça não só repetiu a dose como comprovou as palavras de Fernandes ao emplacar destaques individuais em estatísticas ofensivas. Andi Zeqiri, ponta do Brighton, marcou nove gols no qualificatório, sendo o quarto maior artilheiro desta fase. Bastien Toma, meio-campista do Genk, realizou seis assistências, sendo uma a menos que Jacob Bruun Larsen, ponta dinamarquês, que somou sete. Além disso, Zeqiri empatou com Eddie Nketiah e Odsonne Edouard com mais chutes no gol na competição: 21.

A última participação suíça na Euro fora em 2011 quando perdeu a final para a Espanha, com gols de Ander Herrera e Thiago Alcantara. Fizeram parte desta equipe o goleiro Yann Sommer, o volante/zagueiro Fabian Lustenberger, os volantes Fabian Frei e Granit Xhaka, o ponta Xherdan Shaqiri e o atacante Admir Mehmedi. São nomes importantes na seleção principal, nomes de Copa do Mundo.

Entretanto, mesmo com uma boa quantidade de nomes que deram o salto, o prognóstico nem sempre é assim para os futebolistas. Ainda utilizando a Suíça como exemplo, da geração que conquistou a Copa do Mundo Sub-17, em 2009, apenas Ricardo Rodríguez, Granit Xhaka e Haris Seferovic deram continuidade em alto nível por equipes proeminentes na Europa. O grande destaque do torneio, na ocasião, era Nassim Ben Khalifa, antiga joia do Grasshoppers, e com passagem curta por Wolfsburg e Nurnberg, mas que passou longe de performar em bom nível. Atualmente o ex-camisa 10 da seleção sub-17 está no Esperance Tunis, da Tunísia.

Vingar ou não é um processo inerente no futebol. Entretanto, esse risco é apenas mais um detalhe que a federação precisa driblar. Devido ao nível intermediário da liga suíça, muitos jovens saem cedo para equipes com melhor e maior poderio financeiro. Segurá-los nem sempre é questão de querer. Andi Zeqiri (Brighton), Bastien Toma (Genk), Noah Okafor (RB Salzburg), Nedim Bajrami (Empoli) e Alexandre Jankewitz (Southampton) são alguns exemplos de jogadores promissores, que fazem parte da seleção sub-21, mas que já estão em outros centros.

Por outro lado, é justamente o nível intermediário da Super League que vem sendo uma alternativa para imprimir mais competitividade às jovens promessas suíças. Alguns meses atrás, o CIES Observatory realizou um estudo sobre a utilização de jogadores sub-21 na Europa e a Super League estava bem ranqueada, com média de 18.1% de atletas nessa faixa etária sendo utilizados no campeonato. Para efeitos de comparação, são números que rivalizam com a Holanda (23%) e Croácia (22%), que têm uma tradição muito grande em revelar jogadores. O St. Gallen é a nona equipe “mais jovem” na Europa, com média de 23.8 em seu plantel.

“O nível do campeonato não é equivalente aquilo que se pode encontrar na liga espanhola, na liga inglesa, são campeonatos mais competitivos. Eu penso que o campeonato suíço dá a possibilidade aos jovens jogadores com qualidade e com talento poderem se mostrar, que é uma etapa que para mim é intermediária ainda hoje, porque os meios ainda não são os mesmos que existem na Inglaterra, ou na França ou Espanha. Portanto, dá oportunidades a jogadores que pronto estão a descobrir o mundo profissional de poderem vingar a nível profissional no campeonato suíço e depois saírem para o estrangeiro. Isso aconteceu com vários jogadores suíços como Yann Sommer, que está no Borussia Monchengladbach, o Dennis Zakaria, que são jogadores que tiveram que passar aqui pela Super League antes de ir para a Alemanha”, explica Fernandes.

Além de providenciar oportunidades num ambiente cuja pressão é bem menor do que em grandes centros, a Suíça também adotou uma medida diferente nas camadas inferiores e que tem dado sucesso na formação dos jovens atletas.

“Durante o sub-13, sub-14 e sub-15 não há campeonatos com classificações, porque a gente faz nessa idade de 12, 13, 14 e 15, que é uma idade importantíssima para um jogador melhorar a aprendizagem técnica, não há competitividade de classificação para a gente dar oportunidades a todos os jogadores de poderem se desenvolver e dar o mesmo tempo de jogo a todos, não haver vantagens, não haver treinadores que ponham interesses pessoais de resultados antes do jogo. Cada clube tem a sua filosofia de jogo, mas sempre com as diretrizes da federação, que impõe trabalhar com as quatro fases do jogo: ter a bola, perder ter a bola, recuperar a bola e não ter a bola. Essas quatro fases do jogo, ofensivo e com transições rápidas”, revela Fernandes.

O grande objetivo da federação suíça é produzir um jogador extraclasse. O êxodo cada vez mais cedo dos principais destaques nacionais para ligas maiores pode soar como um complicador, porém, o maior empecilho, na realidade, é a dupla-nacionalidade.

Em 2018, na Copa do Mundo na Rússia, ficou famosa a comemoração de Shaqiri fazendo a águia albanesa com a mãos na vitória da seleção suíça por 2×1 contra a Sérvia. Ele e Xhaka permaneceram suíços, mas são de uma etnia majoritária no Kosovo, que recentemente ganhou permissão da UEFA para disputar campeonatos como um país independente. Caso o Kosovo tivesse essa permissão alguns anos antes, ambos teriam optado pela nação da família, algo que Ivan Rakitic fez. O meio-campista do Sevilla nasceu na Suíça, defendeu as divisões de base do país, mas na última categoria acabou optando pela nacionalidade dos pais, a croata.

Na quarta foto é possível ver Granit Xhaka comemorando com o símbolo da águia de duas cabeças, que está presente na bandeira da Albânia.

“Hoje em dia para um garoto nascido na Suíça é difícil ter identificação. Um garoto que seja português, como eu também fui, que aprendi com o meu pai a ser do Benfica desde pequenino, a gente desenvolve outra identidade. Quando chega um treino na Suíça e vai ver os meninos com as camisas, eles têm camisas do Paris [Saint-Germain], do Manchester, do Real Madrid e não tem camisas de equipes do campeonato suíço. Isso é um real problema, porque a dupla-nacionalidade que trás isso. A federação temos a tentar arranjar soluções para guardar os garotos. Hoje temos planos de formações específicos para os clubes, que eles têm que respeitar, que é para propor planos de carreira para os jovens em formação e que sejam especiais. Esses jogadores com muito talento já na federação já tem um estatuto especial, tem várias pessoas que fazem o seguimento do jogador para acompanhar a carreira durante os anos”, confessa o instrutor.

Apesar desses percalços, nomes como Eray Comert e Becir Omeragic, de Basel e Zurich, respectivamente, já são figurinhas carimbadas na seleção principal comandada por Vladimir Petkovic. Omeragic, que tem dupla-nacionalidade, tem apenas 18 anos e é considerado um dos jovens mais promissores do campeonato local. Zagueiro alto, mas com leveza para se movimentar e técnica para sair jogando de trás, ele é uma das grandes esperanças da nova safra.

Felix Mambimbi, atacante do Young Boys, tem apenas 19 anos e já é referência. O jovem suíço é destro, mas pode desempenhar várias funções no último terço. Mambimbi geralmente atua como segundo atacante em sua equipe, mas na seleção ele já fora utilizado como ponta-esquerda visando utilizar a velocidade aliada com a grande habilidade na finalização com o pé trocado.

Felix Mambimbi é uma das apostas mais seguras do futebol suíço. Figurinha carimbada nas seleções de base, nesta foto o atacante está a serviço da seleção sub-17. Foto: Reprodução.

Há, de fato, bons nomes e outros muito bons na Suíça. Internacionalmente, até de forma bastante coletiva, o país tem mostrado seu valor. O trabalho realizado por Bruno Fernandes em conjunto com a Federação Suíça de Futebol é de suma importância para criar-se uma cultura futebolística mais forte num país que tem resultados comprovados, seja com os garotos ou com os profissionais.

“A ambição do futebol suíço é bem simples. É de um dia encontrar um jogador que seja como Ronaldo ou Messi. Desenvolver um jogador com a mesma criatividade de Ronaldo ou Messi. Nós temos bons jogadores como Shaqiri e Xhaka, jogadores de Liverpool e Arsenal, mas não são jogadores top como pode ser o Neymar, Ronaldo ou Messi. A ambição que a federação tem é de poder chegar o dia em que a gente vai poder desenvolver aquele jogador que possa fazer a diferença. Na Nations League, quando jogamos contra Portugal, a Suíça fez um jogo espetacular a nível competitivo, técnico e tático, mas ao final o resultado ficou 3×0 e foi o Ronaldo que marcou os três gols. E foi aí que começamos a pensar, é aí que está a diferença para a nossa nação e as outras. Podemos jogar bem a bola, temos formação e tudo, mas falta-nos aquele jogador. Nós tínhamos esse tipo de jogador aqui em Genebra há um ano, mas aí veio o Paris Saint-Germain e contratou o garoto, Portugal veio e levou o miúdo para as seleções. São coisas que são difíceis. É um garoto com muita criatividade. É um miúdo que até em Portugal diziam que desde o Cristiano Ronaldo não viam alguém assim. O nome dele ainda por cima é Eder, um jogador com uma criatividade enorme”, finaliza Bruno.

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